
Escrevo no rescaldo de uma madrugada que não deu início ao dia “inteiro e limpo”, nestes tempos a seguir aos resultados das eleições legislativas, em que um país se interroga sobre as razões da existência deste elefante no canto da sala, que ninguém quer reconhecer como seu. Reconhecê-lo implicaria que, pelo menos um dos seus cinco amigos estaria a trair os ideais democráticos de Abril, de forma deliberada ou inconsciente, e ninguém quer assumir isso.
As baixas condições de vida, a falta de acesso a direitos básicos como a habitação e a saúde geram revoltas difíceis de conter de que o populismo se aproveita, mas é a cultura e o pensamento filosófico que podem fazer a diferença e gerar a mudança. E isso, à falta de um enquadramento familiar, aprende-se na escola; só ela tem o poder de travar a ascensão da ignorância arrogante, que tudo parece poder em detrimento do verdadeiro conhecimento e questionamento informado do real.
Quando se retirou carga horária às disciplinas como História e outras de caráter mais artístico, promotoras de valores como a empatia e a humanidade, quando se retiraram aos professores os tempos para se dedicarem a projetos e clubes extracurriculares fomentadores do espírito crítico e do desenvolvimento de competências sociais e os inundaram de tarefas burocráticas impeditivas do exercício de outras atividades para além de um currículo reduzido ao mínimo das aprendizagens, entre outras coisas abriu-se espaço para a entrada na sala desse elefante que se avoluma, dia após dia, alimentado pela cegueira de sucessivos governos do arco dito democrático. E isso não podemos ignorar, porque “vemos, [já] ouvimos e lemos”, como diria Sophia.
A este Governo que virá, a Missão Escola Pública deixa um recado: os professores esperam muito mais que a argumentação vazia da última legislatura. Exigem respeito, mas esse respeito vai para além da devolução integral de um tempo de serviço que demora a chegar e que, para muitos que se encontram no topo da carreira, fruto dos anos de trabalho e de estudo, não chegou sequer a vir e lhes foi, para sempre, roubado.
O respeito que exigimos tem a ver com as condições de trabalho, com a necessidade de oferta de igualdade de oportunidades a todos os jovens, independentemente da sua origem, com o primado de todos os princípios constantes da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE).
Nenhum aluno, de Norte a Sul do país, pode ficar sem aulas por falta de um professor, mas a nenhum deverá ser negado o direito de desenvolver uma sólida cultura, assente nos valores da cidadania ativa, que lhes permitirá destrinçar o “trigo do joio”, os valores constitutivos de uma sociedade justa e democrática de argumentações pobres destituídas de projetos e assentes em dinâmicas sociais de raiva e ressentimento e em que a desvalorização do conhecimento é a pedra-de-toque.
E isto não está no programa eleitoral da AD; só lugares-comuns como “devolver à educação e à Escola Pública o rigor, a serenidade, o diálogo e o foco no futuro de que necessitam,” embora não perceba como; há chavões apresentados como troféus da anterior legislatura, como a diminuição do número de alunos sem aulas, a implementação de um programa de recuperação e melhoria das aprendizagens, o apoio à integração de alunos estrangeiros, recomendações sobre a proibição do uso de telemóveis e a revisão do sistema de avaliação externa, ainda que, na prática, nem o número de alunos sem aulas tenham conseguido apurar, porque isso seria admitir que falharam redondamente naquilo a que se propuseram.
Sim, os resultados dos alunos nos testes internacionais baixaram, fruto do nulo investimento nos últimos anos na Escola Pública; sim, são necessárias cultura e cidadania nos jovens que, saídos da Escolaridade Obrigatória, exerceram pela primeira vez no dia 18 o seu direito de voto, nos outros que sendo pais, não obtiveram do Estado Social as ferramentas necessárias para construir um futuro justo e combater a desinformação e os ogres de qualquer estado que permita a pluralidade de ideias.
Mas, sobretudo não esquecer aquele ponto da LBSE: “O sistema educativo é o conjunto de meios pelo qual se concretiza o direito à educação, que se exprime pela garantia de uma permanente ação formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade.”
Faça-se caminho!