O futebol dá-se muito ao efeito Mandela. Leia-se, a coletivamente acreditar em algo que, na verdade não aconteceu. Como aquela velha máxima (mas velha porquê?) que a equipa que está pior geralmente ganha um jogo grande. Terá acontecido um par de vezes na história da humanidade - por cá culpamos Liedson - e alguém resolveu colocar na pedra. Diga-se que, neste dérbi, nem havia razão para tal voltar a acontecer, tal é o equilíbrio entre as duas equipa, seja em pontos ou no momento, em todo o campeonato em si.

O que tende a não ser mentira nestes jogos grandes é que raramente são bem jogados. São quase sempre duelos competitivos, intensos, emotivos, de tal forma sofridos que é difícil haver clarividência para a bola cantar rolando no relvado.

TIAGO PETINGA

Este Benfica-Sporting, seguramente o jogo do ano, talvez até um dos jogos do século, não foi exceção. Adiem-se portanto as piadas com o nome do novo Papa, ou os gritos por um campeão que volta. Com o 1-1 no marcador, fica tudo para definir numa última jornada não menos nervosa: o Sporting, em vantagem pelo confronto direto, recebe o Vitória e o Benfica viaja até casa de um SC Braga ainda a acalentar o 3.º lugar. Vai ser, seguramente, até ao fim, num campeonato que se foi nivelando, nem sempre por cima, mas com as linhas de desempenho de Sporting e Benfica a grudarem-se, num abraço que só será desfeito no derradeiro jogo. Só em 1954/55 houve troca de líder na última jornada.

Tudo tão igual está que ninguém estranhará o empate que saiu da Luz. O Sporting marcou talvez na única vez que a sua jogada tipo funcionou na perfeição. O Benfica respondeu com uma tremenda jogada individual do seu jogador em melhor forma, assumindo o jogo na 2.ª parte por ter, também, mais armas para o fazer. O esforço coletivo embateu também numa defesa do Sporting muito serena na 1.ª parte, e competitiva na 2.ª, quando o assunto já só era lutar. A bola no poste de Pavlidis foi o fiel da balança que o ferro não quis que caísse para um dos lados.

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Seria sempre certo que um golo nos primeiros minutos definiria muito do jogo. O Sporting marcou cedo, aos 4’, num lance de bê-a-bá do livro de estilo do leão, que já deveria há muito estar na cabeça dos jogadores do Benfica: Pote lançou Gyökeres e o tanque sueco atraiu a si três jogadores do Sporting, deixando Trincão com espaço para receber o passe do avançado. O remate, com a parte interior do pé, saiu bem junto ao segundo poste, colocado, rasteiro. O Sporting era, então, virtual campeão nacional.

Mas entre as virtualidades e o bem palpável da realidade havia largos minutos. A reação do Benfica não foi bafejada logo logo pelo pragmatismo. A bola seguia demasiado, como que magnetizada, para os pés de Angel Di María. O argentino, especialista em finais - e este jogo era praticamente uma final -, rematou com algum perigo um par de vezes e é dele a incursão pela direita aos 20’ que se transformou no primeiro lance do Benfica na área. Mas, em geral, o Benfica abdicava do coletivo sempre que Di María conduzia o ricochete.

O Sporting, por sua vez, levava o jogo para o campo da fealdade plástica. Na dúvida, procure-se Gyökeres. Não estando na dúvida, controle-se o meio-campo. O Sporting conseguiu-o na 1.ª parte, com Debast e Hjulmand a anular Kökçü e Florentino. O jogo demasiado lateralizado de Ausnes também permitia esta vantagem territorial. Aos 28’, uma sapatada de Rui Silva aos pés de Aktürkoğlu salvou o que seria a grande oportunidade do Benfica na 1.ª parte, mas o turco parecia adiantado.

RODRIGO ANTUNES

Com os centrais do Benfica aparentemente confortáveis e Maxi Araújo a vencer o duelo pessoal com Di María, o último carregamento do Benfica antes do intervalo assustou mais do que produziu. Mas parecia certo que a equipa de Rui Borges não aguentaria fisicamente mais 45 minutos assim.

E não aguentou. A saída de Di María ao intervalo, aparentemente por problemas físicos, e a entrada de Schjelderup estenderam a procura do golo por parte do Benfica a mais intervenientes. Pavlidis, numa forma soberba, foi um deles. O lance do empate, aos 63’, numa fase em que o Sporting praticamente já só tentava em transições e Trincão e Pote já sofriam fisicamente, é digno dos melhores bailados do Bolshoi. Não sei como estamos de ballet na Grécia, mas que se ponha os olhos nos deslizantes pés do avançado helénico, que deitou Diomande e Quaresma ao chão, antes de ultrapassar Hjulmand e Morita. A bola tocada para a pequena área pedia apenas um simples sopro e Aktürkoğlu, ainda com a ajuda de Maxi, estava lá para o dar.

Pavlidis que esteve a meros centímetros de se tornar o figura deste campeonato (na verdade, ainda vai a tempo), quando minutos depois rematou ao poste após uma arrancada pela direita de Belotti, que parece ter encontrado em Portugal o ânimo que já lhe faltava em Itália. Podia ter sido o lance definidor deste campeonato (na verdade, ainda vai a tempo).

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O nervosismo que só engordou até final tornou o jogo, então, numa espécie de batalha sem mortos ou feridos. O Sporting muito pachorrento nas transições - e espaço não faltou - fosse por falta de inspiração ou défice físico. Morita não entrou bem, Quenda deu menos do que se esperava ao jogo. Gyökeres, decisivo no golo dos leões, passou a estar muito sozinho, mesmo quando Rui Borges lançou Harder. E o Benfica, com mais opções, outras armas no banco, tão-pouco teve a clarividência para assentar a bola no chão.

Entre o deve e o haver, talvez a história deste campeonato estivesse escrita. Escrita para ter um final e um epílogo até aos derradeiros momentos. Esta semana houve de tudo, menos campeão. Na próxima, em estádios e cidades diferentes, a última frase será revelada.