
Há 75 anos nasceu em Cedofeita, Porto, Humberto Manuel de Jesus Coelho, uma das maiores figuras do futebol português, onde foi jogador de excelência, selecionador nacional que levou a turma das quinas ao bronze no Euro/2000, e, durante 13 anos, vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol.
Humberto começou a carreira de futebolista nas categorias jovens do Ramaldense (1964/66), transitando para os juniores do Benfica (1966/68), onde se sagraria campeão nacional do escalão. Como sénior, Humberto Coelho realizou 360 jogos pelo Benfica, 42 pelo Paris Saint-Germain, 22 pelos Las Vegas Quicksilvers e 64 pela Seleção Nacional (vice-campeão da Minicopa, em 1972), num total de 448 partidas e 66 golos, o que para um defesa central é um registo notável. Foi ainda campeão nacional absoluto por oito vezes, venceu sete Taças de Portugal e uma Supertaça Cândido de Oliveira e integrou várias vezes seleções europeias e mundiais.
Como treinador, além de Portugal, dirigiu as seleções de Marrocos, Tunísia e Coreia do Sul e o Salgueiros, o SC Braga e o Al Shabab.
A estes dados, deve acrescer-se a principal caraterística de Humberto Coelho, a liderança. Como futebolista foi um dos grandes capitães do nosso futebol, impondo a sua personalidade vincada a companheiros e adversários, tornando-se num suporte inestimável para os treinadores com que lidou. Tratando-se de uma condição pessoal, manteve-a quer como treinador quer mais tarde como dirigente, durante os consulados de Fernando Gomes, primeiro na Alexandre Herculano e depois na Cidade do Futebol.
Falar de Humberto sem falar do seu hobby preferido, o golfe, seria deixar de lado uma parte significativa da sua existência. Em 1982, numa digressão do Benfica aos Estados Unidos, Humberto pediu autorização a Eriksson, que lhe disse que sim, para ir jogar num fim de tarde...
Ao longo dos anos, A BOLA juntou um espólio fotográfico significativo de Humberto Coelho, que neste dia do seu 75.º aniversário trazemos a público, com algumas imagens que nunca foram publicadas. Humberto como nunca o viu, especialmente enquanto jogador, é a forma de homenagear um nome que se confunde com o que de melhor tem o futebol nacional.
Um líder à imagem de Beckenbauer ou Bobby Moore
Quando se fala do Benfica, normalmente associa-se a mística às suas equipas, algo que arde sem se ver e em muitas ocasiões faz a diferença. Bellà Guttmann, o ‘feiticeiro’ húngaro que levou os encarnados à conquista do bicampeonato europeu, chegou à Luz, em 1960, vindo do FC Porto. Numa entrevista que um ano depois concedeu a A BOLA, não se coibiu de falar da mística nestes termos:
«Só quem está lá dentro do Benfica é que pode saber o que é a mística. Eu, antes, já tinha ouvido falar da mística do Benfica. Mas encolhia os ombros. Não sabia o que era. Francamente, até pensava que não fosse nada, que não passasse de uma simples e vã palavra. Agora, porém, que a conheci, senti e vivi, afirmo-lhe que ela existe. Não há nenhum clube do Mundo que possua mística igual à do Benfica. E é este, afinal, um dos grandes segredos dos seus êxitos e da sua força.»
É evidente que os tempos mudaram, as equipas do Benfica deixaram de contar com jogadores que faziam quase toda a carreira no clube, e tornou-se mais difícil manter esse estado de espírito que foi passando de geração em geração por elementos que conseguiam ascendente sobre os companheiros e os ‘obrigavam’ a um determinado comportamento e empenho.
Humberto Coelho transportou consigo, durante muitos anos, essa responsabilidade, herdada de jogadores históricos que a tinham recebido de outras referências do clube de Cosme Damião.
Talvez um exemplo prático, com Humberto como protagonista, possa ilustrar o que Guttmann, duas décadas antes, quisera dizer.
Na época de 1982/83 o Benfica, treinado por Sven-Goran Eriksson, recebia um adversário que lutava pela manutenção, e o primeiro tempo dos encarnados foi, digamos, pouco intenso, uma espécie de ‘deixa andar porque o golo há de aparecer’. Ao intervalo, com todos os jogadores sentados nos bancos de madeira da cabina dupla do velho estádio da Luz, antes do técnico sueco poder dizer fosse o que fosse, Humberto Coelho pediu-lhe licença, e tomou a palavra, dando uma reprimenda aos companheiros pelo que tinham feito nos 45 minutos iniciais. «O que é que se passa», disse, em voz alta, o capitão, «isto é para meter o pé, para correr mais que os outros, para lutar mais do que os outros, porque nós somos o Benfica. Estou envergonhado com o que fizemos na primeira parte e não admito que isto se repita.» Silêncio total no balneário durante longos segundos, sem que ninguém, fosse quem fosse, tentasse sequer esboçar um protesto relativamente às palavras de Humberto, que tinha dado, a quem teve o privilégio de o ouvir, uma aula prática de mística. Esse jogo teve um segundo tempo completamente diferente e acabou em goleada a favor dos encarnados. Quem quiser ficar a saber mais sobre Humberto Coelho, pode tomar este episódio como referência.