
A futurista Erica Orange considera, em entrevista à Lusa, que o ataque à verdade será um dos maiores desafios existenciais e que é preciso fazer as perguntas que o futuro exigirá e não depender excessivamente da tecnologia.
Erica Orange, que é vice-presidente executiva e diretora de operações da The Future Hunters, uma das principais empresas de consultoria futurista do mundo, é uma das oradoras do 34.º congresso da APDC, que arranca na terça-feira em Lisboa com o mote 'Business & Science Working Together' [Negócio & Ciência a Trabalhar Juntos].
Questionada como define os tempos que se vivem, com o acelerado desenvolvimento da IA, guerras e disseminação da desinformação, Erica Orange contextualiza com um termo criado na empresa onde trabalha de 'templosion' ['templosão'], que é "basicamente a implosão do tempo".
E explica: "Grandes coisas estão a acontecer em períodos de tempo cada vez mais curtos e as escalas de tempo estão a ser encurtadas".
Anteriormente, as "coisas costumavam acontecer em questão de décadas e agora isso está a acontecer em anos truncados em meses e, em alguns casos, semanas. E o que vemos é esse salto de mudança. Vemos isso quando se trata de inteligência artificial, vemos isso até mesmo quando acontece com o encurtamento de gerações", exemplifica.
De acordo com a especialista, que foi nomeada em 2020 pela Forbes uma das 'top50' mulheres futuristas do mundo, assiste-se a uma compressão e, ao mesmo temo, a um abismo a crescer.
"É como se fossem duas grandes cadeias de montanhas muito distantes uma da outra e estamos a alternar entre essa taxa exponencial de mudança tecnológica e nossa capacidade de nos adaptar e ajustar a ela", ilustra.
"E aí que grande parte da confusão e, acredito, muito do medo generalizado está a ser cultivado, porque os nossos cérebros não conseguem acompanhar, (...) a nossa biologia não consegue acompanhar todos estes avanços exponenciais com a rapidez suficiente", aponta.
Em seguida, adiciona-se "'à mistura' a confiança e a verdade disso (...), que é o aumento desenfreado" de informações incorretas, distorcidas e de má qualidade", em suma, "'fake news'", diz, acrescentando ainda a "informação derivada digital" (gerados por sistemas digitais).
De facto, a tecnologia atual, "especificamente as 'deepfakes' assentes em IA, está a fazer com que vivamos num ambiente onde é mais difícil diferenciar" o que é real, falso ou verdadeiro e está a ficar "difícil provar qualquer uma" destas realidades, prossegue.
Isto "sabendo que 84% das pessoas acreditam no que a IA generativa quer que eles acreditem".
Portanto, "há muitos efeitos cascata em toda a indústria quando temos a combinação de deterioração da verdade e da confiança", mas "existem algumas soluções tecnológicas".
Questionada sobre o que é possível fazer para reduzir o impacto disso, a especialista aponta que a solução maior, mais abrangente e crítica depende de todos os humanos.
Ou seja, "de treinarmos os nossos próprios olhos e cérebros para não apenas pensar criticamente, mas questionar cada coisa que vemos, encontramos, lemos e ouvimos" para descortinar, "através das lentes do pensamento crítico", se o que é dito é baseado numa verdade ou falsidade, afirma.
"Sem querer dar um tom muito sombrio a isso, realmente acredito que (...) o ataque à verdade será um dos maiores desafios existenciais do nosso tempo", considera Erica Orange.
Por isso, "é um imperativo, e sinto isso como futurista, mas também como mãe [o filho tem oito anos]", diz.
"Penso muito através da perspetiva da geração dele e do que teremos de cultivar do ponto de vista educacional nas gerações mais jovens, porque elas viverão num mundo onde o artificial e o biológico estarão interligados", sublinha.
Muito disso resume-se a "questionar e fazer as perguntas que o futuro exigirá e a não depender excessivamente da tecnologia, apesar da rapidez com que evolui e, além do pensamento crítico, colocaria o julgamento humano e a supervisão humana como duas outras peças realmente importantes deste 'puzzle'", conclui.