
Portugal vive, hoje, a dura evidência de que as alterações climáticas deixaram de ser uma ameaça remota para se tornarem o pano de fundo do quotidiano, tão visível nos últimos anos, e a certeza de que é no presente que se joga a segurança humana, social e ambiental da próxima década.
A memória de Pedrógão Grande permanece como dolorosa prova dessa nova realidade. Em setembro de 2022, o tribunal coletivo de Leiria absolveu o comandante Augusto José Reis Arnaut — o primeiro a chegar ao teatro de operações — de todas as acusações ligadas aos incêndios de junho de 2017. A decisão, confirmada pela Relação de Coimbra em junho, reconheceu que ninguém podia antecipar o salto explosivo das chamas de um para sete quilómetros por hora, provocado por um fenómeno pirometeorológico extremo (outflow convectivo ou downburst) até então desconhecido em Portugal e na Europa.
Como sempre afirmámos, escrevemos e demonstrámos — mesmo que o Governo da época não tenha divulgado parte dos documentos produzidos pela então ANPC (hoje ANEPC - Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil), como deveria —, na resposta operacional, tanto ao nível das estruturas Nacional e Distrital da ANPC, como ao nível do terreno, pelo Comandante Luís Arnault, fizemos tudo o que era humanamente possível para evitar o desfecho trágico que todos conhecemos e lamentamos, por mais que alguns pretendam sugerir o contrário.
Mas o problema dos incêndios não fica agora resolvido com esta clarificação do que realmente se passou em Pedrógão Grande, pelo contrário, porque passados 8 anos continuarmos a ter um Dispositivo de Combate que, não obstante existirem hoje mais meios, se depara com imensas dificuldades face a uma nova geração de incêndios que, em resultado das alterações climáticas, tem capacidade de gerar velocidades e intensidades de propagação extremas.
O Tribunal de Contas Europeu (TCE), no relatório especial 16/2025, sobre o financiamento da UE ao combate aos incêndios florestais, alerta que a capacidade de resistência das florestas aos incêndios pode ser melhorada através de uma boa governação dos riscos, de uma gestão florestal adequada e de atividades de planeamento paisagístico. Quanto a Portugal, o relatório alerta que a seleção de projetos de prevenção de incêndios florestais financiados pela UE se baseou, por vezes, em avaliações de risco desatualizadas, o que pode desviar recursos das zonas mais vulneráveis, reduzir a eficácia dos fundos e manter as florestas portuguesas expostas a novos grandes incêndios.
O Eurobarómetro Especial 2024 da Comissão Europeia, sobre a sensibilização para o risco de catástrofes e a preparação da população da UE, sublinha que a consciência do perigo e a formação dos cidadãos são essenciais para construir uma União Europeia mais resiliente e capaz de responder eficazmente a um vasto leque de catástrofes. Em Portugal, os cidadãos sentem-se especialmente vulneráveis ao risco de incêndio florestal, numa perceção que supera a média europeia.Esta realidade alerta-nos para a necessidade de articular educação cívica e regras básicas de autoproteção, visando uma maior resiliência, com uma prevenção estrutural eficaz, uma resposta operacional adequada e o uso inteligente da tecnologia.
Impõe-se, por isso, uma reflexão urgente sobre o que foi — e, sobretudo, sobre o que não foi — feito, se quisermos evitar outra tragédia como a de Pedrógão Grande. Cumpre igualmente questionar se o rumo que seguimos, assente numa retórica que entretanto colapsou, continua a ser a mais acertada. Portugal tem conhecimento técnico, financiamento europeu e capital social para ser laboratório de resiliência climática.
A janela de oportunidade para agir fecha-se um pouco mais a cada verão que começa em abril. Transformar a prevenção estrutural em obra visível, pôr a educação de proteção civil no currículo escolar, promover a resiliência dos cidadãos e fundir ciência de dados com operações no terreno não são luxos: são seguros de vida nacional.