É como se duas forças se digladiassem entre si até neutralizarem tudo à volta. E, quando assim é, ninguém, ninguém perde, ninguém ficará totalmente frustrado, nem manifestamente contente. O clássico desta sexta-feira entre FC Porto e Sporting foi esse permanente equilíbrio, como uma balança alinhando-se sozinha, iguais medidas de atitudes, sejam elas quais forem, talvez só pudessem dar mesmo empate.

O golo de Namaso, já para lá dos 90’, que não será bem um prémio, mas sim o natural compartilhamento do ouro, num jogo em que ele esteve bem caro. O FC Porto sairá do clássico com a certeza que, com Martín Anselmi, pode ter chegado uma era de risco. Os empates nunca serão morais, mas a atitude ainda conta algo: dificilmente os dragões poderiam ter feito mais para levar pontos do jogo e o ponto chegou. Tarde, mas chegou. Já o Sporting, sabedor que pode jogar com a vantagem pontual, arriscou o exato oposto do adversário: zero. Pontuar no Dragão, onde o Sporting não vence há nove anos, não será o pior pecado do mundo, mas, contra um FC Porto ferido talvez como nunca, será mesmo boa ideia para a moral das tropas recuar até ao último centímetro de terreno? Rui Borges não quererá chorar estes dois pontos em maio.

Foi assim entre o risco e o recuo que se produziu este clássico que começou algo indefinido, teve (ligeiramente) mais bola do Sporting na 1.ª parte e seguiu depois para um segundo tempo curioso do FC Porto (dando espaço a Anselmi, se calhar estão aqui bons indicadores do que pode ser este FC Porto no futuro) e de mera organização defensiva do Sporting, quase sempre eficiente, é verdade, mas no final incapaz de segurar o trabalho feito nos primeiros 45 minutos.

Diogo Cardoso

Com o FC Porto a jogar em 5-3-2, os espaços para o Sporting encontrar vias para a área estiveram quase sempre bem fechados e as poucas situações de superioridade numérica foram desaproveitadas, primeiro por Bragança, depois por Trincão, em más decisões. Coeso atrás, só um lapso de atenção de Gonçalo Inácio colocou a equipa em apuros: aos 27’, Samu conseguiu defletir um passe atabalhoado do central com o lance a seguir para Mora e depois para Eustáquio, que rematou à barra. Na jogada seguinte, Samu quase surpreendia um adiantado Rui Silva desde o meio campo.

O momento nervoso seria uma pinga num oceano de ritmo pausado que tornava o jogo estruturalmente afinado, cheio de duelos intensos, mas criativamente chato. Até que apareceu Quenda. A poucos minutos do intervalo, o miúdo passou por João Mário na linha, depois enganou Zé Pedro metendo-lhe a bola de um lado para a ir buscar pelo outro, para dar um passe atrasado que teve correspondência no já comum aparecimento de Fresneda em zona de finalização. A bola ainda tocou em Moura, o que terá ajudado ao segundo golo consecutivo do lateral espanhol.

A reação do FC Porto começou logo nos derradeiros minutos da 1.ª parte e seguiria na 2.ª, com uma entrada incisiva desde logo com remates de Pepê e Moura, com algum perigo. Harder responderia com uma bomba muito por cima e depois com um remate acrobático após canto que ficou a quase nada de um golo espectacular, terminando praticamente aí, ainda nem havia 60 minutos de jogo, o esforço atacante do Sporting.

ESTELA SILVA

Começava também aí ou tudo ou nada de Anselmi. Compreende-se. Com o FC Porto já longe das contas do título, o técnico argentino terá espaço e oportunidade para experimentar. Fábio Vieira foi a jogo, para a vez de Nehuen Pérez, coincidindo com Rodrigo Mora, coisa muito pouco vista esta temporada no Dragão. O miúdo Mora seria, até final, incansável na hora de procurar caminhos para o golo. Talvez nem sempre tenha decidido bem, talvez lhe falte um pouco de eficácia nas decisões, mas nada se faz sem minutos. E Mora aproveitou-os a todos, sem parança.

Com Eustáquio mais recuado, mas com uma evidente mudança de sistema, o FC Porto lançou-se definitivamente para a frente, ainda que com dificuldades em criar oportunidades flagrantes. E quando as teve, como num cabeceamento de Pepê aos 68’, Rui Silva deu provas do quão mais relaxado pode ser para uma equipa jogar com um guarda-redes que treme pouco.

As entradas de Gyökeres e Morita aos 70’ trouxeram um momentâneo elã ao Sporting que duraria apenas os segundos que foram de um passe do sueco numa das primeiras vezes em que tocou na bola para Quenda, com o extremo a rematar por cima.

A 10 minutos do fim, Anselmi já jogava com o estreante William Gomes e Gonçalo Borges a alas, ousando quase tudo o que era possível ousar. O Sporting não conseguia, simplesmente, sair com a bola controlada.

E pagou caro essa atitude, o recuar, a tentativa de controlar sem bola que já se viu em outros jogos com Rui Borges. O golo de Namaso, sozinho a encostar uma bola que Samu cruzou já em esforço, no mais absoluto recurso, deu razão à ousadia de Anselmi - com todo o talento em campo está-se sempre mais perto de marcar - e castigou o desnecessário conservadorismo do treinador do Sporting, que terá perdido uma oporunidade único de acabar com a seca de vitórias no Dragão e ainda viu dois jogadores expulsos na última jogada da partida. O empate agrada a todos e não agrada a ninguém. Mas o jogo sempre teve cara dele.