A novela foi curta, mais uma mini-série, com estreia à terça-feira e anúncio do desfecho à quinta. Em meros dois dias, o Sporting revelou que o Manchester United estava sedento por contratar Rúben Amorim, o treinador reconheceu, sem querer dizer muito mas dizendo muita coisa, que estavam a negociar, e agora o clube confirmou o que se previa: o português irá mesmo ser o próximo técnico dos red devils. Se bem que não para já, só mais daqui por um tempo.
O português assinou um contrato até 2027 com o clube inglês, ou seja, o que resta da atual época mais as duas seguintes, com mais um ano de opção. O Manchester United já confirmou a chegada de Rúben e o Sporting, à CMVM, confirma que os ingleses vão pagar 11 milhões de euros para assegurarem os serviços do português.
“A Sporting SAD chegou a acordo com o Manchester United FC com relação aos termos e condições da saída do treinador Rúben Amorim, em contrapartida do qual o MUFC pagará à Sporting SAD €11.000.000”, pode ler-se no comunicado enviado ao regulador.
Os leões anunciaram ainda que, com a saída do treinador, terão um “benefício de €1.658.000, relativos à extinção de direitos de crédito, registados como passivos e passivos contingentes, em consequência da revogação e renegociação de contratos referentes a comissões de intermediação”.
O finca-pé do Sporting
O Manchested United, que anunciou Amorim exatamente às 12h, escreve que a contratação do treinador de 39 anos está apenas dependente da atribuição de visto de trabalho, o que não será, naturalmente, uma questão. O clube inglês sublinha que Amorim só será treinador do United a partir de 11 de novembro, “depois de cumprir as obrigações com o seu atual clube”.
“Rúben é um dos mais entusiasmantes jovens treinadores do futebol europeu. Com muitos sucessos tanto como jogador como treinador, os seus títulos incluem duas I Ligas com o Sporting, em Portugal, o primeiro dos quais foi o primeiro título do clube em 19 anos”, lê-se ainda na curta nota deixada pelos red devils no seu site.
Tudo está então agora decidido. E a sucessão dos acontecimentos, vista de fora, foi rápida, quase até vertiginosa.
Na segunda-feira, o há muito prenunciado em Manchester ocorreu e o United despediu Erik Ten Hag e logo soltou-se a trela à rebaldaria dos rumores, com Rúben Amorim a constar entre os possíveis sucessores; no dia seguinte o interesse ficou palpável, quando o Sporting cumpriu a sua obrigação enquanto SAD de informar a CMVM de que havia um clube a bater-lhe à porta para desembolsar os 10 milhões de euros da cláusula de rescisão do treinador; nessa mesma terça-feira, os leões ganharam ao Nacional na Taça da Liga e as obrigações protocolares fizeram um Amorim desconfortável e atrapalhado dizer aos jornalistas que ainda estaria em Lisboa na sexta-feira, a orientar o Sporting, mas sem dar certezas sobre isso, forçando um resumo da trama na “única coisa” que então existia - “o interesse do Manchester United”.
Havia mais, não seria bem assim, porque de Inglaterra chegavam vários relatos de que as primeiras apalpações de terreno dos red devils junto do treinador terão sido no início de outubro, antes da paragem das seleções, quando os responsáveis de um clube algo caótico quiserem aferir as vontades de Rúben Amorim. Terão levado em troca alguma anuência, por certo uma dose generosa de vontade, para então irem falar com Frederico Varandas, o homem que cravou os seus calcantes bem no chão e jogou com o tempo, sem pressas, porque a urgência não era dele.
O finca-pé do Sporting, entendível para um clube prestes a ver sair o seu técnico nem a meio da época, espreguiçou-se em várias coordenadas: não quiserem os leões abdicar dos 30 dias legais que Rúben Amorim tem de dar à casa a partir de uma demonstração pública (anúncio à CMVM) de interesse em acionar a sua cláusula, exigiram mais dinheiro para alguns dos adjuntos lhe irem fazer companhia para Manchester (além do seu principal, Carlos Fernandes, com quem é unha com carne, também Adélio Cândido, Jorge Vital, Emanuel Ferro e Paulo Barreira também o devem acompanhar) e fizeram questão de adiar a separação até ao próximo momento em que o futebol vira as antenas mais para as seleções nacionais.
O jogar com o tempo
Ficando sem o seu melhor treinador deste século (dois campeonatos, uma Supertaça e três Taças da Liga) e um dos melhores da sua história (com 228 jogos e 161 vitórias, só fica atrás de Joseph Szabo nestes capítulos), o Sporting insistiu, enrijeceu-se a negociar e sintonizado com a predisposição de Rúben Amorim em sair a bem, forçou o United a reduzir a temperatura da sua intenção. Os ingleses queriam ter o português na cinzenta Manchester já antes do próximo domingo, para defrontar o Chelsea em Old Trafford, mas os leões, olhando para o seu calendário e com alergia a pressa, não quiserem ceder de modo a ainda terem o treinador em mais três jogos, dois deles recheados de dificuldade - após o Estrela da Amadora virá o teórico encontro mais tramado da época, contra o Manchester City em Alvalade, para a Liga dos Campeões, ao qual se seguirá uma viagem a Braga.
Essa ida ao Minho será a 10 de novembro, 13 dias contados desde o comunicado do Sporting à CMVM que confirmou as negociações com o United. Portanto, nem metade do tempo que Rúben Amorim supostamente devia à casa, mas o esticar da corda possível para satisfazer, se não na totalidade, pelo menos uma fatia dos interesses de ambos os clubes.
Os lisboetas mantêm o treinador que pôs a equipa a voar, limada e mecanizada esta época, para um derradeiro ciclo de jogos complicado, ganhando duas semanas para suavizar um pouco a sucessão caseira (que diz-se virá na pessoa de João Pereira, técnico da equipa B). Os ingleses, sem lograrem meter Rúben Amorim dentro de um avião de chofre, tê-lo-ão já no decurso desta época. Para o ainda nem quarentão (39 anos), que será o segundo português a treinar o United após José Mourinho, que lá esteve de 2016 a 2018 - o terceiro se contarmos com Carlos Queiroz, adjunto de Alex Ferguson entre 2004 e 2007 - a sua primeira experiência terá uma aterragem mais simpática.
Não dando já asas à mudança para Manchester, o técnico entrará ao serviço no início da paragem para os jogos de seleções. Vai ter duas semanas para farejar os cantos a Old Trafford e a Carrington (centro de treinos) sem pressão competitiva imediata, conhecer as caras (o United tem uma estrutura desportiva também nova, entrada ao serviço em julho) e aprontar a equipa (se bem que desfalcada dos jogadores chamados às equipas nacionais). O primeiro encontro com Amorim será a 24 de novembro, contra o Ipswich Town.
Até lá, enquanto se despede de um lar que foi seu nos últimos quatro anos e meio, os tête-à-tête com João Pereira, há muito encarado em Alcochete como seu herdeiro, agora apressado para um cargo que lhe chegará bem mais cedo do que o estimado - só esta época tomou conta da equipa B -, deverão intensificar-se de modo a deixar o novato treinador ao corrente de todas as coisas da equipa principal. E de um plantel cujos nomes com mais peso não terão achado muita graça à saída de Rúben Amorim neste fase, com a temporada a decorrer, com a memória do que ele fez em abril, quando pensou “que o campeonato já estava ganho” e foi a Londres falar com dirigentes do West Ham.
O foco dele, do clubes e dos jogadores, por enquanto ainda unidos numa sintonia atado por um prazo tão curto, “continua a ser a mesmo”, garantiu Rúben na quinta-feira: “o Sporting ser bicampeão e toda a gente aqui ser bicampeã.” Nos pingos das palavras, deixou passar que vai de coração partida. A cola para os pedaços estará na sua capacidade de ressuscitar, em campo, a enorme aura que o Manchester United possui fora dele. E Amorim vai a gosto. “I like everything” disse ele, já a esquivar-se da sala, quando um jornalista inglês lhe perguntou o que mais gostava na Premier League.