
Desde o 7 de Outubro que Israel decidiu não dar a menor chance aos seus inimigos. Se queriam guerra, e o que o ataque terrorista 2023 quis foi isso mesmo, não teriam paz. Para além de Gaza, a quase destruição do Hezbollah integra-se nessa estratégia. O Irão teria de vir a seguir.
Donald Trump tanto tratou Israel e Nethanyau bem como os ignorou na sua viagem à região. Mais do que isso, o presidente que diz “I don’t trust anybody”, obviamente não é confiado por ninguém. O presidente que enxovalhou Zelensky pode destratar quem mais quiser quando lhe aprouver e à estratégia que em determinado momento tenha. Se ameaça invadir aliados militares com papel passado (a Gronelândia), o que não poderá fazer se mudar de interesses no Médio Oriente? Terá sido tudo isso que entrou nos cálculos de Israel que levaram a atacar o Irão sem pedir autorização a Washington.
A caminho de novas negociações entre os Estados Unidos da América e o Irão, Israel resolveu fazer o que já tinha feito no passado, mas desta vez com maior eficiência. Faltavam, porém, as instalações nucleares. E isso só os americanos podiam fazer. Foi o que Trump decidiu fazer. As alternativas eram poucas. Se fosse evidente que Isarel tinha feito o que fez contra, ou pelo menos apesar, da vontade americana, que garantias de segurança poderia Washington dar a Teerão em negociações? Decidiu mostrar que os ataques israelitas não eram desalinhados nem contrários aos Estados Unidos. E que se uns parassem, os outros parariam também. Ao mesmo tempo, Trump terá dito o Irão de que não pretende alterar o regime nem sequer, Deus o livre, promover a democratização. Ou não.
O Irão acredita saber os limites de Trump. E sabe os seus. E, ao contrário do que muitos acreditavam, teve menos amigos do que talvez esperasse.
A China e a Rússia protestaram e sinalizaram que o ataque americano ao Irão era um erro e estava em desacordo com o Direito internacional. Mas nem um nem outro deu a entender estar genuinamente disposto a atravessar-se ou aos seus interesses pelo programa nuclear iraniano ou pela fortaleza do regime dos Ayatollahs. Os países da região, por razões óbvias, menos ainda. Embora seja certo que não se importam com as misérias do regime iraniano, não é certo que Riade, o Cairo, Amã ou qualquer outra capital da região aprecie a ideia de um Estado de Israel vencedor regional incontestado. A tese de que os inimigos dos meus inimigos meus amigos são não é para ser levada demasiado à letra.
E agora? A vitória de uma solução militar sobre uma via diplomática tem virtudes e defeitos, do ponto de vista da ordem internacional. Por um lado, a probabilidade de o programa nuclear iraniano ter sido seriamente atrasado é maior do que a que resultaria de soluções diplomáticas. Isso é um factor de segurança regional e global que muitos apreciarão, mesmo os que não o digam. Mas a ausência de um respaldo legal, mesmo que vago, ou de uma coligação internacional, mostra que os EUA não têm aliados, alianças ou instituições de que dependam ou que os limitem ou façam reconsiderar.
Há ainda outra questão. Se fosse assim tão fácil, uns aviões, uns pares de bombas, umas interjeições das potências e de alguns líderes mundiais e já está, certamente que outros o teriam feito antes. Claro que agora o estrago no programa nuclear poderá ter sido mais pesado. E que a circunstância regional do Irão está enfraquecida. Israel dificilmente poderia ter feito mais para limitar a capacidade de resposta do Irão e dos terroristas seus aliados. Mas mesmo assim, isso não significa que o Irão não pode provocar problemas. E que vai deixar a potencial oposição interna sossegada, já agora.
Apesar de quase tudo o que se diga nesta fase poder ter de ser provisório, parece haver algumas conclusões. Para começar, os CRICs (China, Rússia, Irão e Coreia do Norte) podem ter uma visão das cosias comum, mas não são uma aliança nem um eixo. O que não quer dizer que não sejam todos um problema. Vários, aliás.
Num mundo em que não seja preciso sequer fazer de conta que se cumprem regras, ganha quem tenha mais força, mais disponibilidade e mais determinação. Pelo menos ganha no imediato. Isso pode fazer a Rússia e a China acreditarem que se pode tentar uma espécie de Tordesilhas com Washington. Em Taiwan e em Kiev haverá certamente quem esteja justificadamente preocupado.
E a Europa? Os do costume, os que acham que a Europa deveria ser uma ONG com força e os que acham que a Europa não deve ter poder nenhum porque o poder deve ser dos Estados mas gostam de mostrar que não tem, dirão que se provou que a Europa não é tida nem achada nas grandes questões do mundo. Como Moscovo e Pequim provavelmente também não foram.
Num mundo mais de força do que de regras, de armas do que de diplomacia, o equilíbrio de forças é o que é. E mesmo quem esteja satisfeito, e certamente mais seguro, com um Irão menos capaz nuclearmente, não pode garantir que a próxima aplicação das mesmas regras do jogo não seja contra os seus interesses. Os nossos. A má notícia, mesmo para quem tenha visto aqui uma boa notícia, é esta. A boa notícia, mesmo para quem tenha considerado que esta é uma má, é que isto só não será pior porque o Irão não é, ainda, uma potência nuclear. Neste momento poderá pensar que não ser sai caro. Mas tentar ser também.