
Mariana Cabral voltou a falar sobre a polémica saída do comando do Sporting em outubro do ano passado. A treinadora portuguesa de 37 anos, atualmente no Utah Royals (13.º classificado da NWSL, campeonato feminino dos Estados Unidos) como adjunta da belga Jimmy Coenraets, garante que gostou dos cerca de três anos que passou a orientar a equipa principal das leoas, mas deixou muitas críticas à forma como o clube geria a secção de futebol feminino.
"O Sporting podia ser muito melhor do que aquilo que é, só que há um problema grande em Portugal: as pessoas acham que nos estão a fazer um favor por terem uma equipa feminina", começou por referir em declarações ao 'Olhá Bola, Maria', podcast da Rádio Renascença. "Quase que nos obrigam a estar gratas por ter uma equipa. Eu percebo que há pessoas que não se importam, mas eu não sou assim. Fazia-me muita confusão. E também foi por isso que acabei por me demitir, porque senti que não tinha mais vontade de dar a cara por algo em que já não acreditava", acrescentou.
Quando nós entrámos no Sporting, nem gabinete para os treinadores tínhamos. Também não havia câmara, era emprestada
Mariana Cabral
Ex-treinadora do Sporting
A treinadora recordou ainda o caso da médio Joana Martins, que fraturou a clavícula em agosto de 2024 e não foi operada de imediato - mesmo com dores, a cirurgia apenas aconteceu duas semanas depois -, uma situação que, naturalmente, a aborreceu... e não foi a única. "A pancada que eu levei só por ter dito isso... e ok, eu entendo [as represálias], mas o meu trabalho é tentar proteger as jogadoras. E quando isso acontece, e não é a primeira vez, não é a segunda, não é a terceira...", lamentou.
No que diz respeito a condições de trabalho e infraestruturas, garantiu que há um mundo de diferença face ao que encontrou na América: "Temos dois relvados, os homens têm dois relvados também, são lado a lado. Partilhamos o mesmo refeitório, a mesma cantina, normalmente em horários diferentes, mas às vezes cruzamo-nos e estamos ao mesmo tempo. Achas que alguma vez em Portugal isto iria acontecer? Nunca. Em Portugal, já treinar em relvado era uma sorte..."
"Quando nós entrámos no Sporting, nem gabinete para os treinadores tínhamos. Também não havia câmara, era emprestada. Não havia scouting na altura. Uma série de coisas que parece agora outro tempo. Claro que isso depois mudou, já não era assim, mas o processo teve de ser todo do zero. Tudo isso teve de ser construído, teve de ser feito por nós", admitiu.
A treinadora sublinha ainda que não era por estar a representar um clube grande, neste caso o Sporting, que "tinha as condições todas e era tudo fantástico", revelando que ganha "quase o triplo" na equipa de Salt Lake City. "Não é nada assim. Isto não é o futebol masculino. As pessoas não têm mesma noção nenhuma. Eu aqui ganho quase o triplo do que ganhava no Sporting, e sou treinadora adjunta. É só um pequeno exemplo. Quando falo de condições, não falo apenas de dinheiro", assegurou.
Por fim, comparou os ambientes que encontrou em Alcochete e nos Estados Unidos, ponto de partida para reforçar o motivo pelo qual se demitiu. "Estamos sempre no 'banter' [n.d.r. na brincadeira], é uma coisa brutal. É muito engraçado. É uma coisa boa para ti, porque todos os dias vais feliz para o trabalho. Isso é que eu quer, isso é que é o meu objetivo. E foi por isso também que me demiti do Sporting. Eu não ia feliz para o trabalho. E eu quero manter esta paixão pelo futebol", finalizou.