Desenvolvido na Lapónia finlandesa nos anos 80, o “Open Dialogue” (ou “Diálogo Aberto”, em português) desafia a forma tradicional de encarar a saúde mental e as perturbações psiquiátricas, colocando o diálogo no centro do processo. Em vez de decisões unilaterais, promove-se uma abordagem colaborativa entre a pessoa em crise, familiares e profissionais, garantindo que todas as vozes são ouvidas. Entre os seus principais objetivos estão a redução dos internamentos psiquiátricos e do uso de medicação.
"Em Portugal, como noutros países, há uma grande hierarquia e distância entre os profissionais de saúde e a pessoa que precisa de ajuda. No ‘Open Dialogue’, essa relação é mais horizontal: nenhuma decisão terapêutica é tomada sem a pessoa estar presente. Todo o sistema tenta adaptar-se à pessoa, e não o contrário", explica João G. Pereira, psicólogo e psicoterapeuta que introduziu o “Open Dialogue” em Portugal, através da Fundação Romão de Sousa, e convidado do mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?”
Desde o primeiro momento de crise – como um episódio psicótico, por exemplo – a rede de suporte da pessoa é envolvida no processo. Familiares, amigos ou outras pessoas próximas participam nas consultas, explica o psicoterapeuta, que trabalhou durante vários anos em departamentos de psiquiatria no Reino Unido e é atualmente diretor de Investigação e Desenvolvimento da Fundação Romão de Sousa, instituição que se dedica a promover a autonomia e a integração social de pessoas com perturbações mentais graves. “Muitas vezes, os delírios e alucinações remetem para experiências reais da vida da pessoa e a presença da família pode também ajudar a dar sentido e significado àquilo que está a acontecer no momento.”
Além disso, o “Open Dialogue” parte de uma visão diferente sobre a saúde mental e as perturbações psiquiátricas, acrescenta. “Não se acredita que o problema está dentro da pessoa, mas sim entre as pessoas e na relação entre as pessoas. Isso não significa que o cérebro e o corpo não estejam afetados, mas a doença mental não pode ser explicada apenas por fatores biológicos e genéticos.”
"Senti-me finalmente ouvida"
Cláudia Godinho, designer de 30 anos, residente em Portalegre, é uma das várias pessoas que já foram acompanhadas em Portugal através do “Open Dialogue”. Há alguns anos, procurou a Fundação Romão de Sousa depois de passar por uma fase particularmente difícil: a morte do avô, de quem era muito próxima, e o afastamento de um grande amigo desencadearam sintomas de depressão e ansiedade, agravando a sua perturbação bipolar e levando-a às urgências hospitalares com uma crise psicótica.
Durante cerca de um ano, foi acompanhada por profissionais da fundação através desta abordagem e destaca as diferenças face aos modelos tradicionais de tratamento. "Já tinha sido seguida por vários psicólogos, mas nunca me sentia confortável nas sessões. Muitas vezes, respondiam-me de forma fria e pareciam mais preocupados com o tempo da consulta, como se estivessem ali apenas a cumprir uma função." Com o "Open Dialogue" a experiência foi diferente. "O ambiente era mais descontraído e senti-me finalmente ouvida." Ao longo do tempo de tratamento, notou melhorias significativas, que ainda hoje perduram.
Um dos principais objetivos do "Open Dialogue" é a diminuição do recurso aos internamentos psiquiátricos e à medicação. "Os internamentos psiquiátricos são instrumentos de contenção traumáticos e pouco terapêuticos. A maior parte das pessoas não sai de lá a sentir-se melhor", aponta João G. Pereira, garantindo que os estudos realizados desde os anos 80 na Lapónia finlandesa demonstram o impacto desta abordagem.
"Cerca de 84% das pessoas que tiveram um primeiro surto psicótico estavam, ao fim de dois anos, sem sintomas e reintegradas no trabalho, nos estudos ou noutras atividades. A redução de sintomas foi significativamente maior do que nos tratamentos convencionais." Além disso, acrescenta, "o uso de medicação, nomeadamente antipsicótica, foi reduzido para cerca de 30%, em comparação com quase 100% no modelo tradicional."
Nesta temporada do podcast "Que Voz É Esta?", as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento exploram emoções como culpa, vergonha ou raiva, com mais casos reais e com a participação de especialistas na área da saúde. Ouça aqui mais episódios: