Ninguém espera assistir a um futebol vistoso quando opta por ver um encontro do Getafe de José Bordalás, seja contra que equipa for. Olhando para o calendário futebolístico de cada fim de semana, a maioria das pessoas não têm em ver a turma dos arredores de Madrid como uma das suas prioridades, mesmo frente a Real Madrid ou Barcelona. Para quem acompanha com regularidade a La Liga, já sabe que será um jogo aborrecido, de sentido único, com bastante agressividade. Poucos golos serão celebrados e a probabilidade de se adormecer no sofá é bastante elevada. De quem é a culpa? Na sua maioria, do frisado anteriormente: José Bordalás.

O técnico espanhol tem o mérito de crescer do barro, treinando algumas equipas da Comunitat Valenciana (de onde é natural), passando mais tarde para um cenário nacional. José Bordalás tem 60 anos, mais de 30 de carreira, mas aparenta ter 45, e poucos acreditam que se trata do próprio em fotografias dos anos 90, quando estava longe de ser uma estrela. O treinador começou a ficar conhecido após a sua passagem pelo Alavés, que levou à La Liga em 2016, depois de estabilizar o projeto do Alcorcón. O feito pelo conjunto do País Basco levou à aposta de Ángel Torres, que desejava ver o Getafe no principal escalão do futebol espanhol. Acertou em cheio, começando uma história de amor que dura até aos dias de hoje, com uma pausa em 2021/22 e em parte de 2022/23, numa fase em que Bordalás representou o Valência e em seguida esteve desempregado.

O treinador transformou-se num histórico pelo Coliseum (que já não se chama Alfonso Pérez) e é um elemento acarinhado pela massa associativa do clube. O problema? Poucas são as pessoas que não estão relacionadas com o clube que o de facto apreciam. Como referi anteriormente, os jogos do Getafe são terríveis, tanto de os ver, como de os analisar.

José Bordalás não tem medo de assumir o estilo de jogo pachorrento, defensivo, chato, o que leva às vezes os jogadores a perderem a cabeça. O anti-jogo por vezes faz-se sentir e os desafios ficam marcados pela quantidade de cartões amarelos e vermelhos dados pelo árbitro. Em 22 encontros na temporada 2024/25, são 68 cartões amarelos, liderando a La Liga neste ponto com alguma vantagem para o segundo classificado (Las Palmas, com 61 amarelos). Em golos marcados, é a segunda que menos consegue concretizar, com 17 tentos em 22 jogos, apenas atrás do ‘afundado’ Real Valladolid, que tem 15.

No entanto, é a partir deste ponto que vamos começar a elogiar. O Getafe apenas sofreu 17 golos até ao momento, estatística em que apenas é batido pelo Atlético de Madrid. O modelo tático compacto, que conta com vários defesas na linha do meio campo, além de ter 11 homens atrás da linha da bola, tem resultado, com os azulones em décimo quarto lugar, com 24 pontos. No começo da época poucos eram os que não consideravam o plantel o segundo mais limitado da La Liga, apenas à frente do Real Valladolid, que vem provando jornada atrás jornada que é a pior equipa da competição e que vai ser seguramente despromovido.

José Bordalás é o grande autor deste feito e por isso tem que ser aplaudido, por muito que o seu futebol seja dos mais aborrecidos da história. Afinal, quem faria melhor? O técnico começou a temporada com um plantel totalmente inacabado, sem um ponta de lança apto, vindo-se obrigado a fazer uma adaptação que entra na história de 2024/25: Chrisantus Uche, médio defensivo que pertencia ao Ceuta, passou a atuar na linha da frente, marcando inclusivamente na primeira jornada, frente ao Athletic. O nigeriano não vinha de todo para figurar no onze titular, muito menos numa adaptação tão extrema, mas o treinador está habituado a trabalhar com pouco. De resto, são vários os nomes da equipa B constantemente promovidos a fichas de jogo da A, como David Arguelles, Luca Lohr, Alberto Risco, Nabil Aberdín (entretanto vendido ao Sochi), Abdoulaye Keita ou Coba da Costa, este último a nova coqueluche do Getafe, depois de na temporada passada ter representado o Conquense, que estava na Tercera RFEF, o quinto escalão do futebol espanhol. José Bordalás e a sua equipa técnica espremem tudo ao máximo, aproveitando todos os jogadores que contam com contrato com o Getafe, porque sabe que as condições para a existência de reforços não são muitas.

Durante o mercado de janeiro chegaram algumas novidades perto do apito final, mas uma chamou à atenção. Juanmi trocou o Real Bétis pelo Getafe, num empréstimo válido até ao final da temporada. Até aqui, tudo normal. O que não se esperava é que a equipa técnica o colocasse em campo como titular, sem qualquer treino. O jogador foi inscrito e lançado a jogo, disputando 91 minutos do encontro contra o Sevilha e sendo um dos membros mais agitadores, mas sem conseguir mexer no resultado:

«É uma pena. A equipa fez um excelente trabalho. Isto é futebol. Depende do sucesso do jogo. Se eu tivesse marcado um dos dois golos, o jogo teria mudado. Mas a equipa lutou muito, tivemos oportunidades e temos de continuar nesta linha», disse após o apito final à DAZN.

A base tática de José Bordalás é o 4x4x2, onde várias são as vezes em que defesas de origem estão na linha dos médios, nomeadamente Álex Sola, Allan Nyon e Djené, e que um médio se encontra na zona dos avançados, especialmente Chrisantus Uche. No momento defensivo, facilmente a linha defensiva passa a contar com seis elementos, fechando as portas a movimentos interiores, levando a equipa adversária a procurar a basculação, o que leva ao erro de passes e possibilidade de contra-ataques. O espanhol já explicou o seu estilo de jogo, admitindo que nem todas as equipas podem ‘dar espetáculo’, especialmente quando o importante é sobreviver, desvalorizando as críticas que lhe são apontadas semanalmente, até mesmo por treinadores adversários:

«Honestamente, aprendi com o tempo a interpretar as críticas como elas são. No final, é sempre quando a minha equipa obtém um bom resultado, quando se ganha, quando se empata. No final, aprendi que são desculpas. O Getafe e as minhas equipas, desde que sou treinador, tentaram assumir a liderança do jogo. Uma equipa que defende enquanto ataca, que tenta jogar no meio campo do adversário. Sempre tive uma mentalidade vencedora. O problema é que estamos numa equipa pequena, o Getafe, e não numa grande. É esse o dado. Não presto muita atenção. Já é uma lenda. Não há tantas críticas. Não sinto isso. No final, a queixa é quando se consegue um bom resultado. Nestes últimos jogos, quando tivemos dificuldades em conquistar pontos, não há críticas. Digo aos jogadores que se nos apertarem a mão e nos desejarem sorte, é porque perdemos».

O treinador apresenta uma capacidade de preparação de jogos, levando qualquer cenário ao detalhe, com muito suor e esforço. É possivelmente o seu ponto forte, o que leva aos bons resultados. O trabalho vai até à exaustão e os jogadores sentem-se desafiados pela equipa técnica, saindo todas as partes a ganhar:

«Sabemos a importância que o treinador tem para nós e para este clube. O trabalho diário com ele é espetacular. É trabalho, é esforço. É isso que transmitimos em campo. Gostava que estivéssemos mais acima para lutar por outras coisas. É isso que temos de fazer este ano, tirar o rabo do fundo do poço e continuar a ganhar jogos para nos salvarmos o mais rapidamente possível», admitiu recentemente Juan Inglesias, lateral direito (que às vezes é extremo).

José Bordalás tem o mérito de fazer muito com o pouco que tem e há poucas dúvidas de que salvaria qualquer equipa da manutenção na La Liga (com exceção provavelmente ao Real Valladolid), mesmo com o seu estilo tão criticado. O problema é que o seu nível não passará nunca disso, mesmo já tendo levado o Getafe às competições europeias e sendo o responsável pelo conjunto do Coliseum na La Liga. Com o passar dos anos passou a ser um técnico cada vez mais defensivo, procurando apenas e só um resultado que agrade aos adeptos, mas as condições que lhe estão a oferecer não dá para mais. Isto tem as suas vantagens, mas também as suas desvantagens, que vão seguramente aparecer no futuro.

A primeira está relacionada com a imagem do próprio José Bordalás. Pese os chavões engraçados como o ‘Esto es fútbol, papá’, o treinador nunca vai conseguir dar o salto após sair dos arredores de Madrid. Apesar de já ter passado anteriormente pelo Valência (onde levou o conjunto do Mestalla ao nono lugar), o treinador já está rotulado como um ‘bombeiro’. Ou seja, a sua grande qualidade está na batalha pela manutenção, extraindo o melhor de qualquer plantel que luta pela salvação. Esse é o seu patamar e não haverá ninguém com mais capacidades de fazer milagres do que o alicantino. Porém, é pouco credível que um Villarreal ou uma Real Sociedad, por exemplo, olhem para José Bordalás como o treinador ideal para levar um projeto para a frente, quando o objetivo passa pela qualificação para as competições europeias anualmente. Há técnicos com mais valências para tal. Um salto para algo mais, salvo um câmbio radical, está neste momento descartado.

O segundo problema envolve o próprio Getafe. José Bordalás é o Alex Ferguson do conjunto madrileno e passou a ter um rótulo que será complicado de apagar. Todas as eras têm um fim e a do espanhol pelo Coliseum algum dia terá um ponto final (já sabemos como está a correr ao Manchester United). Como ira reagir o clube a isto? Que solução vai procurar Ángel Torres? Eleger um técnico com um estilo radical em relação ao atual poderá trazer consequências negativas, com uma equipa habituada a um certo modelo de jogo, centrado na arte da defesa e do contra-ataque. Além disso, nem todos os técnicos têm a capacidade de apostar em jovens da equipa B como Bordalás tem, o que permite à direção um investimento curto a cada mercado. Será que Coba da Costa teria o protagonismo atual nas mãos de outro técnico, mesmo com um futebol mais charmoso?

Por fim, vale a pena refletir no futuro de alguns jogadores, nomeadamente os que estão mais do que habituados a trabalhar com José Bordalás. Pode ser complicado habituarem-se a um estilo de jogo distinto, num clube com outros objetivos. Enes Unal é um bom exemplo disso, apesar das lesões sérias que tem tido. O turco perdeu a sua veia goleadora no Bournemouth de Andoni Iraola, que apresenta um futebol muito mais bonito. Além disto, poucas equipas estarão dispostas a avançar com muitos milhões de euros por jogadores do Getafe, especialmente os da linha avançada. Borja Mayoral foi associado a algumas equipas no verão, mas acabou por ficar pelo Coliseum. Havia pouca confiança que rendesse em outro cenário. É possível que Luis Milla, Chrisantus Uche ou Omar Alderete podem render um bom encaixe à instituição dirigida por Ángel Torres, já que se destacam nas suas posições e podem dar o salto competitivo necessário, especialmente o nigeriano, sendo um ‘multifunções’ com apenas 21 anos, com capacidade de atuar em todas as posições do centro do terreno (dando uma perninha no ataque).

Em suma, José Bordalás está longe de entrar no Olimpo dos treinadores. Nunca vai ser comparado a Pep Guardiola, José Mourinho ou Jurgen Klopp, seus contemporâneos. Porém, terá sempre a fama de fazer muito com pouco, podendo ser capaz de salvar quase todas as equipas de uma morte anunciada. Para muitos, José Bordalás é o vilão e poucos o consideram um herói, possivelmente os que estão ao seu lado fim de semana sim, fim de semana sim, no Coliseum ou em qualquer casa da La Liga. Há algo que é certo: sem o treinador, os azulones estariam muito abaixo da posição atual, provavelmente afundados no segundo escalão.