
Histórico responsável pelo departamento de formação do Sporting, homem por detrás da epopeia dos descobrimentos de nomes como Paulo Futre, Figo ou Cristiano Ronaldo, estes dois últimos Bolas de Ouro, Aurélio Pereira morreu aos 77 anos, informação confirmada pelo clube de Alvalade.
De Futre a Dani, de Ricardo Quaresma a Simão Sabrosa, de Luís Figo até a um rapaz franzino da Madeira, a Aurélio Pereira o futebol português deve o trabalho de peneira que ajudou a encontrar e a desenvolver alguns dos maiores nomes do desporto nacional. Dos campeões da Europa de 2016, 10 foram cunhados pelo seu olho clínico. Partiu esta terça-feira.
Nascido a 1 de outubro de 1947, Aurélio Pereira jogou nas camadas jovens do Sporting, onde não chegou a sénior. Ainda passou por alguns clubes de menor dimensão da capital, mas cedo optou pelos bancos, regressando a Alvalade no início da década de 70 para treinar no futebol de formação. Foi campeão nacional de juvenis em 1983/84 e em 1986/87.
Em 1988 sai da sua cabeça a base do Departamento de Recrutamento e Formação do Sporting. Com poucos recursos, pedia aos sócios do clube para enviarem informações sobre talentos espalhados pelo país, um sistema rudimentar, mas que permitiu ao Sporting antecipar-se aos rivais em vários craques. Um labor que seria profissionalizado com a inauguração da Academia de Alcochete, da qual foi um dos principais impulsionadores. Hoje, o estádio principal da casa do Sporting tem o nome de Aurélio Pereira. Deixou o Sporting em 2019, sem nunca se esquecer de parar em qualquer lugar onde um grupo de miúdos estivesse a jogar à bola. O futebol de rua era a origem de tudo, porque ele próprio tinha vindo daí.
“Na minha altura só se jogava futebol de rua, éramos miúdos e andávamos todos a jogar durante 24 horas por dia. Acabava quando vinha a polícia. O futebol era uma coisa fantástica e nunca percebi que raio de cabeças eram aquelas que não percebiam isso. A polícia não nos deixava jogar futebol na rua”, disse em entrevista ao jornal do Sporting em 2020, recordando a infância no bairro da Venda Nova, na Amadora.
Caça-talentos
Descobriu Paulo Futre num “parque do Montijo”, como o próprio referiu na nota de condolências que escreveu nas suas redes sociais. Cadete viu-o pela primeira vez durante um fim de semana romântico com a mulher, em Benavente. Foi a Vila Real ver Simão Sabrosa, que brilhava na equipa da sua escola primária. Dani encontrou-o quando o miúdo jogava futebol, a dar toques na praia, numas férias em Tróia - e que Dani não tenha aproveitado todo o seu talento foi uma das suas grandes dores. Quaresma sobressaiu quando o alvo primordial na observação era o irmão. “O melhor olheiro do mundo é São Tomé: ver para crer, já diz o ditado”, atirou à Tribuna Expresso em 2017.
Foi ver para crer também na primeira vez que colocou os olhos em Cristiano Ronaldo. Nem precisou de chegar ao fim do treino. Trazer Cristiano para o continente custava cinco mil contos na altura e foi a palavra de Aurélio Pereira que convenceu o Sporting. E Dolores Aveiro.
“O seu legado viverá para sempre. Nunca deixarei de estar grato por tudo o que fez por mim e por tantos outros jogadores. Até sempre, Senhor Aurélio, obrigado por tudo. Descanse em paz”, escreveu Cristiano numa mensagem no Instagram. Já Nani referiu “os bons e importantes conselhos”. A mensagem de Ricardo Quaresma não podia ser mais profunda na sua aparente simplicidade: “Sem Aurélio Pereira nada tinha acontecido”.
“Foi um mestre em vida na sua área e uma pessoa consensual para todos, tendo sido sempre reconhecido pelo ‘seu’ Sporting CP: recebeu dois Prémios Stromp e um Leão de Ouro e, em 2012, o Clube atribui o seu nome ao principal relvado/estádio da Academia Sporting”, pode ler-se na nota sobre o falecimento do Senhor Formação publicada pelo Sporting no seu site oficial. O reconhecimento também chegou de Lisboa, que em 2017 lhe entregou a Medalha de Mérito Desportivo da Cidade e também da UEFA, que o destinguiu com a Ordem de Mérito em 2018, pelo seu papel no desenvolvimento do futebol português e europeu.
Pedro Proença, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, fala de uma “perda irreparável” para o futebol português, lembrando o “legado enorme construído pelo homem que descobriu alguns dos melhores jogadores da história” do desporto nacional”, mas também a “pessoa amável, de fino trato”.
“Teremos uma enorme e eterna dívida de gratidão com o Mestre Aurélio Pereira e tudo faremos para honrar o seu legado”, escreveu ainda Proença numa nota deixada no site da FPF, que refere ainda os jogadores si trabalhados e que ajudaram Portugal a conquistar o Europeu de 2016, uma geração que ficou precisamente conhecida por “Os Aurélios”: Wiliam Carvalho, João Mário, Ricardo Quaresma, Cristiano Ronaldo, Rui Patrício, José Fonte, João Moutinho, Adrien Silva, Cédric e Nani.