Henrique Gouveia e Melo, 64 anos, teve uma longa carreira militar e destacou-se publicamente no combate à pandemia covid-19, antes de chefiar a Marinha, ambicionando agora chegar ao Palácio de Belém, cuja candidatura é apresentada na quinta-feira.

Imagens de arquivo da RTP, datadas de julho de 1968, mostram a sala do Conselho Legislativo do Palácio da Ponta Vermelha, em Moçambique, que albergou a cerimónia de transmissão de poderes na qual um tio de Gouveia e Melo, identificado como encarregado do Governo, deu posse a Baltazar Rebelo de Sousa, governador-geral de Moçambique.

Estes protagonistas eram, respetivamente, o tio de Henrique Gouveia e Melo, e o pai do atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ao qual o almirante na reserva deseja agora suceder no Palácio de Belém.

Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo nasceu em Quelimane, Moçambique, a 21 de novembro de 1960, onde viveu durante a adolescência antes de a família se mudar para o Brasil após o 25 de Abril de 1974.

Numa entrevista ao jornal "Nascer do Sol", em junho de 2021, relatou que o pai, advogado e "um liberal da área socialista", receava que o regime português se transformasse numa "ditadura comunista", justificando a ida para o Brasil. Contudo, após o 25 de novembro de 1975, a família regressou "logo a Portugal".

De Comandante naval a Almirante

Em 1979, Gouveia e Melo, que se definiu na mesma entrevista como "um estudante preocupado" que "tinha algum sucesso" com raparigas e só bebeu uma cerveja toda a vida, ingressou na Escola Naval, depois de, segundo o próprio, não ter sido admitido na Força Aérea por ser demasiado alto para entrar num 'cockpit'.

Com 24 anos, integrou a esquadrilha de submarinos, - onde viria a passar 31 dias seguidos submerso e mais tarde a integrar a primeira missão de um submarino convencional debaixo do Ártico, - tendo exercido diversas funções militares ao longo de uma carreira de mais de quarenta anos ao serviço das Forças Armadas, na qual frequentou vários cursos e se especializou em Comunicações e Guerra Eletrónica.

De 2017 a 2020 foi Comandante Naval, tendo liderado um destacamento de militares que auxiliou a população após os incêndios de Pedrógão Grande.

Em 2020, tomou posse como adjunto para o planeamento e coordenação do Estado-Maior General das Forças Armadas, cargo que exercia quando no ano seguinte foi escolhido para coordenar a 'task force' para a vacinação contra a pandemia da covid-19.

Horacio Villalobos

Foi nestas funções que se destacou publicamente, estando ativamente envolvido no planeamento das ações conjuntas das Forças Armadas no terreno e em apoio às autoridades de saúde.

No mesmo dia em que anunciou que o trabalho da 'task force' tinha chegado ao fim, em setembro de 2021, a Lusanoticiou a intenção do Governo de propor ao Presidente da República a exoneração do então Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Mendes Calado, que seria substituído, antes do final do seu mandato, pelo ainda vice-almirante.

Após um processo polémico, Gouveia e Melo chegaria a chefe da Marinha em 27 de dezembro de 2021, sendo promovido a almirante, cargo que ocupou até 2024, ano em que decidiu passar à reserva.

RODRIGO ANTUNES

Da Marinha a Belém: o percurso de Gouveia e Melo rumo à Presidência

Durante largos meses, Gouveia e Melo manteve um verdadeiro "tabu" em torno da sua eventual candidatura à Presidência da República. Em outubro de 2021, num evento em Lisboa, chegou a brincar com a ideia: "Se isso acontecer, deem-me uma corda para me enforcar".

"A democracia não precisa de militares. Gosto muito de ser militar, mas o militarismo excessivo não faz sentido."

Quanto ao seu posicionamento político, Gouveia e Melo foi deixando pistas ao longo do tempo. Em dezembro de 2021, numa entrevista ao jornal Expresso, situou-se no“centro pragmático”. Mais recentemente, em fevereiro, num artigo de opinião no mesmo semanário, afirmou estar “entre o socialismo e a social-democracia” e defendeu que o Presidente da República deve ser “isento e independente de lealdades partidárias”.

Em 2023, numa entrevista à Renascença, afastou a hipótese de se candidatar afirmando que não tinha intenção de se lançarem nenhuma candidatura no futuro.

"Isto é um não . As pessoas têm que entender que quando eu digo que não é não ."

HOMEM DE GOUVEIA

Questionado pela agência Lusa, reforçou o seu foco nas funções militares.

" Estou concentrado no meu objetivo militar que é conseguir transformar a Marinha num verdadeiro instrumento útil , significativo , abrangente e tecnologicamente avançado ao serviço do Estado português . Esse trabalho é gigantesco . Ocupa 110% do meu cérebro . E, portanto , eu não ando preocupado com outras coisas ."

Não excluiu (nem incluiu) a possibilidade de se candidatar à Presidência da República

Em agosto, no programa "Portugal Amanhã" da Euronews, Gouveia e Melo sublinhou que, uma vez na reserva e desvinculado da hierarquia militar ativa, não só tem o direito como também o dever, enquanto cidadão, de participar na vida democrática.

"A ideia de que os militares não podem participar na política é antidemocrática.

Um mês depois, na "Grande Entrevista" da RTP3, afirmou não excluirnem incluir — a possibilidade de se candidatar à Presidência da República.

Reagindo a uma notícia do Expresso, segundo a qual o Presidente da República estaria interessado em reconduzi-lo no cargo para travar uma eventual candidatura respondeu que "os militares não fazem chantagem com o poder político. Pelo contrário, o poder político é que manda nos militares".

A crítica à política de sempre

Ao longo dos últimos meses antes da candidatura oficial, o discurso começou a ser mais critico. Num artigo publicado no Expresso, em fevereiro, fez uma crítica à partidarização do mais alto cargo do Estado.

" Transformar a Presidência num apêndice dos interesses partidários é uma ameaça à capacidade da democracia liberal de manter um sistema equilibrado e funcional . As pontes não se constroem sobre redes de influência, compadrios ou intrigas político-partidárias, mas sim sobre consensos assentes em valores humanitários, no desejo de liberdade, prosperidade e solidariedade efetiva, e, acima de tudo, na defesa intransigente da democracia liberal."

Um mês depois, Gouveia e Melo rejeita a ideia de que apenas "políticos de carreira" podem participar na política.

" que também ter cuidado com a ideia de que na política políticos experientes , entre aspas , ou de carreira , podem fazer política , porque isso é a negação da própria abertura de um sistema que deve ser aberto para incorporar não conhecimento como ideias diversas."

Na primeira iniciativa da associação Honrar Portugal, na mesma semana, preferiu não desviar o foco das eleições legislativas, adiando a sua decisão para depois das eleições.

" Depois das eleições assumirei a posição que acho que devo assumir na altura e serei mais claro do que sou agora, porque o meu papel neste momento é esperar pelas eleições legislativas.

"Não há dúvidas. Vou ser mesmo candidato à Presidência da República."

Num almoço-debate promovido pelo International Club of Portugal, já apontado pelas sondagens como o favorito a vencer as eleições presidenciais, deixou um aviso claro:

"Se os senhores pensarem - não quer dizer que vá concorrer à presidência - que votando em mim não precisam de fazer nada porque os vossos problemas vão ser resolvidos por aquele milagreiro que vai assumir a Presidência, não votem em mim, por favor. Votem lá num outro milagreiro qualquer porque eu não sou esse milagreiro."

A confirmação definitiva da candidatura chegou a 14 de maio de 2025, numa entrevista à Renascença.

"Não há dúvidas. Vou ser mesmo candidato à Presidência da República."

Nessa mesma ocasião, deixou evidente a motivação que impulsiona a sua entrada na corrida a Belém.

"Esta instabilidade interna está aos olhos de todos nós, portugueses."

E lançou uma "farpa" a Marcelo Rebelo de Sousa.

"O Presidente da República, por ser eleito por maioria e não dependente de partidos, pode contribuir de forma muito decisiva para a estruturação da política de médio e longo prazo, com uma visão estratégica, e para as reformas estruturais que há muitos anos estão por fazer na sociedade portuguesa. A minha forma de atuar será muito diferente do atual Presidente."

Espera-se que Gouveia e Melo, - que em entrevista ao programa "Alta Definição" da SIC confessou ler livros sobre matemática para relaxar, - vá desvendando mais sobre o seu pensamento político a partir de quinta-feira.