"Estamos a aproximar-nos de um ponto sem retorno. À medida que a violência de gangues continua a espalhar-se para novas áreas do país, os haitianos vivem em crescente vulnerabilidade e estão cada vez mais céticos quanto à capacidade do Estado de atender às suas necessidades", afirmou perante o Conselho de Segurança da ONU Maria Isabel Salvador, representante especial das Nações Unidas no país. 

"Sem assistência internacional decisiva, concreta e oportuna, a situação de segurança no Haiti pode não mudar", alertou ainda, descrevendo os ataques coordenados realizados por gangues para aumentar ainda mais seu controlo na capital - Port-au-Prince - e outras regiões. 

Pedindo ao Conselho de Segurança para que atue rapidamente de forma a "responder às necessidades urgentes do país e de seu povo", Maria Isabel Salvador frisou que o "Haiti pode enfrentar o caos total". 

"A República do Haiti está a morrer lentamente sob a ação combinada de grupos armados, traficantes de drogas e traficantes de armas", lamentou, por sua vez, o embaixador haitiano Ericq Pierre.  

"Tempos de desespero exigem medidas desesperadas: a República do Haiti está disposta a discutir e, quando apropriado, apoiar qualquer iniciativa dos seus parceiros tradicionais que vise ajudar a livrar o país dos gangues que aterrorizam a população", acrescentou o diplomata. 

O país mais pobre das Américas, o Haiti, sofre há muito tempo com a violência de gangues criminosos, acusados de assassínio, violação, saques e sequestros, num contexto de instabilidade política. 

O país tem visto um novo aumento na violência desde meados de fevereiro.  

Os grupos armados aumentaram os ataques em vários bairros que antes não controlavam. E, fora da capital, atacaram uma prisão no final de março e libertaram mais de 500 prisioneiros. 

Descrevendo a situação no terreno, Maria Isabel Salvador indicou que, em fevereiro e março, 1.086 pessoas foram mortas e 383 ficaram feridas", sendo que mais de 5.000 pessoas foram assassinadas no ano passado. 

Este cenário mantém-se apesar do destacamento parcial da Missão Multinacional de Apoio à Segurança no Haiti, uma força liderada pelo Quénia e autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU em 2023.  

A Missão começou a ser mobilizada no verão passado e conta agora com pouco mais de 1.000 agentes de seis países, ainda longe dos 2.500 esperados.  

"Um aumento urgente no efetivo dessa Missão é essencial para atingir o objetivo esperado e atender às altas e legítimas expectativas da população haitiana", apelou a conselheira de Segurança Nacional do Presidente do Quénia, Monica Juma, perante o Conselho. 

Mas a Missão ainda enfrenta escassez crítica de recursos. 

Um total de 261 agentes quenianos treinados e prontos para atuar ainda aguardam mobilizações "devido à falta de equipamentos e apoio logístico", observou Monica Juma. 

Descrevendo uma situação humanitária deplorável, Maria Isabel Salvador também expressou preocupação com a falta de financiamento para as operações da ONU, sem citar especificamente os cortes orçamentários decididos pelos Estados Unidos. 

Principalmente por razões de segurança, a ONU já teve que reduzir a sua presença na capital, que é controlada em cerca de 85% por gangues. 

"Sem financiamento suficiente e previsível, até mesmo uma presença mínima da ONU pode tornar-se insustentável (...). Sem essa assistência vital, as operações da ONU podem ser ainda mais reduzidas, justamente quando o país mais precisa de nós", frisou Salvador. 

Nesse contexto, a representante das Nações Unidas pediu ao Conselho que adicione nomes à lista de indivíduos na lista de sanções da ONU e aplique um embargo de armas. 

Numa declaração conjunta, vários membros do Conselho, incluindo a França e o Reino Unido, pediram novas sanções "direcionadas aos responsáveis pela violência sexual", usada "sistematicamente por gangues através de escravidão e terror". 

"Condenamos veementemente a violência sexual e de género generalizada, incluindo violações em massa, contra mulheres e meninas no Haiti", enfatizaram. 

 

MYMM // RBF

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