
Há poucos sonhos tão grandes no desporto como o dos Jogos Olímpicos. E é na procura de uma presença na prova das provas que milhões de atletas trabalham dia após dia, nos contextos mais variados que se possa imaginar, por esse Mundo fora. Esta segunda-feira, dia 23 de junho, celebra-se, como todos os anos, o Dia Olímpico, à boleia da data de criação do Comité Olímpico Internacional e que marca o início dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. A pensar na efeméride, Record foi conhecer mais a fundo esse que também é o sonho de Marta Caride.
Esgrimista, de 23 anos, natural de Gaia, Marta Caride abraçou a modalidade através do Desporto Escolar, então no 7.º ano da Escola Secundária Almeida Garrett, na mesma cidade da margem sul do Rio Douro. O florete que aprendeu a manejar haveria de a absorver e, com a base posicional, imagine-se, do ballet, que tinha praticado ainda mais menina, esta atual estudante do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar prestes a entrar no 6.º ano do curso de medicina haveria de crescer na modalidade. Em segundo plano fica a sua surdez neuro-sensorial bilateral, severa num ouvido e profunda no outro. A surdez não a define, nunca o fez, como deixou bem claro a conversa que manteve connosco, fazendo uso dos aparelhos auditivos que, em versões renovadas à medida da idade, vai usando desde os 2 anos de idade.
Onde outros podem ver um constrangimento, Marta Caride vê algo com que sempre teve de lidar. "Não conheço uma realidade que não esta. Não perdi a audição, desde que me lembro que sou assim. A habituação aos aparelhos auditivos, a leitura labial, é o meu mundo.", conta-nos Marta Caride, que usa os aparelhos auditivos na prática da modalidade mas julga, de forma puramente intuitiva, que a atenção ao detalhe que a surdez lhe exigiu até lhe pode ter dado algo extra em competição: "Se calhar muita gente sente o mesmo, não sei... Eu pelo menos sinto que me obrigou a ser muito atenta ao pormenor no meu dia a dia, tenho uma memória muito visual, e talvez isso me ajude a perceber melhor o que está a acontecer na esgrima. Mas, claro, o sucesso em qualquer modalidade não conhece apenas um fator, é multi-fatorial. Passa por talento, uma base de atleta e muito trabalho, mesmo muito trabalho. De resto, na esgrima nunca foi uma contrariedade para mim. Nem veria eu outra forma de encarar isto."
A forma é só uma: abraçar a modalidade como o desafio que é para qualquer um. Com o seu treinador, Filipe Melo, no Sport Clube do Porto, Marta viu o seu potencial sinalizado numa demonstração de Desporto Escolar, depois de dar nas vistas pela sua posição de base que, segundo o técnico então professor de educação física na sua escola, tinha "algumas semelhanças com a do ballet". "Experimentei, fiquei e passado meio ano estava a competir de forma federada. Comecei por competições nacionais e depois passei também para um plano internacional. E aqui há um papel muito importante da minha mãe, na obtenção de patrocinadores para que possa competir lá fora, para que me possa desafiar, ir enfrentando atletas melhores, que provoquem desafios superiores e me levem a evoluir", conta.
A ideia, replicada por outros atletas que conseguem ter condições para tal, deu frutos, ou não fosse Marta Caride uma referência no florete feminino nacional. Ao longo da sua ainda curta carreira, foi bicampeão nacional de iniciados; tricampeã de cadetes; bicampeã de juniores; e já três vezes campeã nacional de seniores. "Acho que tenho o meu cantinho na esgrima, alguma história. E um trajeto peculiar por ser surda, pelo desempenho escolar, a questão da carreira médica, que foi algo que mantive e de que me orgulho. Entrar no ensino universitário com estatuto de atleta de alta competição dá-nos uma quota, mas eu sempre quis ter sucesso académico em simultâneo com a prática de esgrima na faculdade. Tenho-o feito e isso é do que me orgulho mais", vinca.