Quando o Supremo Tribunal norte-americano revogou em 2021 o processo ‘Roe v. Wade’ e o direito federal ao aborto, antecipou-se com muita antecedência que os direitos reprodutivos e as questões de género seriam um dos destaques da campanha às presidenciais. Na quinta-feira, ambas as campanhas procuraram, mais uma vez, convencer as mulheres dos Estados Unidos a votar, mas o dia acabou por ficar mais marcado por novos ataques entre as candidaturas e, em particular, por comentários controversos de apoiantes de Trump e Harris sobre o voto feminino.

Logo pela manhã, a vice-presidente Kamala Harris condenou declarações “muito ofensivas” do seu rival que, no dia anterior, tinha avisado que iria proteger as mulheres “quer elas gostem ou não” - um comentário que o próprio admitiu como podendo ser inapropriado. Harris, num evento no estado-chave do Wisconsin, apontou para o historial de casos de abuso sexual de Trump com várias mulheres. Noutro evento no Arizona disse que o republicano “simplesmente não respeita a liberdade e a inteligência das mulheres que sabem o que é melhor para si e sabem tomar decisões”, e procurou usar o comentário “protetor” de Trump para desviar as atenções da polémica criada por Joe Biden.

Mas os ataques e avaliações sobre a popularidade de cada candidato junto das mulheres estendeu-se aos seus apoiantes, em particular a dois homens: Mark Cuban, um bilionário que apoia Harris, conhecido pela presença no programa “Shark Tank”; e Jesse Watters, um dos apresentadores mais conservadores da Fox News, que tem protegido e defendido inabalavelmente o antigo Presidente.

Na quinta-feira de manhã, Cuban foi ao programa “The View” e afirmou que Trump “nunca é visto rodeado de mulheres fortes e inteligentes”. O empresário, dono dos Dallas Mavericks, acrescentou que o ex-Presidente “intimida” as mulheres e não tem conseguido garantir o apoio das mulheres que apoiavam a ex-candidata Nikki Haley.

Quem não gostou do comentário foram, precisamente, as mulheres que apoiam Trump. Na rede social X (antigo Twitter), as congressistas Elise Stefanik e Anna Paulina Lua consideram que o comentário foi uma “desgraça sexista” e “misógino"”, e a extremista Marjorie Taylor Greene disse que Cuban “sofre de baixa testosterona”. Susie Wiles, uma assessora da campanha republicana, garantiu que as mulheres “fortes e inteligentes em torno de Trump estão aqui”, enumerando as diferentes pessoas em cargos de relevo no Partido Republicano.

Já depois de Trump também ter atacado o empresário, Mark Cuban acabou por retratar parte das suas declarações, dando exemplos de mulheres que trabalham com o ex-Presidente, mas reiterando que continuam a ser uma minoria nesse partido.

Na Fox News, o canal onde a esmagadora maioria dos conteúdos e apresentadores se posicionam do lado de Donald Trump, o comentador Jesse Watters também opinou sobre o voto das mulheres nas próximas presidenciais, incluindo da sua própria esposa. Watters já teve várias tiradas consideradas sexistas em antena, e a certa altura enfureceu os democratas e os próprios colegas ao sugerir que Harris era “aproveitada” pelos generais.

Desta vez, na quinta-feira, Watters mostrou-se descontente com um anúncio de campanha narrado pela atriz Julia Roberts, que recorda às mulheres que o voto é secreto e que não têm de seguir a opinião de maridos conservadores. O apresentador queixou-se do anúncio e deixou o alerta à sua parceira.

“Se eu descobrir que a Emma vai às urnas votar em Harris, será a mesma coisa que se tivesse um caso. Viola a santidade do casamento. Que mais é que ela esconde de mim?”, disse, avisando a mulher que tal cenário “seria o Dia D”. Segundo o The Independent, Jesse Watters admitiu, numa entrevista em 2018, que o seu relacionamento com a atual esposa, Emma DiGiovane, começou quando o apresentador traiu a sua ex-mulher com DiGiovine quando esta era produtora do seu programa na Fox News.

A série de comentários e de considerações sobre o voto feminino, especialmente de homens conservadores, tem sido uma constante nesta campanha para as eleições presidenciais nos Estados Unidos. O país assiste a uma clara divisão de género na hora de votar, e tanto Harris como Trump têm ido às mais diferentes plataformas, especialmente a podcasts consumidos maioritariamente, ora por homens, ora por mulheres, para tentar chegar de forma mais direta a estes eleitores.

O passado de Trump no que diz respeito à sua relação com mulheres continua, no entanto, a ser um dos pontos mais mencionados pelos democratas e pelos seus apoiantes, em comícios e nas redes sociais. Trump gabou-se frequentemente de ter indicado os juízes conservadores que acabaram por revogar o direito ao aborto a nível nacional, e as suas opiniões sobre a interrupção voluntária da gravidez são inconstantes. Na justiça, Trump foi acusado pela escritora E. Jean Carroll de abuso sexual (crime do qual já foi considerado responsável) e violação, e várias mulheres já apresentaram queixas semelhantes.

Segundo uma sondagem recente do New York Times e Siena College, o ‘gap’ entre géneros nas preferências de voto tem vindo a crescer: enquanto Kamala Harris mantém uma vantagem de 15 pontos percentuais entre eleitoras, Trump tem uma diferença de 11 pontos nos eleitores masculinos. O estudo aponta ainda que, nas camadas mais jovens, Harris atinge os 69% nas mulheres com idades entre os 18 e os 29, mas apenas 45% nos homens no mesmo intervalo.

Outras notícias:

⇒ A candidatura presidencial da democrata Kamala Harris já angariou quase 1.000 milhões de dólares (quantia semelhante em euros), mais do dobro do que o seu rival republicano. De acordo como a Comissão Federal de Eleições (FEC, na sigla em inglês), em apenas cerca de três meses, Harris angariou 997 milhões de dólares (923 milhões de euros) para a sua campanha, quase tanto quanto o seu antecessor na corrida à Casa Branca, o ainda Presidente Joe Biden, que ao longo de mais de um ano tinha angariado 1.009 milhões de dólares (cerca de 934 milhões de euros);

⇒ Harris e Trump estarão hoje ambos em Milwaukee, no estado do Wisconsin, para comícios marcados à mesma hora. Harris repete a fórmula de aparecer ao lado de estrelas do mundo da música, com a presença em palco da 'rapper' Cardi B e outras bandas, na quinta visita da candidata democrata a Milwaukee nesta campanha. O candidato republicano tem preferido a companhia de algumas estrelas do futebol americano, tendo estado ao lado do 'quarterback' Brett Favre no comício de Green Bay, mas ainda não revelou quem serão as figuras ao seu lado para hoje;

⇒ O ataque contra cidadãos do Porto Rico no comício de Donald Trump em Nova Iorque continua a ser aproveitado pela campanha democrata, que lançou um novo anúncio dirigido para eleitores latinos e em que é recordado o insulto. O momento foi a gota de água para muitas celebridades de origem porto-riquenha, como Bad Bunny, Luis Fonsi ou Ricky Martin. Mais recentemente, a atriz e cantora Jennifer Lopez também declarou o seu apoio por Harris e até apareceu num comício;

⇒ LeBron James, um dos jogadores de basquetebol mais conhecidos do país (e do mundo), tornou-se na mais recente celebridade a apoiar publicamente Kamala Harris. “Quando penso nos meus filhos e na minha família e como eles vão crescer, a escolha é óbvia para mim”, disse James;

⇒ No Filadélfia, o caso em torno da legalidade do bónus oferecido pelo bilionário Elon Musk, que prometeu um milhão de dólares a pessoas que votarem em Trump, foi adiado, após um pedido da defesa para passar o caso para um tribunal federal. Musk, o dono da rede social X e da Tesla, tem participado em comícios a apoiar Trump e já investiu mais de 100 milhões de euros na campanha republicana, sendo também acusado de usar a sua plataforma para espalhar desinformação sobre as presidenciais.