
Depois de ter conquistado o ouro nos 400 livres nas 32.ª Universíadas Rhine-Ruhr 2025, na Alemanha, tornando-se na primeira nadadora portuguesa de sempre campeã no evento, assim como a prata nos 800 livres, Francisca Martins, de 22 anos, dispôs apenas algumas horas para celebrar antes de partir, juntamente com o seu treinador Simão Marinho, para Singapura, onde, com Diogo Ribeiro (Benfica), Camila Rebelo (Louzan) e Diana Durães (Benfica) vai disputar, a partir de domingo, o 22.º Mundial de natação pura. Antes de viajar A BOLA conversou com a nadadora do FOCA sobre os frenéticos últimos dias e êxitos e o que espera do seu segundo Mundial.
— Foi fácil adormecer após ter ganho a medalha de ouro nos 400 livres?
— Acabei por me deitar tarde e só consegui dormir um pouquinho, mas bem. Mas também vou ter muito tempo para dormir durante a viagem até Singapura. Deitei-me tarde porque acabamos por ir festejar, jantei mais tarde e depois fui para o quarto e estive a tentar responder às mensagens das pessoas, a falar com a minha família e acabei por demorar mais tempo a acalmar depois de pousar ao telemóvel e demorei um bocadinho a adormecer.
— Como é terminar as Universíadas com duas medalhas [prata aos 800 livres], uma delas de ouro [400 livres], um 4.º lugar [200 livres] e com três recordes nacionais?
— Estou mesmo muito feliz [risos]. Acho que é o recompensar e ainda ter algo de físico que mostre o trabalho que tenho feito nos últimos anos. Este último macrociclo foi mesmo muito bom a nível de treino e isso confirmou-se nestes resultados e tempos. Nadei dos 100 aos 800 metros livres e em todos fiz marcas muito boas e que me deixam bastante orgulhosa. Estou mesmo agradecida por o ter feito e é sempre um orgulho representar a Seleção, seja em que competição for. Gosto bastante do nosso País. É uma felicidade grande poder levar medalhas para Portugal.
— Foi muito além do que esperava quando foi para estas Universíadas na Alemanha?
— Não, em termos de marcas foi dentro do que estava à espera, para o que tenho trabalhado. As medalhas, sabíamos ser possível, principalmente aos 400 livres. Nos 200 e 800 livres estava em 8.º e 6.º lugar [da start list], por isso tinha algumas oportunidades, mas não algo que viesse a pensar fazer. Normalmente costumo ficar sempre nas marcas que quero fazer. Se isso depois se traduzir em alguma classificação de topo, melhor.
— Nos 800 livres penso que foi muito tática. Arrancou para a liderança e aproveitou estar numa pista lateral. Só a americana [Mila Nikanorov] é que a conseguiu apanhar. Foi tudo planeado antecipadamente ou decidido pouco antes da prova?
— A minha estratégia nos 800 livres passa sempre por aí: tentar entrar rápido e aguentar o máximo possível, porque se entrar num ritmo muito lento depois tenho alguma dificuldade em não quebrar. Normalmente até quebro mais se entrar mais lenta, por isso a estratégia é começar com um nado confortável, boa velocidade e depois motivar-me ao estar ver que vou à frente e procurar aguentar o cansaço e as adversárias.
— E o que é que pensou naqueles últimos metros, porque a japonesa [3.ª, Ruka Takezawa] ia ao seu lado e a americana estava nas pistas do meio? Conseguiu perceber onde é que ela ia ou foi sobretudo uma luta só consigo?
— Normalmente consigo sempre ver as adversárias durante a série. Notei que a americana ultrapassou-me mais ou menos aos 350/400 metros, penso, mas tentei focar-me no que queria fazer e não alterar muito o padrão de nado. Depois, quando virei aos 500m, a japonesa começou a aproximar-se e eu pensei: ‘Não, isto tem que ser para mim. Não consigo ver a piscina toda e também pode estar alguém do outro lado. Se lhe ganhar, se calhar dá medalha’. Agarrei-me a isso, tentei fazer as coisas todas direitinhas, viragens e sair das viragens. Agarrei-me à japonesa e tentei continuar o ritmo. Mas no final foi só coração, alma e raça para chegar na frente.
— Nos 400 livres, apesar de ser uma prova diferente, também foi um pouco assim: foi para a frente e quem quisesse viesse atrás?
— Sim, acaba por ser a minha imagem de marca: entrar um bocadinho mais forte e depois motivar-me a liderar. Foi também o que tentei fazer. A sensação que tive até foi que tinha entrado um bocadinho mais rápido aos 200 metros, mas ao ver os parciais notei que não. Mas sim, a estratégia passava mais ou menos por aí.
— Quando terminou a final dos 800 livres, olhou para cima, apontou com o dedo e depois juntou as mão. Aquela medalha tinha uma dedicatória especial [o pai de Francisca, Paulo Martins, faleceu, repentinamente, em fevereiro. Acompanhava-a quase sempre nas provas]?
— Tem. Como é óbvio, estes últimos meses em casa não têm sido fáceis de gerir e ter conseguido fazer o treino que fiz, estar disposta a voltar a treinar, a competir, sair de casa e principalmente deixar a minha mãe e irmã foram coisas nada fáceis. Estas duas medalhas são dedicadas ao me pai. E não tenho absolutamente dúvida nenhuma que naqueles últimos 50 metros das duas provas foi ele que esteve lá para me ajudar a chegar na frente.
— Quando referiu a medalha também ser o reflexo físico do seu trabalho, aqui também tinha algo de espiritual para si? Era importante tê-la nas mãos, torna as coisas diferentes?
— É verdade, nunca tinha ganho uma prova assim importante a nível internacional. Já havia vencido etapas do Circuito Mare Nostrum e coisas do género, mas agora foi diferente. A medalha de bronze no Europeu [Belgrado-2024, 400 livres] também foi bastante importante, mas acho que o sentimento de vencer uma prova destas era algo que não tinha experimentado sem ser em Portugal ou em competições de menor relevo. Agora senti uma grande diferença, senti-me tão feliz, que nem consigo explicar. Foi um sentimento muito diferente e gostei muito.
— Este momento de forma foi sobretudo apontado para as Universíadas ou pensa que pode estar ainda mais rápida no Mundial?
— Apontámos sempre para as Universíadas e para o Mundial, mas sabemos que o fuso horário não me vai ajudar na transição. Se estiver bem nesse aspecto e não sentir muito o jet lag, gostava de nadar para os meus tempos nas eliminatórias. Tenho capacidade para isso. Quando digo os meus tempos, refiro-me aos recordes pessoais [são nacionais] que tinha antes das Universíadas. Já seriam umas marcas boas, mas tudo vai depender de como me sentir.
- O seu maior receio é realmente ir nadar num fuso horário completamente diferente ao da Alemanha [+8 h] e não tanto cansar-se?
- Exacto. Na Alemanha consegui estar os dias todos super tranquila, fiz as minhas rotinas de descanso e recuperação. Sinceramente, não foi uma daquelas competições de muitos dias e quando chegamos ao final já sentimos cansaço competitivo e até físico devido por estarmos concentrados. Estava com pessoal tranquilo e isso ajuda. A comitiva foi muito boa, conversávamos muito e o ambiente era bom o que me ajudou a estar mais descontraída e passar bem a competição sem sentir demasiado cansaço e pressão.
— Vai ser o seu segundo Mundial de longa. O que é que aprendeu com o primeiro?
— Creio que no primeiro [Doha-2024] houve a incerteza do que iria sentir. Normalmente é sempre a incerteza que me faz mais confusão, não saber o que esperar e o que posso fazer traz-me maior nervosismo e ansiedade. Entretanto já participei no Mundial de curta e acaba por ser cada vez mais um ambiente a que começo estar habituada e no qual me sinto mais integrada, o que ajuda a ter confiança para nadar. Mas também consigo cada vez mais nadar melhor de manhã, o que bom. No Europeu sub-23, por exemplo, praticamente igualei o recorte pessoal aos 200 livres de manhã, o que é um bom indicador. Passei a sentir-me mais confortável para alcançar bons resultados.
— Controla melhor estar, por vezes mais de meia hora, à espera na câmara de chamada, onde existe maior pressão e estão as adversárias top?
— Normalmente temos que estar 20 minutos antes na câmara de chamada, o que em Portugal não acontece. No início fazia-me alguma confusão e criava-me muito nervosismo. Começava a pensar em muitas coisas ao mesmo tempo e isso criava uma certa ansiedade. Ultimamente já tenho lidado bastante melhor, ponho a minha musiquinha, estou ali tranquila, quase que não penso na prova e tento só estar a divertir-me e feliz por ir nadar. Outra coisa que também me assustava um pouco era o impacto de estarmos numa piscina imponente quando entrava para para competir. Existe um ambiente de outra dimensão, mais sério do que num Nacional ou até mesmo no Europeu. Agora já controlo melhor essas diferenças.
— No Mundial vai nadar apenas os 200 e 400 livres, não optou pelos 800?
— Foi uma opção que fiz com o meu treinador [Simão Marinho]. Podia ir na mesma aos 800 livres porque tinha o mínimo B, mas optamos por não fazê-lo. Irei estar já algum tempo em tapering [fase de redução de carga nos treinos] e normalmente para nadar os 800 livres já não reajo tão bem. Assim optamos apenas pelos 200 e 400 livres.