Os ataques dos Estados Unidos ao Irão, a retaliação iraniana contra a base norte-americana Al Udeid, no Qatar, e o aparente apaziguamento anunciado por Donald Trump esta noite, ameaçam fazer sombra à Cimeira da NATO, que arranca esta terça-feira em Haia, nos Países Baixos. Com a crise desencadeada por Israel como cenário, o grande objetivo da reunião perde alguma centralidade, que era mostrar ao mundo - mas sobretudo a Donald Trump, para manter os EUA envolvidos na Aliança Atlântica - que há um reforço do compromisso dos aliados para cumprir os gastos de 2% do Produto Interno Bruto em Defesa e avançar para um novo objetivo de 5% do PIB em gastos militares.

Esse objetivo de manifestação de unidade, que visa dar maior autonomia militar à Europa, foi posto em causa à última hora por uma carta do presidente do Governo espanhol, Pedro Sanchéz, que não se compromete com a meta dos 3,5% do PIB de gastos em Defesa (mais 1,5% na resiliência de infraestruturas e cibersegurança) e diz que não irá além dos 2,1%. Com esta atitude, Espanha arriscou deitar por terra semanas de esforços diplomáticos para os países menos gastadores aparecerem alinhados. O Secretário-geral da NATO tentou fazer a quadratura do círculo. Escreveu-lhe uma carta a “confirmar flexibilidade” para Espanha, o que permite a Sánchez vender a vitória interna. Ao mesmo tempo, publicamente, Rutte veio dizer que “não há exceções” à meta dos 5%, “nem acordos paralelos”, tentando sossegar os restantes aliados, sobretudo os do flanco leste, que mais investem em Defesa.

Neste contexto, Luís Montenegro aterra em Haia sem que os holofotes estejam todos concentrados no compromisso dos sete países que ainda não chegaram aos gastos de 2% do PIB em Defesa (Portugal, Bélgica, Canadá, Eslováquia, Itália, Luxemburgo e a Espanha). O Governo deve levar à cimeira um plano, ainda por conhecer, que dê garantias aos Aliados de que, tal como os restantes países, Portugal vai atingir essa meta ainda este ano, o que representa um acréscimo de despesa entre os €1300 milhões e os €1500 milhões. Mas, para já, pouco mais se sabe do plano, a não ser que parte desse valor deverá ser encontrado através da reclassificação de despesas já realizadas e que sejam aceites pelos critérios da NATO, já admitiu o ministro das Finanças, Miranda Sarmento. Em declarações ao “Público”, o ministro da Defesa, Nuno Melo, dizia esta segunda-feira que chegar aos 2% em seis meses é "um esforço muito grande" e que o país deve estar "concentrado" em cumpri-lo. Continua, porém, a evitar falar na meta dos 3,5% ou mesmo dos 5%.

Segundo o ministro da Defesa, os investimentos a ser feitos terão de estar "em linha com o que pede a NATO: luta anti-submarina e defesa antiaérea, por exemplo", afirmou ao “Público”. Mas esses serão os Objetivos de Capacidades (Capability Targets) estabelecidos para o futuro, e não devem contar já para os 2% do PIB, no imediato. Aparentemente, o Governo terá o apoio da população: de acordo com um estudo do European Council on Foreign Relations, publicado esta segunda-feira, os portugueses são dos povos europeus que mais temem a desagregação da NATO, da União Europeia, e que manifestam mais receios quanto a uma guerra mundial, holocausto nuclear ou ataque da Rússia. Segundo esse inquérito, que abrangeu mais de mil portugueses, a opinião pública nacional aceita e apoia maioritariamente o aumento da despesa militar e mesmo um regresso do serviço militar obrigatório (só os mais jovens, dos 18 aos 29 anos, não apoiam).

Revisão dos objetivos quando Trump sair

Enquanto os países, sobretudo do flanco leste - que sentem mais de perto a ameaça da Rússia -, mostram desagrado com a hipótese de haver uma exceção para Espanha, outros consideram que a atitude de Pedro Sanchéz pode prejudicar a estratégia geral desenhada para a cimeira. Os objetivos estabelecidos em Haia serão revistos em 2029, o que significa que parte do que ficar escrito para investir em Defesa nos próximos dez anos deve ser reavaliado no momento em que houver uma nova realidade política nos Estados Unidos, com um sucedâneo de Trump ou com um político norte-americano mais tradicional na Casa Branca. “Quando a meta for revista, já nem deve haver Trump nem Sánchez”, disse ao Expresso fonte ligada à NATO, questionando a oportunidade espanhola, condicionada pela agenda interna relacionada com escândalos de corrupção do PSOE.

A Cimeira está coreografada para fazer brilhar Donald Trump, que chega a reclamar ter feito um favor a todos, com a destruição das ambições do programa nuclear iraniano, considerada uma ameaça também para os europeus. Ainda esta segunda-feira, o Secretário-Geral da NATO afirmava que o seu “maior medo” era que o Irão viesse a ter uma arma nuclear. Mark Rutte, sem surpresas, saiu em defesa do mais poderoso dos Aliados, ao dizer que o ataque dos Estados Unidos a instalações nucleares iranianas “é consistente” com o direito internacional.

Não é essa interpretação do Presidente francês, nem do primeiro-ministro norueguês que afirmam publicamente não “haver enquadramento legal” (Emmanuel Macron) e que o ataque “não respeita” o direito internacional (Jonas Gahr). No entanto, em Haia, não é expectável qualquer dedo apontado a Trump. Este é o encontro para fazer a habitual profissão de fé, de reforço da relação transatlântica. Há pela frente mais três anos e meio de Donald Trump na Casa Branca, e, para os europeus, é fundamental manter as relações com o republicano o mais suaves possível.

A declaração final vai reafirmar o elo euro-atlântico e o compromisso com o artigo 5º do Tratado de Washington. Apesar das críticas e ameaças veladas de Trump à NATO, todos esperam que reafirme que aceita a lógica “do um por todos e todos por um”. A defesa nuclear francesa só garante a própria França, os restantes continuam a necessitar do chapéu-chuva nuclear norte-americano para dissuadir Putin, e essa proteção deverá ser renovada em Haia.

Em todo o caso, não está planeado que o Irão seja considerado entre as maiores ameaças para a NATO, a não ser diluído na definição genérica do terrorismo. A formulação da declaração final continua a identificar a Rússia como a principal ameaça, sublinhando que os aliados estão “unidos perante ameaças e desafios profundos, em particular a ameaça de longo prazo colocada pela Rússia à segurança euro-atlântica” e perante “a ameaça persistente do terrorismo”.

O brilho de Trump ofusca, porém, Volodymyr Zelensksy. Ao contrário das últimas duas cimeiras da NATO, em Vilnius e Washington, perdeu protagonismo. Foi convidado para o jantar social desta quinta-feira, mas desta vez não estará em nenhuma sessão de trabalho, à porta fechada, com os 32 chefes de Estado e de Governo. Trump anda a evitá-lo. Não se encontraram há uma semana no G7, no Canadá, e não está prevista qualquer reunião bilateral em Haia.

A nova administração norte-americana não quer ouvir falar da perspetiva de a Ucrânia se juntar à NATO. Se, no passado, a garantia de que um dia o país será Estado Membro da Aliança ficou nas conclusões finais, desta vez, fica fora. Ainda assim, haverá um parágrafo a reafirmar o apoio dos aliados ao país. Esta segunda-feira Mark Rutte tentou desdramatizar a perda de importância dada à Ucrânia, anunciando que as garantias de ajuda militar dos Aliados a Kiev vai lá nos 35 mil milhões este ano, argumentando que isso abre a porta a até ao final de 2025 se ultrapassa os 50 mil milhões de euros financiados no ano passado.