Do Autódromo do Estoril até ao Estádio António Coimbra da Mota não distam nem 10 quilómetros e os minutos de carro de um ponto a outro contam-se pelos dedos de duas mãos. E agora há uma peça de roupa única a ligar as duas arenas. No jogo com o SC Braga, este sábado (18h, Sport TV2), o Estoril vai jogar com um equipamento especial, celebrando Ayrton Senna e a inesquecível primeira vitória do brasileiro na Fórmula 1, dias antes dos 40 anos daquela serenata à chuva torrencial no asfalto encharcado do Estoril. A 21 de abril de 1985, Senna não só se estreou a ganhar como o fez com estilo: deixou todos os adversários a mais de um minuto e apenas Michele Alboreto, 2.º classificado, cortou a meta na mesma volta que o brasileiro.

Essa corrida forjou o início da lenda de Senna, então um promissor piloto no seu segundo ano na Fórmula 1. A sensibilidade e talento para conduzir à chuva, que já tinha mostrado no GP Mónaco do ano anterior, tornou-se então matéria quase sobrenatural. Estava ali, naquele dilúvio biblico, o escolhido, encarnado num carismático rapaz de 25 anos, montado num dos mais icónicos e bonitos carros da história da Fórmula 1, o Lotus 97T, negro com pormenores a amarelo como a marca de cigarros que patrocinava a escuderia britânica.

Ayron Senna no GP Portugal 1985
Ayron Senna no GP Portugal 1985 Paul-Henri Cahier

A referência cromática é importante. Porque é precisamente o negro que domina o novo equipamento do Estoril, com detalhes a dourado, o mais visível num dos cantos inferiores, onde se vê a silhueta do traçado do Estoril, com a data do grande show à chuva: 21/04/1985. A gola, pouco habitual nas camisolas do Estoril, remete, explica-nos António Nobre, diretor de marketing do clube, para o lado de lá dos estádios ou das pistas: “O Ayrton Senna fazia vida social aqui em Cascais. A nossa ideia era fazer uma camisola de futebol que não fosse, à primeira vista, uma camisola de futebol. Algo que se pudesse usar na rua.” Na parte frontal da camisa, as listas verdes, amarelas e azuis da bandeira do Brasil e do mítico capacete de Senna tratam de engalanar ainda mais o jersey. É uma homenagem a Ayrton Senna, com certeza.

O momento da vitória de Senna no GP Portugal 1985 é, até aos dias de hoje, “relembrado com grande carinho” pelas gentes do concelho de Cascais, sublinha António Nobre. O piloto tinha em Cascais muitos amigos, divertia-se em restaurantes, espaços noturnos, no casino. Era um dos seus pousos na Europa. O Estoril quis com esta camisola de utilização única, e que não será comercializada (para tristeza de tantos fãs de Senna, diga-se), “recordar um legado” que nasceu no concelho. A ideia de comunidade, das histórias de Estoril e Cascais, foi o início de tudo. Explica-nos Nobre que a bandeira verde para a camisola brotou pouco depois do responsável chegar ao clube.

“Em janeiro de 2024 já tinha desenhado um bocadinho do que ia ser o plano para nos aproximarmos da comunidade, das pessoas do município. Parte disso passava pela recolha de histórias boas do concelho. Tivemos o 007, com inspiração cá, o Casino. Fizemos algumas fotos com jogadores em museus como a Casa das Histórias de Paula Rego”, conta. Nessa altura, através das redes sociais, António Nobre conheceu Bernardo Fernandes, cascalense que tinha acabado de abrir uma agência criativa. Após um café, decidiram desenvolver alguns projetos juntos. Um deles foi como poderia o clube celebrar os 40 anos da vitória de Ayrton Senna no Estoril.

Em maio de 2024, o Estoril entrou em contacto com o Instituto Ayrton Senna, organização da família que gere o espólio e a imagem do piloto, que partiu tragicamente em 1994, após um acidente no GP São Marino, em Imola. “Quando conseguimos obter uma resposta deles percebemos que podia deixar de ser um sonho escrito numa folha de papel e passar a ser algo real. Eles foram colaborando connosco do início ao fim, estando a par, sempre com o foco numa homenagem e nunca num produto comercializável”, aponta o responsável, que sublinha que, com a evolução das conversações, o Estoril percebeu também que a iniciativa só fazia sentido como tributo. “Achámos positivo não comercializar uma história bonita”, continua. A camisola será assim um produto único que conta “uma história e celebra a vida, a vitória e a própria história do circuito do Estoril.”

Objeto único

Trinta anos depois da sua morte, o fascínio por Senna não esmorece. Tornou-se mito, história contada de pais para filhos, muitos deles ainda projetos de gente quando brasileiro partiu. O YouTube está aí para mostrar às novas gerações a destreza e talento do paulistano. O Estoril esperava uma “boa resposta” à iniciativa, até pelo “carinho dos cascalenses” e das “pessoas aqui da zona”, muitos deles presentes no autódromo naquele dia chuvoso de abril de 1985. Mas não o que aconteceu nos últimos dias, com artigos e referências que foram desde a Índia à Argentina ou Polónia, entre outros locais com mais ou menos exotismo.

Nobre reconhece que tem sido “complicado” lidar com a quantidade de contactos, mesmo que o clube tenha informado logo que a camisola não estaria para venda. Os pedidos mais difíceis de gerir? Os dos próprios jogadores, até porque as camisolas são limitadas e serão apenas utilizadas no jogo com o SC Braga: “Quando falámos com o Instituto Ayrton Senna tivemos de detalhar a quem iam ser entregues os exemplares da camisola. Está tudo contabilizado. O Vinicius Zanocelo, o único brasileiro do plantel e que participou na sessão fotográfica de apresentação do equipamento, está muito chateado connosco porque não pode levar a camisola para o Brasil. Diz que o vão odiar em casa [risos].” Cada jogador poderá ficar com uma camisola. Será seguramente difícil ver trocas de jerseys com os jogadores do SC Braga no final do jogo.

Masaharu Hatano

Duas das camisolas deverão, sim, regressar às origens. Na segunda-feira, dia do 40.º aniversário da vitória de Senna no Estoril, está marcado um evento de homenagem ao brasileiro no autódromo, com o Lotus 97T conduzido por Senna em exposição na pista, para quem quiser ter um cheirinho daquele dia. O Estoril tenciona oferecer uma camisola à Lotus e outra a Bruno Senna, sobrinho do tricampeão mundial, também ele antigo piloto de Fórmula 1.

Uma camisola, uma comunidade

Os equipamentos fazem parte da identidade de um clube, mas, para o Estoril, são também “um veículo para chegar à comunidade”. O terceiro equipamento da equipa para este ano, em tons de rosa, nasceu de uma parceria com a associação Manicómio, que reinsere pessoas com doença mental através da arte.

“Neste momento somos o único estádio em Portugal onde se pode ter consultas de psicologia e psiquiatria, através do projeto Manicómio”, explica António Nobre. “Quisemos que o espaço estivesse ao serviço da comunidade.”

Para o próximo ano já há “algumas coisas na calha” em matéria de equipamentos, mas o responsável pelo marketing e comunicação do Estoril diz não querer “aumentar as expectativas”. Mas avança que o clube está a trabalhar com um artista urbano local para desenvolver as novas peles para o ano que aí vem.