
O antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates considera que o dilema político resultante da noite eleitoral será a escolha de Luís Montenegro entre democracia ou populismo e teme que esteja em causa o PS como "grande partido popular".
Estas posições são defendidas pelo antigo líder do PS (2004/2011) num artigo que hoje publicou no ICL Notícias, do Brasil, e em que assinala que o resultado das eleições legislativas de domingo em Portugal se traduziu "na derrota da esquerda e a vitória da extrema-direita".
"Sim, o centro-direita [AD -- coligação PSD/CDS] também sobe e assegura a sua posição de liderança do Governo - mas não é ela a notícia. O que é realmente novo é que, pela primeira vez, toda a direita tem uma maioria qualificada (maioria exigida para rever a Constituição)", aponta.
Em relação ao novo quadro político, José Sócrates sustenta que "o dilema político da noite eleitoral é a política de alianças", ou seja, "com quem o centro-direita escolherá aliar-se, com a extrema-direita ou com os socialistas?"
"A demissão do líder socialista [Pedro Nuno Santos] e a campanha interna que se seguirá permitirá ao atual primeiro-ministro [Luís Montenegro] adiar a escolha. Mas não por muito tempo. Essa escolha será feita e ela será entre democracia e populismo; entre decência e fanatismo. Essa escolha será feita - e esse será o próximo capítulo", conclui.
No que respeita ao crescimento do Chega nas eleições de domingo, o antigo líder socialista afirma que "o aspeto mais desanimador" é "a vitória do sentimento anti-imigração, a vitória do discurso da autoridade estatal em detrimento da liberdade individual, a vitória de um populismo nacionalista que evoca, sempre que pode, uma certa nostalgia imperial".
Sobre a queda eleitoral do PS, José Sócrates admite que "esse é um movimento que acompanha um certo enfraquecimento da social-democracia e que se verifica um pouco por toda a Europa".
"No entanto, o mais preocupante, a meu ver, é que a expressiva derrota do PS possa afetar a sua condição de grande partido popular. O PS nunca foi um partido pequeno, nunca foi um partido de seita, nunca foi um partido comandado por aparelhos, nem dado a centralismos democráticos", realça.
Pelo contrário, segundo o antigo primeiro-ministro socialista, o PS "foi sempre um grande partido pluralista, com várias correntes de opinião de centro-esquerda e com grande liberdade interna".
"Nunca foi um partido de classe, mas um partido interclassista, um partido para todos, um partido irradiante. Essa condição sempre foi biunívoca: grande e por essa razão popular; popular e por essa razão com elevadas votações. Esse é o aspeto identitário que, neste momento, mais me preocupa", adverte.
Deixa depois um recado aos socialistas, recorrendo a uma ideia do filósofo basco Daniel Innerarity.
"Alguém escreveu que a política exige uma especial habilidade para conviver com a deceção. Esse será ao desafio dos socialistas -- lidar com coragem com a deceção desta noite eleitoral tendo em mente que as eleições não são um critério de razão e que a estupidez das maiorias consiste, amiúde, em querer ter, além da maioria, a razão", acrescenta.