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Portugal é o quinto país mais envelhecido do mundo, segundo a OCDE, o que traz desafios significativos tanto para a sociedade quanto para o mercado de trabalho português, exigindo mudanças tanto nas atitudes individuais quanto nas práticas empresariais, de forma a garantir não só uma melhor integração como que não se perde a experiência dos trabalhadores mais velhos. Continuando a contar com eles nas organizações, há mais-valias consideráveis não apenas para as equipas e a empresa como para a sociedade, já que manter rotinas também pesa na capacidade de continuarmos física e psicologicamente ativos.
O tema do ageism, ou idadismo, não é novo, mas tende a tornar-se mais premente em países com os desafios demográficos que aqui temos. E se a renovação do tecido profissional é absolutamente necessária e criar condições para atrair mais talento jovem às empresas é fundamental, há boas práticas a atestar o valor da experiência lado a lado com o vigor da inovação. Desde que se cumpram quatro princípios: o cuidado na forma como se faz o recrutamento, o treino contínuo e a atualização dos mais velhos, a flexibilidade e a capacidade de adaptação e quanto a empresa se empenha na integração de trabalhadores.
"Nós colocamo-nos nas mãos das empresas, esperamos ser conduzidos por elas, mas a verdade é que também é nossa responsabilidade cuidar de nós. É uma responsabilidade mútua." A afirmação é de Isabel Viegas, cofundadora da Associação dNovo, criada para fazer adaptação, busca e match entre necessidades de empresas e determinadas skills de pessoas com mais de 50 anos que, por uma ou outra razão, deixaram de estar no mercado de trabalho. "As empresas precisam de atrair pessoas novas, sem esquecer de cuidar os do meio e olhando também os mais velhos. E nós temos de pensar constantemente no que vamos/queremos fazer no nosso ciclo seguinte. Eu vou passar para part time aos 100", ri-se Isabel, para logo sublinhar as seriíssimas intenções.
"A mudança acontece e aceitá-la é fundamental, mas também é essencial planear o que virá, para não sermos apanhados de surpresa", concorda João Machado, presidente da Fundação AGEAS. Isabel e João foram os protagonistas de mais uma conversa improvável, moderada pelo maestro Martim Sousa Tavares, nas Beyond Profit Talks da Fundação Santander. Desta vez, a relação entre o talento e a idade esteve em palco, comprovando para lá de quaisquer dúvidas que a idade não é impedimento para coisa nenhuma desde que haja atitude, vontade e saúde (e esta muitas vezes decorre em grande medida das duas anteriores). "Com a atitude certa, minha e da empresa para comigo, é tudo mais fácil", lembra Isabel Viegas, sublinhando que é importante renovar quadros, mas é fundamental tratar bem as pessoas "à entrada como à saída".
E por vezes renovar não é sinónimo de simplesmente substituir; pode até ser muito útil às organizações manter a experiência por perto, assegurar que vai tendo inputs de cabeças grisalhas, ainda que seja em momentos específicos, definidos, parciais. "As empresas devem espelhar o mercado e precisam de ter a trabalhar pessoas que percebam os clientes. Por isso é tão importante a diversidade de género, de habilitações, de gostos e capacidades... e também de idades", conclui Isabel Viegas.
Numa conversa também feita entre gerações — Isabel, hoje Chief People Officer na Semapa, com o pelouro de Talento, e docente na Católica Lisbon School of Business & Economics, já passou os 60; João, ex-consultor e hoje presidente da Fundação Ageas, está nos 40, e Martim, maestro, ainda nos 30 —, a valorização profissional e da vida ativa foi central. "O primeiro país a implementar um sistema de pensões, ainda nos anos 50, foi Itália", lembrou João Machado, explicando que, à data, a esperança de vida se fixava nos 61 anos... e a reforma vinha apenas aos 62. Mas enquanto a esperança de vida cresceu exponencialmente — em Portugal, mais de 20 anos —, as condições de reforma e empregabilidade não acompanharam essa evolução. "Em Portugal, a idade de reforma se manteve quase inalterada, apesar do aumento na expectativa de vida e isso exige um planeamento cuidadoso, tanto por parte dos indivíduos quanto das instituições, para evitar surpresas e garantir uma transição sustentável", vincou o responsável, apontando o papel do investimento de impacto.
E o que é esse novo conceito-palavrão? "Usar competências do privado para a sociedade civil, para a comunidade, em cooperativas, etc, tudo isto é investimento de impacto. O que se pretende é trabalhar com projetos de inovação social comprovadamente bem sucedidos e que têm potencial de escalar, tornando-se financeiramente sustentáveis no futuro, de forma que se tornem independentes de fundações ou do Estado; porque se ficarem a dependência seja de quem for, não vão sobreviver." A razão? "As prestações sociais mais que duplicaram nos últimos anos. Não há riqueza suficiente que alimente isto."
João deixa um exemplo de como um investimento de impacto pode ser tão simples quanto os seus efeitos transformadores na comunidade: o Pedalar Sem Idade, movimento importado da Dinamarca, que consiste num trixó que voluntários pedalam para levar a passear velhinhos que estão em residências. A Fundação Ageas comprou os trixós, fez os programas de capacitação para gestão e deu à cabeça financiamento para se pôr a máquina a funcionar. E aos responsáveis pelo movimento cabe fazê-lo crescer e multiplicar-se pelos municípios, sem a preocupação financeira que teriam se tivessem de ocupar metade do seu tempo a procurar dinheiro ou a fazer reporting, como João diz que acontece à esmagadora maioria dos empreendedores sociais.
Proatividade sem idade
Mas voltando um pouco atrás: se a atitude tem de ser trabalhada quer do ponto de vista pessoal quer no das organizações, como é que isso se faz? Como é que se convence uma empresa de que continuamos a ser úteis e empregáveis, mesmo que já não queiramos ter um emprego, mas desejemos continuar ativos e a dar de nós? "Nós somos importantes se aportamos algo às empresas e nesse caso elas devolvem", responde Isabel Viegas. Se nos mantivermos alerta, atualizados e ativos, continuamos a ser uma mais-valia. E a verdade é que uma pessoa não deixe de ser capaz de um dia para o outro, só porque atingiu a idade da reforma. "Estou fui contratada para a Semapa aos 63 anos", vinca, a provar o ponto. Do lado das empresas, claro, está também a responsabilidade de continuar a capacitar as suas pessoas ao longo da sua vida intelectual.
E se às vezes é preciso convencer pessoas e organizações dessa utilidade, Isabel dá uma ajuda com a sua dNovo. Ali chega quem se viu fora do meio profissional já depois dos 50 e não consegue emprego; e a resposta pode ser muito mais simples do que parece, se por exemplo em lugar de procurar trabalho que já se fez se opte por valorizar capacidades específicas. Um gestor pode não encontrar emprego numa administração, mas ser muito útil como intérprete/tradutor de alemão. "A sociedade precisa de pessoas qualificadas e muitas organizações podem até pagar por competências específicas, como vendas, logística, comunicação, etc. E as pessoas podem reformar-se e tornar-se empreendedoras ou fazer algo diferente, totalmente novo, continuando saudáveis, felizes, entusiasmadas, ativas, úteis e motivadas."
Para isso, é preciso informar — explicar, por exemplo, que ter uma atividade não implica perder a reforma ou seus complementos — mas também saber lidar com quem ali chega deprimido e triste ou zangado. É para isso que a associação conta com 200 mentores cuja atividade começa por ser "positivar a atitude das pessoas"; só depois procuram as suas valências (em que é que são boas? Em que tiveram sucesso?) e vão então mapear setores onde essas competências podem ser interessantes. E por fim, ajudam a abrir portas, a chegar às pessoas certas, pondo a rede a funcionar. Com este trabalho, a dNovo já conseguiu impactar 500 profissionais. O nosso sucesso é medido pela quantidade de profissionais acima dos 50 anos que voltam a ter uma atividade remunerada, e conseguimos uma taxa de sucesso de 31% (a taxa nacional são 12%)", orgulha-se Isabel.
É esta a prova de que quem se mantém útil nunca se torna um peso, nunca desaparece? Para João, não há grandes dúvidas de que há uma chave para nos mantermos vivos: criar uma estrutura para os dias, criar redes de comunidades distintas para continuarmos a ter atividade social, preparar a transição, fazer exercício ou ter animais de companhia ajuda muito, mas se a isso se juntar a utilização das capacidades que se tem em prol da comunidade, a vida continua e com muito mais qualidade.
Veja aqui as anteriores Beyond Profit Talks, que já se debruçaram sobre temas como O Amor Como Critério de Gestão, A Educação Precisa de Inovação e O Poder das Artes na Sociedade.