Foi um engenheiro da Kodak que inventou a máquina fotográfica digital. Ele imaginou como as fotografias podiam ser algo diferente. Mas a empresa descartou a sua ideia, os executivos não tiveram capacidade de ver esse futuro que ele lhes apresentava e a gestão desvalorizou a evolução. "E todos sabemos o que aconteceu à Kodak: faliu." O episódio bem real, levado por Miguel Poiares Maduro ao palco do Auditório Santander, em Lisboa, é ilustrativo quanto baste sobre o poder da inovação para uma organização empresarial — e o custo de não a considerar na gestão de um negócio.
Em mais um encontro Beyond Profit Talks, by Fundação Santander, com o apoio do SAPO, o professor e antigo ministro do Desenvolvimento Regional focou-se também no risco que acompanha a inovação, mas vincou: "Não inovar é o maior risco que se pode assumir." Uma opinião partilhada por Paula Amorim, com quem dividiu o palco: "Só consigo conceber empreendedorismo com risco; correr riscos faz parte do core de qualquer verdadeiro empresário", resumiu a CEO da Galp e fundadora da Amorim Luxury, braço de novos negócios de luxo do grupo liderado pelo pai, Américo Amorim, até 2017.
Numa conversa com muito alimento para pensar, moderada pelo maestro Martim Sousa Tavares, Poiares Maduro deixou outros exemplos de como a criatividade funciona como rampa de lançamento para os negócios, desde logo porque ela "muda o consumo, antecipando vontades". E ainda que implique algum risco — naturalmente ponderado, ou é apenas inconsciência — e isso traga dificuldades de financiamento, a criatividade deve ser incentivada. O que, pelo seu ADN mais avesso a assumir novos caminhos e menos disponível para desculpar falhanços, a Europa nem sempre consegue fazer. "Há uma razão para as tecnológicas, os unicórnios e tudo isso explodirem nos EUA; é que o acesso a financiamento no mercado norte-americano é muito mais fácil do que na Europa, ainda que a União Europeia tenha feito caminho, inclusivamente criando programas para o facilitar, sob a liderança agora da competentíssima comissária portuguesa Maria Luís Albuquerque", lembrou.
"Claro que inovar é difícil, muitas vezes não basta querer fazer bem e ter competência — o momento pode não ser o ideal, o local ou a forma podem ter falhas... o risco associado à criatividade é enorme. Mas criar uma cultura de inovação é fundamental", defende Miguel Poiares Maduro. Paula Amorim identifica-se plenamente com a afirmação, dizendo-se uma inovadora por natureza. E tem dificuldade em entender como um povo que promoveu os Descobrimentos, que levava a aventura e a coragem no sangue, perdeu essas características. "E comecei a trabalhar no grupo da família aos 19 anos e nessa altura a cultura de risco que se via em Portugal era muito maior", recorda, exemplificando com as inúmeras iniciativas de reprivatização em que a Amorim esteve presente, da banca (BCP) às telecom (Vodafone), passando pelo turismo e até pelas áreas mais tradicionais do grupo, como a cortiça, com a empresa a liderar até hoje na diversidade de negócios. E aponta a "cultura de conforto promovida pelo Estado social" como um dos motivos possíveis para essa perda.
"Portugal vai-se mantendo na cadeia de valor da inovação, até porque tem capacidades técnicas, excelentes competências e recursos humanos, mas nunca é pivô da transformação", lamenta a empresária que deu vida a toda uma nova área de negócios no grupo que leva o nome da família, desenvolvido no mercado do luxo, da moda ao turismo, sempre através de produtos e serviços que rompem com o que já aqui existia. "Eu tenho em mim muito a cultura do risco", confessou. "Estou numa estrutura familiar e podia ter ficado confortável, mas aos 34 anos decidi correr os meus riscos, dando como colateral as minhas ações na holding. Obviamente tive apoio financeiro, mas podia perder tudo, podia correr mal, mas tinha vontade e coragem de dar esses passos e sentia-me capaz", contou, explicando que abraçar o risco também a transformou, nos bons momentos e nos menos bons, como a pandemia, em que foi forçada a repensar, focar investimentos e prescindir de alguns negócios.
E é possível, por decreto, conduzir o país a uma cultura de risco? É possível um governo tomar medidas que empurrem pessoas e organizações para esse caminho? A resposta curta de Poiares Maduro é "não, não se produz toda uma cultura de risco". Mas há algo que pode ser feito: "O Estado não deve ser um obstáculo e deve criar incentivos que favoreçam a inovação." E se a inibição é difícil de alterar culturalmente, se temos tendência a desconfiar uns dos outros, o que nos retira autonomia nas decisões (porque preferimos não ser responsabilizados se algo correr mal) alguns passos podem ajudar, como trabalhar para reduzir o estigma do falhanço. "Quando eu estava na Gulbenkian, fizemos um estudo para perceber porque somos tão avessos ao risco e ao perguntar sobre as mais importantes qualidades a ensinar às crianças a imaginação era a penúltima em 11 possíveis, só à frente dos valores religiosos. Por outro lado, alguém que não faz nada ara mudar ou melhorar as coisas, que fica sossegada no seu canto a repetir o que outros antes sempre fizeram, não tem 'castigo', mas se fizer diferente e falhar é crucificada. É isso que o Estado pode influenciar para a mudança: criar políticas que valorizem e premeiem o risco e punam a inércia."
Mais meritocracia traz mais inovação. Incentivos positivos, portanto, a começar pela Administração Pública, premiando quem demonstra autonomia de decisão. E dá o exemplo (sem o nomear) do caso Sócrates: "Um processo com 1200 testemunhas e Itália é uma coisa impossível. O juiz diria imediatamente que apenas aceitaria determinado número ou impediria que os recursos fossem usados em forma de abuso de norma, apenas ara provocar atraso. Cá, essa lei existe mas so agora, ao fim de uma década, foi invocada por um juiz. "Em Portugal, há medo de decidir", conclui Poiares Maduro.
Ser pivô na inovação e criar marca
Em mais uma conversa improvável sob o chapéu das Beyond Profit Talks, by Fundação Santander, Paula Amorim lembrou ainda que a criatividade também se aprende. E se a nossa indústria têxtil e o calçado são valorizados ao ponto de serem procurados pelas melhores marcas internacionais, está na altura de apostar na criação de marca. "Portugal tem têxteis a produzir para os grandes conglomerados e marcas de luxo tem capacidade de fazer em volume e qualidade, mas continua a não ter uma grande marca de roupa ou de sapatos. Mas podia aprender com aqueles que nos contratam a ganhar essa veia criativa. E depois há eventos como a ModaLisboa e o Portugal Fashion que têm apoios públicos anuais há décadas sem produzirem qualquer resultado! Porquê? Dá ideia que é para alimentar algumas pessoas e fazer um evento social. Isto não faz sentido", conclui a empresária, vendo melhor utilidade em canalizar esses apoios para outras áreas e em ligar os apoios a resultados conseguidos, algo que também o ex-governante há muito defende. Caso contrário, diz Paula Amorim, vamos estar sempre a "empobrecer alegremente".
Elogiando o trabalho que é feito por artesãos portugueses, a empresária acredita que essa poderia ser uma área em que o país podia ganhar vantagem, sabendo valorizar os seus produtos tradicionais numa altura em que tantos estrangeiros connosco têm contacto. "Portugal é muito sexy", mas precisa de aprender a antecipar fenómenos e valorizar o que tem de característico. Poiares Maduro resume a ideia num pensamento: "Mesmo a Vista Alegre, que é uma grande marca até internacionalmente, vende as suas peças por valor muito superior sempre que se associa um designer internacional."
Como continuar "empregável", mesmo que não se queira um emprego? Nenhuma empresa vive só do tempo da formiga. Um país que quer um futuro tem de ensinar os miúdos a procurar respostas. Gerir para a comunidade: amor e uma cabana... e dinheiro para gastos. Recorde todas as conversas Beyond Profit, by Fundação Santander, aqui no SAPO.