Aí está o Mundial de Clubes! E a minha primeira reação é: o que é que está aquele ponto de exclamação a fazer ali? Está a enganar o leitor. Ou estaria a enganar o leitor se o próprio leitor não reagisse com um amplo e sonoro bocejo a esta competição que, noutros tempos, seria um sonho para os adeptos. Agora, nestas condições, com jogadores desgastados por uma época longa e extenuante, tem o sabor de um torneio de pré-época, um Teresa Herrera ou um Torneio do Guadiana com esteroides Fifantino.

Eu sei, eu sei. Há o prestígio, a responsabilidade de um grande palco e até confesso a minha emoção por ver um confronto entre clássicos como este Benfica-Boca Juniors. Mas paira sobre esta competição a ganância da FIFA e um desequilíbrio estrutural, que já se nota na Champions, entre os clubes europeus mais fortes, mais endinheirados, e todos os outros. Havia mesmo necessidade de um torneio para vermos o Bayern de Munique a esmagar um consórcio de contabilistas e fiéis de armazém neo-zelandeses?

Os únicos que vibram com este Mundial, que o levam tão ou mais a sério que os executivos da FIFA, são os sul-americanos e, em particular, os brasileiros. Ultrapassados na hierarquia das seleções pelos melhores europeus e pelos vizinhos e arquirrivais argentinos, com o tão sonhado hexa adiado desde 2006, com as suas maiores estrelas a saírem do país muito cedo e sem treinadores capazes de acompanhar as revoluções táticas das últimas décadas, os brasileiros ainda se estão a adaptar a esta nova realidade: a de que, no futebol, são cada vez mais o país do passado.

Continua a ser o maior viveiro de talentos do mundo, mas isso não tem sido suficiente para formar uma seleção ao nível das grandes seleções históricas do passado e o sistema económico impede que os clubes brasileiros sejam mais do que potências regionais, mesmo assim cada vez mais destacados dos emblemas dos outros países sul-americano. Esta realidade terrivelmente sombria e dura para o torcedor brasileiro leva-o a um investimento simbólico desmesurado, quer na retórica, quer neste tipo de competições em que se podem medir diretamente com os clubes europeus.

No anterior modelo do Mundial de clubes, uma competição perfeitamente secundária e até incómoda para os vencedores da Champions, havia qualquer coisa de cândido e comovente no investimento emocional dos brasileiros no confronto com os colossos do Velho Continente, em completo estado de negação quanto às diferenças abissais entre um Liverpool e um Flamengo ou entre um Real Madrid e um Palmeiras. Para quem, como eu, ainda se lembra do São Paulo de Telé Santana a vencer o Barcelona de Cruyff ou o Milan de Capello, e para aqueles que se lembram do Flamengo de Zico a bater o Liverpool ou os bailes do Santos ao Benfica, não deve ser fácil aceitar esta nova realidade. Mas era melhor que aceitassem e não vivessem na ilusão de um equilíbrio que nós, da periferia europeia, sabemos por experiência própria não existir.

Mas é provável que os adeptos brasileiros continuem a sonhar. Bastou-me acompanhar as reações ao jogo entre o Palmeiras e o Porto para ver que será aassim. Vejamos: este Porto de Anselmi é uma equipa entre a 2.ª e a 3.ª divisão europeia. Não é uma apreciação subjetiva. É o desempenho da equipa nas competições europeias que o demonstra. Já o Palmeiras é uma das grandes potências sul-americanas. Mesmo assim, o “verdão”, sendo superior, foi incapaz de bater este Porto. Há dez anos que um clube brasileiro não ganha a um clube europeu. Imaginando o que seria a reação de adeptos e jornalistas brasileiros, dei por mim a torcer pelo Porto (que, confirmei, é mesmo muito fraquinho), não por mim, mas por eles. Por misericórdia. Para que não se enganem mais. Para que não se iludam.

Amigos brasileiros, os melhores clubes europeus estão noutra galáxia. Não duvido que os grandes brasileiros – Palmeiras, Flamengo, Botafogo – fossem competitivos em campeonatos como o português ou o holandês. Mas pensar, como às vezes leio, que algum clube brasileiro seria capaz de disputar uma Premier League ou sequer uma Bundesliga, é um delírio absoluto. Nelson Rodrigues dizia que, no futebol, o brasileiro, até 1958, sofria do complexo do vira-lata. De então para cá sofre do complexo do manda-chuva. E esse tempo, como se vai ver neste torneio do Guadiana à escala global, já passou.