A antropóloga e ativista dos direitos humanos Rita Cássia Silva escreveu uma carta aberta ao Presidente da República e outras entidades sobre casos recentes de crianças retiradas às famílias e institucionalizadas, alertando para eventuais casos de xenofobia.

Na carta aberta, disponível no site 'afrolink', Rita Cássia Silva escreve a Marcelo Rebelo de Sousa, à comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a todas as entidades responsáveis pelas áreas da Justiça, Educação, Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, e proteção das crianças, bem como à Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial para manifestar "preocupação e indignação".

Em causa está o caso de um casal brasileiro, residente em São Pedro do Sul, Viseu, a quem foram retirados dois filhos, de 6 e 8 anos, que foram entregues a uma família de acolhimento, depois de uma denúncia por parte da escola que as crianças frequentavam.

A este soma-se o caso de uma mulher de nacionalidade são-tomense residente em Loures que ficou sem casa apesar de grávida e com outros três filhos a cargo, e a quem terá sido dito, por parte de assistentes sociais, que poderia perder a guarda das crianças se não encontrasse uma solução habitacional permanente.

A antropóloga e ativista alerta para o facto de, neste caso, a câmara de Loures não ter realojado a mulher, apesar de existirem, segundo o Censos 2021, "mais de 9.000 casas vazias", e de isso ser "violência institucional patrimonial e também psicológica", além de a autarquia "não demonstra[r] ter uma responsabilidade social efetiva nas vidas das pessoas".

Relativamente ao casal brasileiro, Rita Cássia Silva refere que os pais não foram informados de que os filhos seriam entregues a uma família de acolhimento e de a denúncia da escola ter sido feita por uma professora ter considerado, em determinada altura, que a criança mais nova "demonstrava estar cansada".

"Tendo em consideração que crianças são seres humanos em pleno desenvolvimento, e que têm as suas particularidades comportamentais, que deveriam ser devidamente respeitadas, principalmente em muitas das escolas portuguesas, onde crianças imigrantes e/ou filhas de pessoas com percursos de migração, crianças com NEE (necessidades educacionais especiais) e crianças com deficiência têm vindo a ser maltratadas, discriminadas e negligenciadas por parte de profissionais da educação, reflito se esta criança não estaria a ser discriminada pelo facto dos seus pais serem tatuadores e terem a nacionalidade brasileira", questiona.

"Reflito que se não havia maus-tratos familiares contra as crianças, certamente as crianças vivenciaram e estão ainda a vivenciar o trauma de estarem a ser privadas das suas principais referências afetivas sem que compreendam o porquê de tal acontecimento", escreve na carta aberta, perguntando se "este tipo de procedimento não coloca as crianças em perigo psicologicamente".

A antropóloga defende que estas situações sejam "devidamente investigadas" pelas entidades competentes em Portugal e acompanhadas pelas autoridades brasileiras, apontando que "as famílias não podem ser discriminadas institucionalmente em situações que envolvem a necessidade de criação de estratégias e entendimento mútuo em prol do bem-estar de crianças e jovens".

Defende, por outro lado que "os problemas de vulnerabilidades sociais, como violência doméstica, falta de recursos financeiros, falta de rede de apoio familiar, desemprego, falta de habitação, não podem ser critérios para haver separações familiares institucionalmente".

"Tais problemáticas devem ser resolvidas através da implementação de políticas públicas que possam potencializar o fortalecimento das mulheres e famílias, para que as crianças não tenham de enfrentar o aprofundamento da vivência da pobreza material", defende antropóloga.

Alerta ainda para o facto de o Estado português pagar entre 1.100 euros e 3.300 euros mensais por cada criança/jovem institucionalizado e sugere que seja criado um fundo nacional de apoio às mulheres e crianças, através do qual aqueles valores seriam atribuídos às famílias.