"Como, para nós, nem tudo na vida é dinheiro e posições, em respeito à dor de milhares de moçambicanos que pagaram com seu sangue, membros mutilados, sequestros, execuções sumárias e extrajudiciais ou ainda privação de liberdade, renunciamos [a] todos os direitos e prerrogativas a favor do partido Podemos", lê-se num documento do autointitulado "Gabinete do Presidente Eleito pelo Povo", assinado por Dinis Tivane, assessor de Mondlane.

O Povo Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), partido registado em maio de 2019 e composto por dissidentes da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), viu a sua popularidade aumentar desde o anúncio, a 21 de agosto de 2024, do apoio à candidatura de Mondlane nas presidenciais.

O "acordo político" aconteceu pouco tempo depois de Mondlane ter a sua coligação (CAD) rejeitada pelo Conselho Constitucional por "irregularidades".

Nas eleições de 09 de outubro, o Podemos tornou-se o maior partido da oposição em Moçambique, com 43 assentos no atual parlamento, tirando um estatuto que era da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), desde as primeiras eleições multipartidárias, em 1994.

Na nota assinada pelo assessor de Mondlane, o Podemos volta a ser acusado de ter "vendido a luta do povo", sobretudo devido à "tomada de posse no parlamento madrugadora [prematura]", um processo que foi boicotado, no dia da investidura, pelos outros partidos da oposição que também rejeitavam os resultados eleitorais, a Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), mas que tomaram posse mais tarde.

"Como se viu e foi testemunhado por todos, o partido Podemos, contra a vontade do povo e de forma madrugadora, correu para tomar posse na Assembleia da República. Urge clarificar que a nossa luta política é, fundamentalmente, pela salvação de Moçambique, não estando em causa o alcance obsessivo de bens materiais ou qualquer vantagem financeira com base no martírio do povo", lê-se no documento.

No documento, o Podemos é acusado de adulterar o acordo político que existia entre as duas partes e critica-se o facto de o partido integrar a mesa de diálogo para o fim da crise pós-eleitoral que está a ser promovida pelo Presidente da República, Daniel Chapo, sem apresentar ao público "uma agenda concreta ou propor termos de referência".

"O partido Podemos embalou-se para um 'suposto' diálogo onde até aqui se desconhece a quem vai beneficiar, ou será, como sempre, as elites políticas a distribuírem, entre si, mordomias, benesses e privilégios infindáveis. Dito de forma simples: está em marcha a velha tática de acomodação sob a máscara de 'inclusão'", acrescenta.

Contactado pela Lusa, o porta-voz do Podemos, Duclésio Chico, disse que o partido não reconhece o documento distribuído hoje, justificando que o acordo foi assinado especificamente com Venâncio Mondlane e não com Dinis Tivane.

"O acordo não tem mais validade neste momento porque Venâncio Mondlane violou a cláusula da confidencialidade, mas nós ainda procuramos amparar este acordo. Entretanto, ele voltou a quebrar o mesmo, insultando e desrespeitando o nosso presidente", declarou.

O Podemos é fruto de uma dissidência de antigos membros da Frelimo, que pediam mais "inclusão económica", tendo abandonado o partido no poder, na altura, alegando "desencanto" e diferentes ambições.

No novo parlamento, dos 250 assentos, o Podemos tem 43, a Renamo 28 e o MDM oito, tendo a Frelimo, no poder desde a independência, a maioria parlamentar, com 171 deputados.

Moçambique vive desde 21 de outubro um clima de forte agitação social, protestos, manifestações e paralisações, convocadas por Mondlane, com confrontos violentos entre a polícia e os manifestantes, que provocaram pelo menos 315 mortos, incluindo cerca de duas dezenas de menores, e cerca de 750 pessoas baleadas, de acordo com a plataforma eleitoral Decide, organização não-governamental que acompanha os processos eleitorais.

EAC // MLL

Lusa/Fim