As novas tarifas sobre as importações anunciadas pelo Presidente dos Estados Unidos geraram ondas de choque na economia global, levando a retaliações dos parceiros comerciais e a uma forte turbulência nos mercados financeiros, num cenário de guerra comercial iminente.

Logo a 20 de janeiro, pouco depois de prestar juramento no Capitólio, em Washington, Donald Trump prometeu impor "tarifas e impostos aos países estrangeiros", embora ainda sem detalhar as medidas, alegando que a aplicação de direitos aduaneiros era "a única forma" de os Estados Unidos serem "tratados como devem".

"Começarei imediatamente a reformar o nosso sistema comercial para proteger as famílias e os trabalhadores americanos. Em vez de taxar os nossos cidadãos para enriquecer outros países, vamos impor tarifas e impostos aos países estrangeiros para enriquecer os nossos cidadãos", anunciou Trump no discurso de tomada de posse.

Os primeiros alvos foram os produtos mexicanos e canadianos, para os quais foram anunciadas tarifas de 25%, mas na mira de Trump surgiram, logo a seguir, a China, a Rússia e a União Europeia (UE).

"A minha mensagem para todas as empresas do mundo é simples: venham fabricar os vossos produtos na América e beneficiarão de alguns dos impostos mais baixos do mundo. Mas se não os fabricarem nos Estados Unidos, o que é um direito vosso, então, muito simplesmente, terão de pagar direitos aduaneiros", declarou Donald Trump a 23 de janeiro, durante o Fórum Económico Mundial, em Davos (Suíça), naquela que foi a sua primeira grande intervenção num palco internacional desde o seu regresso à Casa Branca.

A justificação do Governo dos EUA

Trump argumentou que outros países "têm-se aproveitado" dos EUA, sendo as tarifas uma forma de promover um "renascer da América" e compensar o défice comercial.

O Presidente norte-americano alegou que as importações elevadas demonstram uma falta de reciprocidade por parte dos parceiros comerciais, prometendo usar as receitas alfandegárias para reduzir o défice orçamental.

Contudo, mesmo entre os mais fiéis apoiantes, há sérias preocupações sobre o impacto a curto prazo nos índices económicos dos Estados Unidos, com as bolsas de valores a reagirem com quedas significativas e a inflação a teimar em não quebrar.

Anúncios e Incertezas

Donald Trump prometeu ser "gentil" nesta fase inicial da guerra comercial, deixando a entender que as tarifas seriam mais baixas do que as praticadas por outros países, mas a falta de pormenores foi intensificando a apreensão de parceiros e adversários comerciais.

A 13 de fevereiro, o Presidente norte-americano apresentou um plano de "tarifas recíprocas", prevendo um aumento das tarifas dos Estados Unidos para igualar as taxas de impostos que outros países cobram sobre as importações, considerando ser "justo para todos".

Entretanto, a Casa Branca foi anunciando sucessivas suspensões, adiamentos e isenções na aplicação das tarifas, primeiro relativamente ao México e ao Canadá, e depois a mais de 75 países, enquanto decorrem negociações comerciais.

Foi também isentada de tarifas a entrada de telemóveis, computadores e outros componentes e produtos eletrónicos.

Por outro lado, Trump foi retaliando com revisões em alta das tarifas inicialmente anunciadas para alguns países, como a China, relativamente à qual foi anunciado a 09 de abril um aumento imediato para 125% das tarifas aplicadas dada a "falta de respeito que tem demonstrado para com os mercados mundiais".

Reações e retaliações

Vários parceiros económicos dos EUA foram anunciando contramedidas às tarifas de Trump, desde o México e Canadá à China, Taiwan, Brasil e União Europeia.

A UE aprovou a aplicação de tarifas de 25% a produtos norte-americanos, em resposta às tarifas aplicadas ao aço e alumínio europeus. A sua aplicação estava inicialmente prevista para começar a 15 de abril, mas acabou por ser suspensa por 90 dias para "dar tempo uma oportunidade à negociações", segundo a líder da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

No total, a resposta comunitária abrange mais de 22.000 milhões de euros de exportações dos Estados Unidos, prosseguindo "trabalhos preparatórios sobre outras contramedidas da UE" eventualmente a adotar.

O chefe da diplomacia portuguesa, Paulo Rangel, alinhou pela posição de Bruxelas e defendeu que a resposta deve ser "inteligente e calibrada", admitindo que em alguns setores deve ser dura e noutros deve ser mais moderada, para impedir uma escalada.

Setores mais afetados

O impacto das novas tarifas afeta particularmente setores como a metalurgia e metalomecânica (devido às tarifas sobre o alumínio, aço e cobre) e o automóvel, mas Trump ordenou também uma investigação sobre possíveis tarifas sobre as importações de madeira e ameaçou a UE com tarifas de 200% sobre champanhe, vinhos e outras bebidas destiladas se a tarifa europeia de 50% sobre o whisky norte-americano não cair.

Uma das medidas mais temidas na UE é a possível imposição de 25% de taxas adicionais sobre automóveis fabricados no estrangeiro, bem como componentes automóveis, até porque este setor, particularmente na Alemanha, já enfrenta desafios como a queda da procura na China e o aumento de custos.

A imposição de tarifas pode levar à perda de cerca de 300.000 empregos na indústria automóvel alemã e reduzir a rentabilidade de grandes grupos como Volkswagen, Mercedes-Benz e BMW.

Apesar de terem unidades de produção nos EUA (onde empregam 138.000 pessoas), as exportações alemãs para os EUA são significativas (36,8 mil milhões de euros em 2024) e serão diretamente afetadas.

Empresas como a Mercedes-Benz e a Volkswagen admitiram que terão de se adaptar à nova situação.

Estratégias de apaziguamento

Alguns países estão a tentar evitar as tarifas através de medidas de apaziguamento.

O Vietname, por exemplo, reduziu os direitos alfandegários sobre alguns bens oriundos dos Estados Unidos, enquanto o Japão criou gabinetes de consulta para ajudar as empresas exportadoras a lidar com esta anunciada guerra comercial.

O vizinho México também contactou os EUA para manter o tratado de livre-comércio da América do Norte.

O Reino Unido disse não planear medidas de retaliação imediatas, procurando "negociar rapidamente um acordo económico para eliminar tarifas adicionais" e, assim, beneficiar a economia britânica, segundo o ministro para Negócios e Comércio Jonathan Reynolds.

Reações de mercados bolsistas

A incerteza em torno das tarifas tem causado uma constante instabilidade nos mercados financeiros, com as bolsas asiáticas e europeias a registarem quedas acentuadas, afetadas pela incerteza quanto aos próximos passos de Trump e pelos receios de recessão nos EUA.

Apesar da ligeira recuperação entretanto registada, os investidores permanecem cautelosos e focados na gestão de risco.

As análises a esta guerra comercial têm-se multiplicado e os efeitos são ainda incertos, mas a maioria dos economistas e analistas considera que a incerteza deverá continuar a penalizar os mercados.

Reforço de alianças estratégicas

Perante a postura protecionista de Washington, alguns países estão a procurar fortalecer laços económicos entre si.

A China, o Japão e a Coreia do Sul pretendem acelerar as negociações para um acordo de livre-comércio e responsáveis europeus também manifestaram a vontade de estreitar as relações entre a UE e o Canadá.

Relacionamento com as organizações monetárias internacionais

O Conselho do Banco Central Europeu (BCE) acredita que as tarifas anunciadas pelo Presidente dos Estados Unidos aumentarão a inflação a curto prazo, porque as empresas aumentarão os preços.

Segundo a ata de uma reunião de política monetária realizada no início de março, "a combinação de tarifas americanas e medidas de retaliação pode gerar riscos de alta para a inflação, especialmente no curto prazo".

"Além disso, as empresas também aprenderam a aumentar os preços mais rapidamente em resposta a novos choques inflacionistas", lê-se no documento.

A presidente do BCE, Christine Lagarde, afirmou que as novas tarifas vão "desestabilizar o mundo do comércio" tal como é hoje conhecido.

O presidente da Reserva Federal (Fed) norte-americana, Jerome Powell, admitiu que as tarifas estão a subir a inflação e a atrasar a meta de 2% que impôs, devendo levar a um abrandamento do crescimento económico.

Powell afirmou que as tarifas e os seus impactos na economia e na inflação são "significativamente maiores do que o esperado" e que são "altamente prováveis" de levar a "pelo menos um aumento temporário na inflação", embora admitindo que "também é possível que os efeitos sejam mais persistentes".

Defendendo uma descida imediata das taxas de juro de referência por parte do banco central dos EUA, para impedir o abrandamento da economia, Donald Trump tem vindo a lançar vários ataques a Powell, repetindo críticas de que não está a responder com a rapidez necessária aos problemas do país.

Riscos de escalada

Uma das principais preocupações de aliados e adversários comerciais dos Estados Unidos é o risco de uma escalada da guerra comercial, sobretudo depois de Trump ter aumentado tarifas em áreas onde já tinham sido impostas anteriormente, algumas ainda durante o primeiro mandato (2017-2021).

Entretanto, a cotação do euro face ao dólar disparou para máximos desde 2021, enquanto o ouro - considerado um ativo de refúgio em tempos de incerteza económica -- tem também batido novos recordes.

As expectativas de alguns analistas é que o impacto das novas tarifas e respetivas retaliações podem levar o crescimento da economia mundial ao nível mais baixo desde 2008, sendo que os custos mais altos deverão serão sofridos pela própria economia americana.