A complexidade biológica do cancro tem sido um desafio significativo na investigação biomédica, exigindo abordagens cada vez mais sofisticadas para identificar os módulos condutores (“driver modules”) da sua progressão. Estes módulos correspondem a grupos de genes que, ao interagirem funcionalmente, promovem a génese tumoral e influenciam a resposta ao tratamento. Com a crescente disponibilidade de dados ómicos de alta resolução, a Inteligência Artificial (IA) surge como uma ferramenta essencial para integrar e analisar grandes volumes de informação de forma eficiente. A identificação de módulos condutores do cancro tem sido tradicionalmente baseada em análises isoladas de mutações genéticas ou na deteção de padrões de exclusividade mútua entre genes alterados.

No entanto, abordagens que integram múltiplos tipos de dados ómicos, incluindo redes de interação proteica (PPI), co-expressão génica, mutações somáticas e redes regulatórias transcricionais, têm demonstrado superioridade na identificação de alvos terapêuticos relevantes. Uma estratégia recente1, designada Driver Modules of Cancer by Integrating Multi-Omics Data (DMMO), apresentou melhorias significativas na deteção de módulos condutores através da aprendizagem profunda de características funcionais. Num estudo envolvendo três tipos de cancro (mama, glioblastoma e próstata), o modelo DMMO analisou 789 amostras de BRCA, 150 de GBM e 494 de PRAD, identificando 5.565, 5.012 e 6.312 genes relevantes, respetivamente. Estes resultados demonstram a robustez do modelo ao analisar grandes volumes de dados com elevada heterogeneidade genética. O modelo DMMO distingue-se por integrar um autoencoder neuronal baseado em grafos (Graph Autoencoder Neural Network – GAE), permitindo estimar a conectividade funcional entre genes. A implementação desta técnica resulta numa classificação mais eficiente dos genes de interesse, reduzindo a dependência de procura exaustiva no espaço de soluções.

Esta abordagem supera métodos anteriores, como ModulOmics, MEXCOwalk e HotNet2, que necessitam de processos computacionalmente mais intensivos. A funcionalidade dos módulos condutores identificados pelo DMMO foi validada através de análises de enriquecimento funcional, revelando uma elevada coerência biológica. Em média, os módulos identificados apresentaram um F1-score de 0,17 a 0,23 para BRCA, 0,19 a 0,23 para GBM e 0,19 a 0,21 para PRAD, superando significativamente as pontuações obtidas por outros métodos. A utilidade clínica da identificação de módulos condutores está diretamente relacionada com a sua capacidade de prever a progressão tumoral e a resposta terapêutica. O estudo demonstrou que determinados módulos identificados pelo DMMO estavam fortemente correlacionados com a sobrevivência dos doentes, com um p-value de Kaplan-Meier inferior a 0,0074 em casos selecionados. Adicionalmente, os módulos foram analisados em relação a vias metabólicas relevantes, destacando-se a interação com processos associados ao ciclo celular e à resposta imune. Estes resultados sugerem que o modelo DMMO pode ser utilizado para estratificar doentes com base no seu perfil molecular, orientando decisões terapêuticas de forma mais personalizada. Apesar dos avanços proporcionados pela IA na análise ómica do cancro, desafios significativos persistem. A integração de dados multi-ómicos continua a ser limitada pela heterogeneidade das técnicas de sequenciação e pela variabilidade inter-paciente.

Ainda, a interpretação biológica das redes funcionais geradas pelos algoritmos de IA requer uma validação experimental rigorosa para evitar inferências erradas. A evolução de modelos de aprendizagem profunda para análise ómica deve focar-se na melhoria da qualidade dos dados de entrada, na incorporação de biomarcadores emergentes, como epigenética e metabolómica, e na implementação de pipelines automatizadas para validação clínica. O uso de técnicas como Graph Attention Networks (GAT) pode ainda aprimorar a ponderação dos dados na fusão multi-ómicos.

A Inteligência Artificial está a transformar a oncologia de precisão, permitindo a identificação de módulos condutores de cancro com maior precisão e relevância clínica. O modelo DMMO ilustra a capacidade de redes neuronais para integrar dados multi-ómicos e fornecer insights cruciais sobre a biologia do cancro. Contudo, a sua aplicação clínica depende de validação rigorosa e integração com workflows hospitalares. A interseção entre IA e ciência biomédica abre caminho para uma nova era na investigação translacional e na personalização terapêutica, com potencial para redefinir o tratamento oncológico nos próximos anos.

1 Guo, J., et al. (2025). Improving the identification of cancer driver modules using deep features learned from multi-omics data. Computers in Biology and Medicine, 184, 109322.

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