"Quando é que te retiras?"

Ao terminar a passada edição da Liège-Bastogne-Liège, a pergunta que Ben Healy disparou para Tadej Pogačar foi uma bomba de honestidade desarmante. O irlandês terminara o monumento belga no último lugar do pódio, superado pelo fenómeno esloveno, uma sensação familiar para Healy e para todo o pelotão internacional.

Healy, corredor rebelde, de cabelo de vocalista de banda hipster e brinco na orelha esquerda, é um dos muitos lesados de Pogi. 100 vitórias são muitas vitórias. São, também, muitas vezes em que alguém foi batido.

Tadej não se retirou, mas um Tour de France são 21 etapas e é importante ir gerindo. Depois da guerra do contrarelógio, do suor do esforço individual, liberdade para a fuga. Liberdade para Healy discutir o triunfo fingindo que o grande predador se retirara, sem ter de ser batido, uma vez mais, pelo craque do tufo de cabelo a sair do capacete.

Foi assim que se formou uma fuga de grande qualidade. Com Healy, sim, mas sobretudo com Simon Yates, vencedor do passado Giro e da Vuelta de 2018, e com Mathieu Van der Poel, o homem que, nestes traçados irregulares, não de alta montanha mas de colinas, Tadej mais teme. Também foram Michael Storer, Eddie Dunbar, Will Barta e Harold Tejada.

A 40 quilómetros do fim, o irlandês da EF Education-EasyPost, de 24 anos, pôde fingir que a pergunta que formulou na Liège tinha uma resposta diferente da realidade. O pelotão estava longe, a vitória poderia ser dele, caso tivesse boas pernas. E teve. Foi, a solo, para a melhor vitória de uma carreira que já tinha um triunfo no Giro 2023, onde também não participou Pogačar. Outros resultado de destaque no percurso de Healy? Vice-campeão da Amsteld Gold Race 2023. Não é preciso dizer quem ganhou naquele dia, pois não?

Van der Poel na fuga do dia
Van der Poel na fuga do dia Tim de Waele

Como tudo parte de Pogi, a outra nota de destaque do dia também parte do tricampeão do Tour. A Emirates deixou que Van der Poel, que partiu a 1,28 minutos da amarela, fosse na escapada, conscientes de que o craque neerlandês, sendo dos melhores nestes percursos de sobe e desce, não é ameaça nas montanhas.

E assim foi o virtuoso da Alpecin pela fuga, que percorreu a Normândia, cruzando locais cheios de ligação à Segunda Guerra Mundial. A etapa partiu de Bayeux, a primeira localidade importante recuperada pelos Aliados durante a Batalha da Normândia e onde Charles de Gaulle fez dois famosos discursos.

Houve duas terceiras categorias logo nos primeiros 50 quilómetros e, nos derradeiros 60 quilómetros, subiram-se três terceiras e uma quarta categoria. Eram, quase sempre, pequenas e empinadas ascensões que rasgavam localidades ao meio, rampas entre pequenas casas de aldeia. Ou ruas que passam ao lado de cemitérios, os quais parecem ser anormalmente grandes tendo em conta a pequenez das localidades. Marcas das guerras.

Van der Poel é neto de Raymond Poulidor, o "eterno segundo", que nos anos 60 e 70 foi três vezes vice-campeão e cinco vezes 3.º classificado no Tour. Ofuscado por Jacques Anquetil e Eddy Merckx, nunca vestiu o amarelo mais famoso do ciclismo.

O neto de Poulidor, que há muito deixou de ser o neto de Poulidor para ter nome e apelido famoso, nome e apelido de grandeza, não é grande fã do Tour. Prefere as clássicas, diverte-se no ciclocross, por vezes parece que vem aqui mais por obrigação comercial. Mas, em 2025, neste arranque tão para um puncheur como ele, está a ter o melhor Tour da sua vida.

Van der Poel chegou esgotado à meta. Perdeu 3,58 minutos para Healy, Pogačar chegaria 1,29 minutos depois. Por um segundo, o neto de Poulidor que é mais do que o neto de Poulidor recuperou a liderança.

Na rampa final da etapa, Tadej, Vingegaard, Jorgenson, Evenepoel, Vauquelin ou Lipowitz chegaram com 5 segundos de vantagem para a concorrência, entre a que estava João Almeida. O caldense segue em 8.º, agora a 1,59 minutos de Van der Poel. A 7.ª etapa, com o final empinado no famoso Mûr-de-Bretagne, promete novo confronto de aceleração e explosão.