
Saber o que leva alguém a matar um animal foi o ponto de partida para Eduardo Gonçalves iniciar uma longa investigação dentro do Safari Club Internacional, um grupo exclusivo de caça mundial.
Um trabalho de vários anos que permitiu ao antigo jornalista - agora ativista - lusobritânico criar uma lista onde estão os 25 maiores caçadores de troféus do mundo. Dezassete norte-americanos, três russos, dois espanhóis, dois mexicanos e um canadiano.
Os caçadores do top 3 são George Harms, Ben Seegmiller e Leon Munyan, todos norte-americanos. A estes juntam-se muitos mais, dentro e fora da organização.
"Ficam excitadíssimos quando matam um animal"
A caça de troféus caracteriza-se por estar mais associada a motivos desportivos e não à caça para servir de alimento. Em entrevista à SIC Notícias, Eduardo relata que os caçadores "ficam excitadíssimos quando matam um animal, de tal forma que só querem matar ainda mais animais".
“Há populações da África que são proibidas de caçar animais, mesmo em períodos de fome, mas os caçadores desportivos estrangeiros podem matar esses mesmos animais apenas pelo prazer.”
Depois de morto, parte do animal passa por um processo de taxidermia (técnica de preservação da pele) para que depois seja disposto numa coleção ou num local.
“O que acontece é que depois do animal ser morto, o caçador leva o corpo ou a cabeça e a pele para casa como uma lembrança daquelas férias. É como quando vamos a Paris ou a Londres e compramos uma t-shirt, eles não, eles levam o animal para casa”, argumenta Eduardo.
Esta atividade está envolta de grandes divergências. Por um lado, há quem defenda que contribui para a conservação das espécies e habitats, por outro há quem diga que esses benefícios são limitados e podem gerar conflito de interesses.
Para Eduardo, "é uma coisa absolutamente bárbara, sobretudo numa altura em que a grande maioria das espécies caçadas são animais ameaçados e alguns até estão em vias de extinção".
Caso Cecil
Uma das grandes polémicas a envolver a caça de troféus foi a morte de um leão no Zimbabué em 2015. O felino, chamado Cecil, era conhecido e monitorizado por investigadores. Foi atraído para fora do parque nacional onde se encontrava e abatido por um dentista norte-americano.
A morte do animal foi um dos principais motivos que levaram à criação do Ban Trophy Hunting (em português 'proíbam a caça de troféus'). A lista dos 25 maiores caçadores de troféus foi lançada este ano, altura em que se assinalam 10 anos da morte de Cecil.
O movimento começou no Reino Unido, três anos após a abate do leão, e já conta com diversos apoios, incluindo Ozzy e Sharon Osbourne, Judi Deuch e Ricky Gervais.
Um dos objetivos é conseguir que sejam tomadas medidas para proibir integralmente a caça. “Desde 2015, os caçadores de troféus mataram mais de 10 mil leões e neste momento existem apenas 20 mil leões em África.”
Eduardo Gonçalves infiltrou-se no Safari Club Internacional, uma organização composta por caçadores que diz ter como objetivos a “defesa da liberdade de caça” e a “promoção da conservação da vida selvagem sustentável em todo o mundo”.
"A nossa equipa é a única entre as organizações de direitos de caça que defende todos os caçadores de todas as espécies de todo o mundo, ao mesmo tempo que amplifica as vozes locais e apoia a gestão sustentável da vida selvagem", pode ler-se no site do Safari Club Internacional.
A maioria começa a caçar antes dos 10 anos
Depois do contacto com diversos caçadores, o ativista lusobritânico chegou à conclusão que normalmente são “homens de negócios, engenheiros, trabalhadores da construção civil” e até médicos que praticam esta atividade. Por norma, pertencem à classe alta, visto que os custos para praticar a caça desportiva são elevados, e começam bem cedo nestas andanças.
“A maioria dos caçadores que mataram já centenas de animais começaram antes de fazerem uns 10 anos, portanto, a partir dos oito ou nove anos já tinham uma espingarda e andavam a caçar muitas vezes com os pais ou com os avós.”
Há também portugueses, nota Eduardo Gonçalves: “Percebi também que não são apenas norte-americanos. Há também caçadores de troféus portugueses que andam todos os anos a matar leões em África. Alguns são animais criados em cativeiro, portanto estão completamente habituados às pessoas e são caçados, se assim podemos dizer, dentro do cercado grande.”
“Os dados oficiais das autoridades internacionais a que tive acesso mostram que os caçadores portugueses também matam chitas, elefantes, girafas, leopardos e uma série de outras espécies ameaçadas.”
Segundo os dados do CITIES (entidade internacional – Convention on International Trade in Endangered Species), a maioria das espécies importadas para território nacional nesse ano são provenientes do continente africano ou asiático.
Na lista estão animais como o elefante africano, a cabra montesa siberiana, o leopardo, zebra, leão, o babuíno-amarelo e hipopótamos.
"Uma pessoa pode comprar um pacote de 10 animais, mas paga só oito”
Os resultados da investigação estão, agora, compilados em três livros. Num deles, designado “Shoot 1 Lion Get 1 FREE" (em português 'mate um leão, receba um grátis'), Eduardo Gonçalves fala um pouco do contexto nacional, mencionando nomes de alguns caçadores (portugueses e estrangeiros a viver em Portugal).
A SIC tentou contactar uma das pessoas citadas, mas não obteve resposta até ao fecho desta reportagem.
Ao longo da investigação, descobriu que há empresas que vendem “férias de caça” onde toda a família se pode envolver nesta atividade. O ativista explica que antes de viajarem, estes turistas-caçadores compram o direto de matar o animal e nessa altura podem “escolher entre centenas de espécies diferentes”.
“ Q ualquer pessoa pode comprar um animal, um leão, uma chita, um urso polar, na Internet para caçar. ”
O preço do animal vai depender de diversos fatores e há empresas que até fazem pacotes de promoção. “Uma pessoa pode comprar um pacote de 10 animais, mas paga só oito”, explica. "Aliás, um dos meus livros [o citado] foi uma oferta que me foi feita por uma empresa que disse 'olhe, vendemos dois leões, mas só paga um'".
Uma pesquisa na internet permite descobrir locais onde isso acontece. Em Portugal, estas quintas e herdades estão localizadas principalmente na zona de Castelo Branco.
Como funciona a lei em Portugal?
Em Portugal, os dados mais recentes das estatísticas agrícolas do INE, referentes a 2023, mostram que foram emitidas 112.285 licenças na época de caça, menos 3% do que no ano anterior.
De acordo com a legislação,para exercer esta atividade em Portugal é necessário ter mais de 16 anos e ter carta de caçador. Em casos em que o detentor é menor de idade, precisa também de uma autorização escrita de uma pessoa que legalmente o represente.
Estas licenças estão sujeitas a validade temporal e territorial e podem ser estabelecidas para diferentes “meios, processos e espécies cinegéticas”.
A lei proíbe a captura ou destruição de “ninhos, covas e luras, ovos e crias de qualquer espécie”. Os caçadores estão proibidos de “ultrapassar as limitações e quantitativos de captura estabelecidos” e não podem caçar “espécies não cinegéticas”, ou mesmo que sejam cinegéticas “não constem das listas de espécies que podem ser objeto de caça ou fora dos respetivos períodos”.
Relativamente às regras para a caça, estão igualmente proibidos de caçar em locais de incêndio, pelo menos nos 30 dias seguintes, em terrenos cobertos de neve ou em situações de inundações, exceto nos casos previstos em regulamento.
Não podem, por fim, “abandonar os animais que auxiliam e acompanham o caçador no exercício da caça”.