Quando era jovem, Jonas Abrahamsen olhava para Chris Froome e queria ser como o britânico. Literalmente. A estampa esquálida do ciclista nascido no Quénia, alto, magérrimo, resultava bem na montanha. O norueguês tinha mais ou menos a mesma altura de Froome e desatou a emagrecer, porque acreditava que estava ali o segredo para ser bom no ciclismo.

Só que desejou demasiado. Chegou a ter apenas 60 quilos para um corpo de 1.86m. “Quando comecei a correr era muito popular ser muito magro. Todos os meus ciclistas favoritos eram muito magros e eu tinha-os como referência”, confessou numa entrevista ao The Cycling Podcast.

Não só resultados não apareciam, porque Abrahamsen vivia permanentemente com fome e não tinha forças para correr, como o ciclista nórdico ainda descontrolou o metabolismo do seu corpo ao ponto de adiar a puberdade. “É bastante doente que tortures o teu corpo tanto e comas tão pouco que isso atrasa a tua puberdade”, reconheceu à TV2, da Noruega. Percebendo que tinha entrado numa encruzilhada, colocou-se nas mãos de um nutricionista. Engordou 20 quilos, passou a pensar para lá da competição, ele que confessava não ter sequer energia para ser dono de um nico de vida social. E já com um peso natural para o seu esqueleto, cresceu sete centímetros: a puberdade chegou aos 23 anos.

Se Jonas Abrahamsen não tivesse chegado à conclusão de que não é saudável ter 60 quilos num corpo de 1,86m, sabe-se lá o que teria sido do ciclista de 29 anos. Seguramente não estaríamos aqui a escrever o seguinte: Abrahamsen é vencedor de uma etapa da Volta a França, um ano depois de ter envergado durante 10 etapas a camisola de rei da montanha.

O norueguês fez parte da fuga vencedora de um dia muito nervoso, em que muito boa gente tentou a sua sorte, em mais uma etapa travestida de clássica, como tantas neste início de Tour, cheia de pequenas e arreliadoras inclinações e descidas. Abrahamsen deu ainda a primeira vitória em França à Uno-X, equipa também ela norueguesa e convidada para estas andanças do Tour. Na meta de uma tirada que começou e terminou em Toulouse, o nórdico bateu ao sprint o campeão suíço Mauro Schmid (Jayco Alula), numa chegada marcada pela entrada de um intruso na reta da meta, protestando contra a presença de Israel no Tour - foi prontamente manietado. Abrahamsen e Schmid foram os últimos resistentes do grupo, atacando na penúltima dificuldade do dia. E sobreviveram a uma derradeira tentativa desesperada de Mathieu van der Poel (Alpecin-Deceuninck), que por pouco não os apanhou vindo de lá atrás numa cavalgada a solo.

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A 11.ª etapa, a última antes da chegada dos temíveis Pireneus, não provocou alterações na frente (Ben Healy chegou no pelotão, a 3.28 minutos do vencedor, e mantém a amarela), mas chegou para lembrar a Tadej Pogačar que qualquer azar pode deitar por terra um objetivo: a cerca de quatro quilómetros do final da tirada, o tricampeão do Tour caiu, depois de uma tangente pouco avisada de um outro ciclista. Deslizou no chão, numa zona de ciclovia, que terá ajudado a não lhe romper muita pele no abrasivo asfalto. Mas demorou a voltar à corrida.

No grupos dos principais candidatos, impôs-se o fair play. Ninguém atacou ou aproveitou o infortúnio do principal favorito, que rapidamente apanhou boleia de outro grupo e chegou à frente. No final, não perdeu tempo, mas fica o aviso: até nas etapas menos complicadas um Tour se pode perder - e a UAE Emirates sabe muito bem o que isso é, depois da desistência de João Almeida.

A etapa de quinta-feira deixa de lado o rompe-pernas para chegar à alta montanha, com chegada no temível Hautacam, contagem de categoria especial e talvez a primeira oportunidade para aferir quem de facto está na luta.