No seu célebre Discurso sobre o Estilo, Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon, disse que “o estilo é o homem.” Referia-se ao estilo da escrita, ao estilo literário, mas podia bem referir-se a outras artes, incluindo a arte menor, e para ele desconhecida, do futebol. Com aquela frase, Leclerc queria dizer que o estilo não resulta de uma operação deliberada da vontade, da razão e da lógica, mas é a manifestação, quase espontânea, de um carácter, de uma personalidade: o estilo revela o homem porque o estilo é o homem.

Apercebemo-nos da validade futebolística da máxima do conde de Buffon quando pensamos em jogadores combativos, cuja essência se define mais pela atitude do que pela técnica, mas também em jogadores cuja técnica é tão requintada que por vezes caem no barroquismo estilístico, na ornamentação desnecessária, no adorno inútil a que eles, por serem como são, não conseguem resistir. Nem uns nem outros fazem estilo porque o estilo não é algo que se faz, é o que se é.

Se me pedissem uma palavra para definir o estilo de Diogo Jota em campo diria “prático”. Na definição do dicionário da Porto Editora, o adjetivo prático significa, entre outras coisas, o “que se adapta a situações concretas”, “que tem sentido da realidade”, “que está bem adaptado à sua função”, que é “funcional”, “eficaz”. Duvido que haja outra palavra que defina de forma tão cabal a personalidade futebolística de Diogo Jota porque na sua carreira, sabemos agora que curta, revelou a capacidade de adaptação a situações concretas, um invulgar sentido da realidade, uma compreensão perfeita das suas funções e uma eficácia devastadora. Esta última não é apenas uma impressão: de todos os jogadores do Liverpool com mais de 50 remates à baliza na história da Premier League, Diogo Jota era o mais eficaz, com uma taxa a rondar os 50% de aproveitamento, o que significa que um em cada dois dos seus remates à baliza acabavam em golo.

Andrew Powell/Getty

Não queria que este elogio a Diogo Jota fosse contra alguém, como costumam ser os elogios dos portugueses, mas, em favor do argumento, permitam-me que me socorra do caso de João Félix. A discussão em torno deste jogador, tecnicamente muito mais talentoso do que Diogo Jota, um virtuoso capaz de prodígios inalcançáveis à maioria dos futebolistas, raramente põe em causa as suas virtudes. Pelo contrário, anda sempre à volta do ambiente favorável, do treinador ideal e da posição que mais se adequará ao seu inegável génio. A arte, dizia Oscar Wilde, é inútil. Nesse sentido, João Félix é uma obra de arte. Diogo Jota era uma ferramenta, um utensílio.

Toda a gente gostaria de ter um Matisse ou um Picasso pendurado na parede da sala, mas para espetar o prego na parede onde se vai pendurar a obra-prima é melhor ter um martelo à mão. Não sei se Jürgen Klopp percebe alguma coisa de arte, mas temos de reconhecer que percebe muito de futebol. E uma das maiores provas da sua sabedoria – e escrevo-o sem qualquer exagero póstumo – foi a contratação de Diogo Jota ao Wolverhampton. O treinador alemão foi buscá-lo no ano em que o Liverpool quebrou o jejum de títulos nacionais e um ano depois de ter sido campeão da Europa. O tridente ofensivo do Liverpool – Salah, Mané e Firmino – era o equivalente futebolístico às Três Graças na Primavera de Boticelli: uma obra perfeita, irretocável, impossível de melhorar.

Agora é fácil falar, mas na altura quem é que imaginaria que o rapaz franzino que se destacara nos Wolves e pelo qual o Liverpool pagou uma quantia substancial se haveria de afirmar tão rapidamente na equipa? Pelos vistos, Klopp imaginava. Mais do que imaginar, tinha a convicção, para não dizer a certeza, de que seria assim. Em poucos jogos, ficou à vista o extenso conjunto de discretas qualidades de Diogo Jota: simplicidade (refinada), garra (com foco) e eficácia (quase sobrenatural). Enquanto outros jogadores ficam sempre aquém das suas capacidades, Diogo Jota tirou o máximo proveito das suas qualidades. Exceto pelas lesões, não desperdiçou um grama do seu talento com o seu futebol prático, de processos simples, funcionais e eficazes, belo como um quadro de Mondrian. Melhor: belo como a parede branca e nua onde se pendura um Mondrian.