
Há semanas que parecem nunca mais acabar. Os sentimentos negativos parecem ter a habilidade de multiplicar as horas de um sofrimento que se sabe no que vai dar. É a primeira vez que, desde que se tornou frequentador habitual destes torneios, Portugal sai com uma sensação de impotência generalizada, de estar constantemente em cima de areias movediças a caminho do fundo. A seleção parece demasiado afeiçoada ao estatuto de underdog. A terceira participação seguida num Euro servia para testar como as Navegadoras se dariam sem essa capa. Falharam.
E falharam, sobretudo, porque, não sendo uma equipa jovem, cometeram erros infantis. Sofrer golos tão cedo em dois dos jogos da fase de grupos assim o mostra. A crença numa possível chegada aos quartos de final era tanta que o barco afundou com o peso. Na realidade, trataram-se só de atos de insustentada convicção que a derrota com a Bélgica (1-2) tratou de desmistificar.
É tão difícil encontrar explicações para a fragilidade de Portugal nos primeiros minutos de jogo que até as paisagens que as baixas bancadas do Stade de Tourbillon deixam destapadas parecem uma resposta plausível para a distração que aos três minutos acabou logo com qualquer esperança. Janssens quebrou um qualquer recorde olímpico na distância entre o meio-campo e a entrada da grande área. Por lá apareceu Tessa Wullaert, a jogadora que todos sabiam ser a referência da Bélgica, mas que ninguém foi capaz de parar.
A urgência de ganhar, em primeiro lugar, e de marcar muitos golos, em segundo, obrigou Portugal a adiantar a linha defensiva. A seleção nacional amedrontou-se com a imensidão de espaço nas costas, sendo inicialmente superado na tentativa de pressão alta. O benefício das faltas cometidas foi dando alguma ajuda. Janssens e Deloose, as laterais, assoberbaram Catarina Amado e Joana Marchão com decisões entre ir ou ficar. A intuição de Wullaert penalizou as internacionais portuguesas sempre que estas quiseram ser carteiristas em zonas mais adiantadas. Compreendendo o que se estava a passar, as centrocampistas exteriores, Tatiana Pinto e Andreia Norton, deram início a uma missão de apoio à guarda dos flancos que foi bem-vinda.
É que com as boas sensações não se brinca. Antes que, como os Anjos, elas levem a mal e comecem a reclamar, Francisco Neto manteve-se fiel em termos táticos ao que apresentou contra a Itália. Assim sendo, o selecionador mexeu naquilo que foi obrigado a mexer devido à suspensão de Ana Borges, expulsa contra a Itália, ficando Catarina Amado com as incumbências do flanco direito. Do mesmo modo que trocou de jogadoras apenas num caso em que não teve como fugir, o sistema tático (4x4x2 losango) também não foi alterado.
Porém, a Bélgica veio mais preparada e anulou o efeito surpresa que as italianas sentiram. A preparação de Elísabet Gunnarsdóttir deu às compatriotas de Tintim ascendente. Justine Vanhaevermaet tem tamanho para quase dar pelo ombro aos relevos alpinos, mas faltaram-lhe uns centímetros para chegar à solicitação de Wullaert. Além de imensa no tamanho, a jogadora do Everton teve tentáculos para agir em todo o campo.
No fenecer da primeira parte, Portugal era outra versão de si mesmo. As belgas deixaram de conseguir sair a jogar e as Navegadoras não deixaram o barco afundar na defesa. No entanto, faltou sempre jogar entre as fendas, fazer o inesperado, fugir ao programado. Foi nesses momentos que deu pena ver Kika Nazareth a ser a única ao nível da competição em que se encontrava.
Agora, olhando em retrospetiva, o cenário mais provável era este. Confiar na capacidade goleadora de uma equipa desarmada era despropositado. Nem adiantava dar uma espreitadela no resultado do Itália-Espanha, porque Portugal não estava a ser capaz de cumprir o requisito mínimo de ganhar à Bélgica e por isso estava igualmente longe pensar nos quartos de final. Para isso, era preciso somar três pontos, que a Espanha ganhasse e que a diferença de golos fosse favorável em relação à Itália.
Deambular de sistema em sistema com uma equipa que não domina todos os momentos do jogo em nenhum deles pode não ser o mais saudável. Ainda assim, ao intervalo, Portugal voltou ao 3x5x2 com a estreia de Lúcia Alves. Tal como tinha acontecido no Mundial, a seleção volta a deixar uma competição com a imagem mental da ineficácia de Ana Capeta. Travada duas vezes, ficará com a guarda-redes Lisa Lichtfus na memória. Também Kika Nazareth e Andreia Jacinto colocaram artigos na montra do desperdício.
Só no arranque da segunda parte, a seleção teve mais oportunidades concretas do que no Euro inteiro. A Bélgica também as teve, mas foram menos empoladas pelas bancadas. Se há pegada que Portugal deixa no Euro são os adeptos que cantaram durante os 270 minutos que durou esta participação.
Se Portugal dividia os inapropriados remates, a Bélgica concentrava-os em Toloba que enviou a bola ao lado, por cima, à barra e até a colocou dentro da baliza num lance anulado pelo VAR. Sofrer cedo e marcar tarde parece a tónica portuguesa, pois só aos 87 minutos Telma Encarnação, vinda do banco, empatou o encontro num remate rasteiro de pé esquerdo que parece ter acordado de novo as belgas. A partida assumiu contornos anárquicos, o que para uma seleção tão frágil emocionalmente como a portuguesa significa entrar num campo indesejável. Primeiro, o VAR anulou um golo que surgiu de uma carambola na pequena área. Não importava, pois, logo a seguir e mesmo antes do apito final, Cayman estabeleceria o resultado em nova prova da pouca impetuosidade da linha defensiva.
De qualquer forma, friamente, a segunda parte foi dominada na maioria do tempo pela equipa de Francisco Neto que elevou a agressividade defensiva. Escassos minutos de qualidade em três jogos que não foram merecedores de uma histórica presença nos quartos de final, o objetivo estabelecido inicialmente.
Há jogadoras que parecem ter chegado ao topo da contribuição que podem dar à evolução da seleção. Os feitos históricos terão sempre o nome delas, mas os recursos que bastaram para chegar aqui não bastam para seguir em frente. A gratidão ficará sempre, como ficou junto daquelas que, no passado, não participaram em grandes torneios ou sequer tiveram o seu nome escrito num jornal.
Ao mesmo tempo que cheira a fim de ciclo, não há, no imediato, quem as possa render colocando Portugal no mesmo patamar que a Espanha ou a Inglaterra. Afinal, a produção de talento feminino ainda não está assim tão massificada. Com paciência, lá chegaremos e, quem sabe, com ideias novas ainda se possa dar um novo impulso que dará tempo para nascerem prodígios de classe mundial como a intocável Kika Nazareth e outras, mais jovens, que continuarão a ser imprescindíveis daqui para a frente. Águas paradas é que não.