As supertaças já não são o que eram. Em outros tempos, a competição era disputada pelo campeão nacional e o vencedor da taça do país, no jogo que abria a temporada seguinte. A fórmula era simples e ainda é aplicada em vários países, como Portugal ou Inglaterra, que seguem uma linha tradicionalista, pelo menos até ao momento.

No entanto, vivemos numa era recheada de novidades e em que a vertente financeira passou a ser o fator mais importante. Recentemente, vários foram os exemplos de supertaças que passaram a ser disputadas a três jogos, ou seja, duas meias finais e a final. Nesta versão, além dos tradicionais participantes, são incluídos o segundo classificado do campeonato e o finalista vencido da taça. Com isto, passa a existir a possibilidade que o troféu seja conquistado por um emblema que tenha ficado em branco na temporada anterior, deixando de lado o mérito desportivo.

Outro câmbio radical foi a data da disputa do troféu. A supertaça era o clássico que abria a temporada, a melhor maneira de começar uma época, com um estádio cheio e um troféu entregue, pese que o mesmo não tenha a mesma importância que uma liga ou uma taça. É um extra que sabe bem. Ainda assim, cada vez mais são os jogos que são ‘empurrados’ para o meio da temporada desportiva, mais concretamente para a altura do natal, perdendo um pouco a essência do que significa uma supertaça.

Uma outra mudança, esta no meu entender mais grave que as primeiramente apresentadas, está relacionada com a localização da disputa do torneio. Cada vez mais as supertaças têm sido disputadas em outros países, que em nada estão relacionados com o troféu, tentando captar a atenção de outros públicos, mas esquecendo-se que os verdadeiros adeptos ficam a ver o jogo a partir de televisores, a milhares de quilómetros. Afinal, nem todos os aficionados possuem uma capacidade financeira para poder viajar.

Estas alterações geográficas são justificadas pelo capital oferecido às federações e aos clubes participantes. A Arábia Saudita albergou recentemente a Supertaça de Itália e a Supertaça de Espanha precisamente por isto. Vejamos o exemplo do nosso país vizinho. O acordo assinado em 2023 levou a que a Real Federación Española de Fútbol (RFEF) recebesse 21 milhões de euros, com obrigação de distribuir o dinheiro por emblemas do terceiro escalão, do quarto escalão e do futebol base. O Mallorca recebeu 850 mil euros, enquanto que o Athletic, o outro semifinalista derrotado, teve direito a dois milhões de euros. Já o Real Madrid, finalista vencido, trouxe para o Santiago Bernabéu sete milhões e cento e cinquenta mil euros. Por fim, o Barcelona arrecadou nove milhões de euros, já que teve direito a dois milhões de euros do prémio da vitória na competição.

Sem dúvida nenhuma que o dinheiro oferecido pelo país do Médio Oriente faz a diferença para vários clubes, nomeadamente nos de divisões inferiores, que têm direito a uma percentagem entregue pela RFEF, mas qual será a opinião dos adeptos? Real Madrid e Barcelona certamente contam com fãs na Arábia Saudita, mas será que o Athletic e o Mallorca têm seguidores por lá? Imaginemos uma final entre estes dois clubes. Como estariam as bancadas do Estádio de Jedá? Nunca saberemos, pois o El Clásico foi o jogo decisivo e claro que o recinto encheu.

Em Espanha este tema foi muito debatido, com mais defensores da aposta interna, com os duelos a serem disputados entre fronteiras, sendo inclusivamente sugerido que a disputa do troféu alternasse por cidades, já que existem estádios de elevada qualidade ao longo do território, com capacidade para albergar dezenas de milhares de espetadores. Em Itália a posição foi semelhante.

Contudo, não se preveem mudanças para o futuro e a situação tenderá a agudizar-se, com mais países a juntarem-se a este caminho. Será que Portugal o vá seguir? Acredito que muito dependerá da futura direção da Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

Não me parece crível que exista uma mudança de formato, a curto prazo. Poderia existir a intenção de incluir o vencedor da Taça da Liga, de maneira a credibilizar ainda mais a competição, com um prémio para o vencedor. Neste caso, teria que ser incluída mais uma equipa para se evitar a criação de um triangular sem sentido. O mais provável passaria pela inclusão do segundo classificado da Primeira Liga, que teria a possibilidade de disputar um troféu como consequência de ter sido o ‘melhor dos piores’ noutro. O público teria quota importante na implementação deste modelo, que seria mais facilmente aceite se Sporting, Benfica e FC Porto marcassem presença na primeira edição.

Já a questão da localização lançaria mais polémica. Pedro Proença, candidato à liderança da FPF e atual presidente da Liga Portugal tentou nos últimos anos vender incessantemente a Taça da Liga a outros países, como Estados Unidos da América ou Arábia Saudita:

«Já há um caderno de encargo, foi lançado um concurso público e esperamos que muito rapidamente possamos ter conclusões. O mercado [da Taça da Liga] é tripartido: América é uma boa possibilidade, o mercado da Arábia Saudita e o mercado europeu, que também nunca deixamos de fora. Queremos fazê-lo o quanto antes, faz todo o sentido. Temos partilhado isso com os nossos clubes. Há uma grande vontade de conseguir internacionalizar as nossas competições por essa via. Estamos na antecâmara de reduzir a Taça da Liga a um modelo que possa corresponder ao período pós-2024. Direi que, daqui a um ou dois ciclos, acredito que consigamos fazer esse desiderato», revelou o antigo árbitro à Rádio Renascença, em abril de 2023.

O entusiasmo do discurso de Pedro Proença felizmente não é contagiante. A Taça da Liga não é a Supertaça Espanhola. O futebol português está alguns degraus atrás do espanhol ou italiano, em termos de qualidade e de público. Mesmo tratando-se de um Clássico ou de um Dérbi de Lisboa, o entusiasmo no Médio Oriente não seria muito elevado. Quem também ficaria pouco contente seriam os adeptos dos clubes que participariam na competição, pois poucos poderiam ir ao estádio apoiar a equipa. Pedro Proença tratou de falar em destinos bem longínquos e a Arábia Saudita não é Badajoz.

O atual presidente da Liga Portugal poderá passar a ter a intenção de colocar a Supertaça de Portugal fora do território luso, caso seja eleito líder da FPF, numa ideia que tratará de vender como internacionalização do futebol português, mas que no fundo apenas será uma maneira de conseguir arrecadar mais capital para o futebol nacional, esperando-se um jogo com as bancadas praticamente vazias, já que os verdadeiros adeptos ficarão nas respetivas cidades, vendo o jogo em conjunto, ou nas suas casas, com as respetivas famílias.

Já a ideia do sistema rotativo de receção do evento seria bem recebida. As últimas edições têm sido disputadas no Municipal de Aveiro, longe dos centros de Lisboa e Porto. Apesar de nem todo o território nacional possuir recintos com condições mínimas, há estádios de qualidade espalhados por todo o país e um evento de tal dimensão mexeria inclusivamente com o turismo das regiões selecionadas.

Como o fator económico é cada vez mais importante, é natural que a Supertaça de Portugal siga o exemplo de algumas nações e seja disputada em outros países, sem qualquer ligação com o nosso. No final das contas, quem ficarão a perder serão os adeptos e é possível que nem aos clubes lhes agrade assim tanto tal decisão, dependendo da fatia do prémio que vão receber. A internacionalização do futebol português é necessária, mas levar o desporto rei para longe dos seus aficionados nunca poderá ser uma solução, quando falamos de um país em que nem na própria Primeira Liga consegue encher estádios.