
André Villas-Boas já tinha dado o mote: o seu primeiro ano enquanto presidente do FC Porto é um ano zero, ninguém tinha percebido é que era mesmo um zero à esquerda. Começando por um mercado de verão que prometeu muito e entregou pouco, passando pela aposta falhada em Vítor Bruno, pela perda de peças-chave em janeiro e culminando num modelo de jogo progressista, mas que encontra resistência, o Porto apenas retira uma supertaça desta época. Ninguém reconhece o seu ADN e nem há uma vitória sobre os rivais para ficar para a história.
O verão azul e branco até prometia um Porto competitivo. Com pouco dinheiro, parecia que André Villas-Boas tinha operado um milagre: Samu recusou outros patamares para se juntar à invicta, Nehuén Pérez prometia suceder a Pepe enquanto comandante da defesa, Fábio Vieira voltaria mais maduro, Francisco Moura iria subir o nível nas laterais, Tiago Djaló reforçava a defesa e Deniz Gul prometia concorrência a Samu. Mas nada disto aconteceu; na verdade, a maior contratação do Porto já treinava no Olival e ainda não tem idade para guiar: Rodrigo Mora.

Dentro de campo, embora a reviravolta heroica na Supertaça fosse um grande ponto de partida na época do Porto, ficou claro desde o início da temporada que a equipa até se impunha frente a equipas de qualidade inferior à sua, mas que não tinha argumentos quando o nível competitivo subia. Foi assim em Alvalade, na Noruega frente ao Bodo/Glimt, em Roma contra a Lazio e, principalmente, no Estádio da Luz.
Vítor Bruno foi o príncipe que quis ser rei, mas um mês de janeiro catastrófico ditou a sua saída e o reino do Dragão haveria de encontrar um líder em Martin Anselmi. Para completar o mês, tanto Galeno como Nico González abandonaram a cidade do Porto, deixando os cofres mais cheios, mas o campo mais vazio. O mote estava dado novamente: preparar a próxima época, porque esta já acabou.
Prometendo um futebol dinâmico, apoiado e ofensivo, assentando numa linha de três que se podia desdobrar e prometendo fulgor nas laterais, o modelo de Anselmi era uma autêntica revolução na equipa do FC Porto e dúvidas pairavam acerca da capacidade do plantel de corresponder (ou não) a este modelo de jogo. Como previsto, Anselmi encontrou e ainda encontra resistência.
À semelhança de Ruben Amorim no Manchester United e seguindo a linha de ação do seu presidente, o treinador do Porto não se adapta ao plantel e força os jogadores a adaptarem-se ao seu sistema. Passa uma mensagem de autoridade e de que o foco é no futuro, quem corresponder fica, quem não corresponder sai. Pode ganhar no futuro, mas contrariamente a Rui Borges, treinador do Sporting, perde no presente.

Sem rodeios, este plantel do Porto é fraco para aquilo que são os padrões do clube. Ainda assim, parece que Anselmi encontrou o seu 11 base, e é por isso que o repete desde o jogo frente ao AFS, seguindo-se os jogos frente ao Estoril e Benfica. Durante algum tempo, mantive-me expectante e não quis tecer julgamentos precoces acerca de Martín Anselmi, a filosofia por trás do sistema e a forma como o treinador argentino o defende fizeram-me esperar.
No entanto, quanto mais tempo passa, mais dúvidas tenho. Após perceber como prepara os jogos, como os lê e como pensa, parece-me que Martín Anselmi vem de uma escola de treinadores modernos obcecados com uma ideia, um conceito, uma utopia: construir desde trás com qualidade e dinamismo, jogar em campo inteiro e trabalhar a bola de uma área à outra- e é exatamente assim que o Porto joga, como se o campo não tivesse balizas. É uma equipa muito forte na reação à perda da posse de bola e que até consegue ter posses prolongadas, mas não sabe para onde vai.
O jogo com o clássico foi não só ilustrativo da falta de nível competitivo do plantel do Porto, como expôs a cru os defeitos do sistema de Anselmi. Bruno Lage preparou muito bem o clássico e, sendo que Anselmi privilegia superioridade numérica a sair a jogar, o Benfica raramente pressionou alto e quando o fez, Kokçu subia com Aursnes, forçando um três contra três perto da área portista, sendo uma das raras ocasiões onde o Benfica não pressionou exclusivamente em 4-4-2.

Estacionando-se num bloco médio, o Benfica não teve problemas em esperar pelo Porto e deixar que a equipa da casa assumisse a posse de bola e, em 90 minutos, o Benfica quase sempre fechou os caminhos da baliza e negou os espaços que o Porto procurava atacar: os corredores laterais.
Quantas vezes, na sua carreira, defendeu Di María numa linha de cinco? Por aqui percebemos a preocupação que o Benfica teve em condicionar os corredores, sabendo que o perigo estava aí. Sem espaço, restou a criatividade de Mora, que deixa um ou outro bom desenho, mas sozinho não dá para mais. Apesar de toda a posse de bola, o Porto nunca realmente ameaçou o Benfica.
Pior que isso, sempre que o Benfica atacava, criava perigo, tanto em transição como em posse. Valeu a excelente reação à perda da bola portista, condicionando as saídas rápidas do Benfica; caso contrário, poderíamos estar a falar de um resultado ainda mais constrangedor.
O FC Porto não existe nas áreas e sem bola é uma nulidade. Com os jogadores certos para o sistema, até acredito que a equipa de Anselmi possa vir a ser respeitada, mas ser treinador de futebol exige algo mais para além da saída de pressão.