Há exatamente uma semana, Andreas Schjelderup somava o total de zero jogos a titular pela equipa principal do Benfica. Chegado ao clube há dois anos, no mercado de inverno de 2023, o norueguês nunca fora opção inicial pelas águias, tendo numa partida diante do Pevidém, na qual fez 45 minutos, o encontro em que dispôs de mais tempo em campo pelo clube.

Mas a 8 de janeiro algo começou a alterar-se. O jovem de 20 anos foi titular contra o Sporting de Braga, deixando boas indicações. Repetiu a condição três dias depois, marcando na final da Taça da Liga diante do Sporting. E voltou a entrar desde o começo diante do Farense, culminando a semana em que a sua história em Portugal adquiriu contornos diferentes.

O mais incrível do golo que Schjelderup marcou ao Farense, no momento fundamental da vitória (3-1) do Benfica, foi o quão diferente foi da restante narrativa da noite. Estávamos aos 56' e, até ali, o encontro dava-nos um Farense organizado, aguerrido, um osso bem duro de roer. Um problema para os visitantes, que eram um coletivo escasso em ideias, défice que piorou com a saída, por lesão, de Di María.

O jogo ia numa direção, Schjelderup foi noutra. Onde havia falta de criatividade e inspiração para o Benfica, onde rareava o futebol ofensivo e com perigo, Andreas foi a criatividade, a inspiração, o perigo. A bola chegou-lhe, entre várias camisolas brancas. E ele vestiu-se de salvador, de São Schjelderup, São Schjelderup no São Luís, São Schjelderup e o milagre da ressurreição do Benfica.

Condução, progressão com passinhos pequeninos, num futebol tricotado. Movimento da esquerda para o meio, remate, golo. O problema que estava montado, o grande problema para o Benfica, desaparecia pouco depois. Aos 55' o Farense vencia por 1-0, aos 62' o Benfica ganhava por 3-1 e tinha a passagem para os quartos de final da Taça no bolso. Tudo nasceu do momento em que o menino vindo do frio alterou o guião da contenda.

LUIS FORRA

O começo da eliminatória foi, num certo sentido, uma homenagem do Farense ao São Luís. Para esta temporada, a direção do clube decidiu receber os grandes, nos encontros para a I Liga, no Estádio Algarve, dando prioridade à receita financeira em relação ao rendimento desportivo, ao dinheiro face à alma. E bastou ver uns instantes do jogo para compreender como o Farense no São Luís é outro Farense, um Farense em versão multiplicada.

O estádio, pequeno e compacto, empurra a equipa, dá-lhe energia e propósito. Na homenagem do Farense ao São Luís, a equipa de Tozé Marreco usou o jogador que melhor veste este espírito.

Tomané, ponta-de-lança que viveu excelentes temporadas pelo Tondela antes de ir viajar pela Europa, tentando marcar golos na Sérvia, Turquia ou Chipre, parece olhar para o duelo físico antes do que para a baliza. Procura encostar no adversário e só depois fazer mira para as redes. Mas, neste futebol de contacto e combates, futebol como arte de guerra mais do que como expressão estética, também há golo. Aos 7’, de um canto de Merghem surgiu a elevação de Tomané, que atirou para o 1-0.

O festejo, cheio de paixão, mesmo junto dos adeptos dos algarvios, resume porque o Farense no São Luís é um Farense multiplicado face ao frio Farense do Estádio Algarve. Os últimos três golos apontados por Tomané no futebol português foram frente a Benfica, FC Porto (na I Liga, em setembro) e Sporting (em 2019, na derradeira época em que atuara em Portugal, pelo Tondela).

Antes do golo, fora o Benfica a ameaçar. Na primeira ação da partida, Schjelderup — honesto a mostrar desde o arranque quem era o craque em evidência — conduziu e Di María, num dos seus remates de desenhos animados, atirou perto da barra. A noite teve instantes inaugurais de muita ação junto às áreas, mas viajaria rumo a águas mais serenas. O meio-campo de Lage, com Florentino, Barreiro e Aursnes, era uma boa aula sobre como juntar falta de criatividade a falta de criatividade, como se tentasse somar correria e intensidade para diminuir criação de lances e combinações ofensivas.

O panorama da carência de desequilíbrio piorou aos 40’, quando Di María saiu lesionado. Amdouni entrou para o lugar do argentino. O intervalo veio com a clara noção de que os visitantes tinham uma difícil tarefa entre mãos, tendo de derrotar o São Luís, o Farense e a falta de criatividade, tudo ao mesmo tempo.

Tomané festeja o 1-0
Tomané festeja o 1-0 LUIS BRANCA

O segundo tempo veio com uma reedição da madrugada da metade inicial. Bola área colocada pelos locais, Marco Matias a ir buscá-la junto dos pássaros, perigo. O atacante deixou para Tomané, que disparou para defesa apertada de Samuel Soares, uma das quatro mexidas de Lage — além de Bah, Barreiro e Arthur — face ao onze da final da Taça da Liga

A solução para a falta de criatividade chamava-se Andreas Schjelderup, o rapaz que há uma semana não sabia o que era ser titular pelo Benfica e que sai do São Luís a parecer absolutamente essencial para Bruno Lage, talento crucial para vencer a Taça da Liga e manter-se vivo na Taça de Portugal. Aos 56', a jogada de Schjelderup — já se pode dizer que é uma jogada à Schjelderup, ou ter apenas uma semana como titular torna a patente demasiado precoce? — virou o jogo ao contrário.

1-1. Bola ao centro. Jogada de Álvaro Carreras, naquelas progressões vigorosas, rápidas, mas com uma velocidade intensa, uma passada assertiva. Bola longa para Arthur Cabral, receção, golo. A reviravolta veio em escassos segundos, a tranquilidade chegaria quatro minutos depois.

O lance do 3-1 começou em Arthur Cabral, que reforçou a candidatura rumo a mais minutos. Numa jogada algo atabalhoada, o remate certeiro seria de Bah.

Fechava-se ali, aos 62', a narrativa da noite. Houve emoção, energia, arte, mudança de planos. O terceiro terço da eliminatória seria um mero aguardar pelo apito final. O Farense tem a alma do São Luís, o Benfica tem a nova magia de Schjelderup.