A ciência biomédica feita em Portugal é, hoje, de excelência. Temos investigadores de renome, universidades com impacto internacional e resultados que falam por si. No entanto, quando analisamos o investimento empresarial na investigação clínica e biomédica, nomeadamente por parte da indústria farmacêutica, tecnológica e do setor da Saúde, o cenário é pouco animador. Falta ambição. Falta estratégia. Falta, acima de tudo, coragem para arriscar, quero dizer, para investir.

Nos Estados Unidos, a aposta da indústria na investigação em Saúde é massiva e estrategicamente assumida. O setor farmacêutico privado investe (ou pelo menos investia até à nova administração) anualmente mais de 100 mil milhões de dólares em investigação e desenvolvimento, colaborando ativamente com universidades, centros clínicos e startups. Na Alemanha, empresas como a Bayer ou a BioNTech trabalham lado a lado com institutos académicos, acelerando a translação científica. Em Israel, o Estado criou condições excecionais para o investimento em biotecnologia, combinando apoios públicos com incentivos ao capital de risco e estabelecendo uma teia de inovação onde ciência e mercado convivem e prosperam.

Em Portugal, a realidade é distinta. A colaboração entre a indústria e a investigação académica continua a ser limitada, pontual e, muitas vezes, marcada por desconfiança mútua. A maioria dos projetos científicos depende quase exclusivamente de financiamento público, escasso e excessivamente burocrático. A indústria, por seu lado, permanece num registo passivo ou demasiado conservador, frequentemente incapaz de reconhecer o valor estratégico da investigação produzida no país, onde apenas investe em questões comerciais internas. Ainda assim, é crucial reconhecer e expandir as colaborações internacionais já existentes, que têm demonstrado um envolvimento ativo de Portugal na rede global de investigação biomédica, um ativo estratégico que importa valorizar.

É precisamente neste contexto que em Portugal começam a surgir exemplos promissores de novas infraestruturas de inovação biomédica, que se propõem a encurtar o ciclo entre a descoberta científica e o benefício real para os doentes. Centros com modelos colaborativos, orientados para a aceleração da inovação, com estratégias de valorização do conhecimento e da propriedade intelectual e que têm potencial para dinamizar o ecossistema nacional. Estes projetos, quando bem concebidos, podem funcionar como plataformas de ligação entre investigadores, reguladores, startups e investidores, promovendo um novo paradigma de transferência de tecnologia e criação de valor em saúde.

Contudo, projetos isolados, por mais ambiciosos e bem-sucedidos que sejam, não mudam sozinhos o sistema. Portugal precisa de uma revolução cultural e estrutural na forma como encara o investimento em Saúde e investigação biomédica.

Em primeiro lugar, é urgente criar fundos público-privados dedicados à investigação biomédica, capazes de apoiar projetos de elevado risco, mas também de elevado potencial. O modelo dos National Institutes of Health (NIH) nos EUA, que financia inovação com envolvimento da indústria e capital privado, ou a Israel Innovation Authority, onde Estado e empresas partilham riscos e lucros, são referências claras. Em Portugal, continua a faltar uma estrutura desta natureza: que vá além de incentivos pontuais e se afirme como instrumento permanente de apoio à investigação translacional. Para além dos fundos nacionais, o financiamento da União Europeia e de outras fontes internacionais desempenha um papel significativo no apoio à investigação biomédica em Portugal, mas deve ser estrategicamente alinhado com as prioridades nacionais.

Em segundo lugar, é necessário criar incentivos fiscais robustos para todas as empresas, farmacêuticas, tecnológicas ou emergentes, que invistam em I&D (investigação e desenvolvimento) em saúde. França e Irlanda, por exemplo, oferecem deduções significativas no IRC e outros benefícios fiscais às empresas que apostem na inovação científica. Em Portugal, o atual sistema de incentivos fiscais à I&D, embora positivo, continua a ser pouco atrativo, sobretudo para startups e PME.

É igualmente fundamental promover a criação de centros de inovação biomédica em consórcio nacional, à imagem das Academic Health Science Networks do Reino Unido. Estes consórcios - entre universidades, hospitais, institutos de investigação, incubadoras e empresas – devem ser apoiados por financiamento competitivo, dotados de governação ágil e orientados para resultados clínicos e comerciais concretos. O surgimento de centros como o recém-criado Haddad Nova Medical Innovation Center, pela Nova Medical School pode ser um primeiro passo, mas é necessário multiplicar estas iniciativas em várias regiões do país, garantindo articulação nacional e impacto sistémico.

E, naturalmente, nenhuma transformação deste nível acontece sem capital de risco especializado. Em Portugal, o ecossistema de investidores continua a revelar pouca literacia nas ciências da vida. Os business angels e fundos de investimento tendem a preferir setores menos regulamentados e de retorno mais imediato, como o digital ou o turismo. A Saúde permanece como um sector percecionado como arriscado, com ciclos longos e retorno incerto. É por isso que muitos países estão a criar programas de capacitação para investidores, aceleradoras específicas e mecanismos de cofinanciamento público-privado que mitiguem o risco inicial. Portugal deve urgentemente formar e atrair investidores com know-how biomédico e clínico, criar fundos especializados e promover uma cultura de investimento mais ambiciosa.

Finalmente, nenhuma inovação chega aos doentes se o Sistema Nacional de Saúde (SNS) não estiver preparado para a acolher. É crucial que o SNS se abra à experimentação responsável de novas soluções, com vias rápidas para ensaios clínicos, compras públicas de inovação e projetos-piloto regulados em contextos reais. A criação de “sandboxes regulatórias” em saúde, zonas de teste com regras específicas e monitorização rigorosa, permitiria validar e ajustar inovações antes da sua escalabilidade. Esta prática já existe em países como a Suécia, Dinamarca ou os Países Baixos, e Portugal deveria adotá-la sem hesitação. Neste contexto, a otimização do quadro regulamentar para ensaios clínicos e aprovação de novos tratamentos é fundamental para melhorar a atratividade de Portugal junto da indústria.

Enquanto hesitamos, outros países consolidam ecossistemas onde universidades, empresas e investidores colaboram para gerar valor clínico e económico. A nossa ciência é boa, mas sem capital, sem políticas e sem mercado, continuará a ser uma peça isolada. E peças isoladas não transformam sistemas. O que o país precisa agora é de escala, compromisso político e visão empresarial.


Não basta investir pontualmente, é preciso construir um ecossistema onde a inovação biomédica e clínica seja parte integrante da economia nacional, como já acontece noutros setores. A inovação biomédica e clínica pode, e deve, ser um motor económico e social. Agora, falta ao país fazer aquilo que tantas vezes falta: deixar de aplaudir, e começar a replicar.