A série japonesa "Shogun", que inclui personagens portuguesas, venceu os maiores prémios de televisão da 82ª cerimónia dos Globos de Ouro, entregues no domingo, no hotel Beverly Hilton em Los Angeles. A série da FX dominou a categoria de drama e levou quatro estatuetas para casa: Melhor Série, Melhor Atriz para Anna Sawai, Melhor Ator para Hiroyuki Sanada e Melhor Ator Secundário para Tadanobu Asano.

"Nada desta série foi algo esperado", confessou o cocriador Justin Marks, ao aceitar a estatueta de Melhor Série dramática do ano. "Foi construída em cima das costas de muitos 'sins' destemidos que recebemos ao longo dos anos", continuou.

Michaela Clavell, Tadanobu Asano, Anna Sawai, Hiroyuki Sanada e Edward McDonnell venceram o prémio de Melhor Série de Televisão - Drama por
Michaela Clavell, Tadanobu Asano, Anna Sawai, Hiroyuki Sanada e Edward McDonnell venceram o prémio de Melhor Série de Televisão - Drama por Gilbert Flores/GG2025

"É uma série a que vocês nunca deviam ter dito sim", gracejou, dirigindo-se aos patrões da Disney. "É um milagre que toda a gente ainda tenha um emprego". Retrato ficcional sobre o Japão do século XVI, "Shogun" tem no elenco o português Joaquim de Almeida e o luso-canadiano Louis Ferreira. Já tinha triunfado nos Emmys em setembro.

"Estou tão feliz por estar aqui com estes grandes nomeados", exclamou o ator Hiroyuki Sanada, que usou o discurso de agradecimento para deixar uma mensagem inspiradora. "Aos jovens atores e criadores no mundo, sejam vocês mesmos, acreditem em vós próprios e nunca desistam".

Outra vencedora da noite foi a série "Baby Reindeer", da Netflix, considerada a Melhor Minissérie do ano. "Isto é de loucos", disse Richard Gadd, que escreveu e protagonizou a série com base em factos verídicos que lhe aconteceram. "A forma como vocês abraçaram esta série significa tudo para mim".

Gadd deixou uma mensagem para os executivos da televisão, considerando que muitas vezes histórias sombrias e difíceis são rejeitadas porque há um equívoco sobre o que a audiência quer.

Richard Gadd vence na categoria de Melhor Série Antológica ou Filme para Televisão por
Richard Gadd vence na categoria de Melhor Série Antológica ou Filme para Televisão por Rich Polk/GG2025/Penske Media via Getty Images

"Há algum tempo que há esta crença na televisão que histórias sombrias não vendem", afirmou. "Nós precisamos de histórias que se liguem à natureza complicada dos nossos tempos", continuou. "Lembrem-se de guardar algum dinheiro para que o pequeno criador conte a sua história".

"Baby Reindeer" também deu a Jessica Gunning o globo de Melhor Atriz Secundária em televisão. A britânica contou uma história de infância para ilustrar quão surreal o último ano tem sido devido ao sucesso do trabalho na Netflix. "Não consigo acreditar que isto está a acontecer-me", exclamou. "Baby Reindeer mudou a minha vida".

Ainda em minissérie, foi Jodie Foster que levou o galardão de Melhor Atriz, pela interpretação da detetive Liz Denvers em "True Detective: Night Country". A veterana agradeceu ao povo indígena Iñupiaq, que habita as terras do Alasca há milhares de anos, por ter partilhado as suas histórias com ela.

Nessa categoria, Colin Farrel agarrou a estatueta de Melhor Ator, pela interpretação na série da HBO Max "The Penguin".

(Da esquerda para a direita) Adam Bricker, Jen Statsky, Jean Smart, Hannah Einbinder, Lucia Aniello e Paul W. Downs, vencedores do prémio de Melhor Série de Televisão - Musical ou Comédia por “Hacks”, posam na sala de imprensa durante a 82.ª edição dos Globos de Ouro, a 5 de janeiro de 2025, em Beverly Hills, Califórnia
(Da esquerda para a direita) Adam Bricker, Jen Statsky, Jean Smart, Hannah Einbinder, Lucia Aniello e Paul W. Downs, vencedores do prémio de Melhor Série de Televisão - Musical ou Comédia por “Hacks”, posam na sala de imprensa durante a 82.ª edição dos Globos de Ouro, a 5 de janeiro de 2025, em Beverly Hills, Califórnia CBS Photo Archive

Em comédia, "Hacks" ultrapassou toda a concorrência. Foi a Melhor Série e voltou a dar a Jean Smart o globo de ouro de Melhor Atriz.

"Nunca pensei que ficaria tão contente por ser chamada de 'hack'", gracejou Smart, referindo-se ao título da série e à expressão pejorativa que indica mediocridade. "Estamos a meio da quarta temporada e ainda a divertir-nos imenso", partilhou.

Já o Melhor Ator em comédia foi Jeremy Allen White, por "The Bear", sendo que o ator não compareceu na cerimónia.

A comediante Ali Wong recebeu o globo por ter tido o melhor especial de comédia 'stand-up', com "Ali Wong: Single Lady" na Netflix.

"O Brutalista" e "Emilia Pérez" são os filmes do ano nos prémios Globos de Ouro

A primeira grande cerimónia de prémios do ano, os Globos de Ouro, distinguiu "O Brutalista", de Brady Corbet, e "Emilia Pérez", de Jacques Audiard, como os melhores filmes do ano, entregando várias estatuetas a ambos. "O Brutalista" foi o Melhor Filme Dramático e também deu a Brady Corbet o globo de Melhor Realização, com o protagonista Adrien Brody a vencer o prémio de Melhor Ator na categoria de drama.

"No centro de 'O Brutalista' está uma história sobre a capacidade humana para a criação", afirmou Brody, que interpreta o arquiteto húngaro László Tóth na sua fuga para os Estados Unidos após a II Guerra Mundial. Ele próprio filho de uma húngara que fugiu da Europa pós-guerra, Brody mostrou-se muito emocionado pela vitória, dizendo que deve muito à mãe e aos avós pelo sacrifício que fizeram. "Espero que este trabalho possa elevar-vos e dar-vos uma voz", afirmou.

O realizador Brady Corbet, que subiu duas vezes ao palco do Beverly Hilton, onde os prémios foram entregues, disse que ganhar tinha muito significado para um filme que até há poucos meses tinha tudo contra ele.

"O Brutalista" demorou mais de sete anos a ser feito e foi com a A24 e Warner Bros. que se tornou um dos títulos mais cotados do ano. "Obrigado a todos os que apostaram neste filme quando estava a desmoronar-se", agradeceu Corbet. O cineasta usou a segunda ida a palco para dizer que tem de ser o realizador a ter a palavra final na edição.

"Disseram-me que este filme era impossível de distribuir, que ninguém ia vê-lo, que não ia funcionar", lembrou Corbet, sobre a longa-metragem. "Os filmes não existem sem os cineastas, vamos apoiá-los", urgiu. "Ninguém pediu um filme de três horas e meia sobre um designer de meio do século, mas funciona".

O outro grande vencedor da 82ª cerimónia dos Globos de Ouro foi o filme do francês Jacques Audiard "Emilia Pérez", um musical sobretudo falado em espanhol.

Protagonizado pela atriz transgénero Karla Sofía Gascón, Zoe Saldaña e Selena Gomez, levou para casa quatro globos de ouro: Melhor Filme Musical ou Comédia, Melhor Filme em Língua Estrangeira, Melhor Atriz Secundária em filme para Zoe Saldaña e Melhor Canção Original, "El Mal".

"Obrigada por celebrarem o nosso filme e honrarem as mulheres de 'Emilia Pérez'", disse a atriz Zoe Saldaña, que chorou abertamente no discurso de aceitação. "Karla, mais ninguém teria podido interpretar Emilia. És única", disse, olhando para a atriz. Na estatueta final, Jacques Godiard deu o palco a Karla Sofía Gáscon, que aproveitou o momento para deixar uma mensagem ao mundo sobre a comunidade transgénero.

"A luz ganha sempre à escuridão. Podem prender-nos, bater-nos, mas nunca podem roubar a nossa alma, a nossa existência, a nossa identidade", afirmou a atriz. "Levantem as vossas vozes e digam: sou o que sou, não o que tu queres", acrescentou.

Demi Moore posa com o seu prémio durante o evento Moët & Chandon na 82.ª edição dos Globos de Ouro, realizado no The Beverly Hilton, a 5 de janeiro de 2025, em Beverly Hills, Califórnia
Demi Moore posa com o seu prémio durante o evento Moët & Chandon na 82.ª edição dos Globos de Ouro, realizado no The Beverly Hilton, a 5 de janeiro de 2025, em Beverly Hills, Califórnia Michael Kovac

Um Globo de Ouro para Fernanda Torres

Fernanda Torres fez história esta noite ao ser a primeira brasileira a vencer o Globo de Ouro de Melhor Atriz na categoria mais cobiçada, a de filme dramático, ultrapassando veteranas como Nicole Kidman, Angelina Jolie e Kate Winslet.

Gascón estava nomeada na categoria de Melhor Atriz em filme musical ou comédia, mas perdeu para Demi Moore, que fez um dos discursos mais longos e emotivos da noite. "Estou em choque", disse a veterana. "Faço isto há 45 anos e esta é a primeira vez que recebo alguma coisa como atriz", sublinhou.

Moore interpreta Elisabeth Sparkle em "A Substância", que tem um dos argumentos considerados mais inesperados do ano. A atriz, com 62 anos, aceitou este papel numa altura em que estava praticamente a desistir da carreira.

"Há 30 anos, um produtor disse-me que eu era uma atriz de pipocas", revelou Moore. "Percebi isso como significando que isto era algo que eu não podia ter, que podia fazer filmes de sucesso e muito dinheiro mas não ter reconhecimento", disse. Essa ideia foi corrosiva ao longo dos anos. "Foi quando estava em baixo que este argumento ousado, corajoso, fora da caixa, absolutamente doido me apareceu. O universo disse-me que eu ainda não estava acabada", revelou Moore.

Kieran Culkin venceu Melhor Ator Secundário em filme, por "A Verdadeira Dor" e, na categoria de Melhor Ator em filme musical ou comédia, o galardão foi para Sebastian Stan, por "Um Homem Diferente". Stan considerou estes filmes necessários e disse ser preciso acabar com "a ignorância e desconforto" que sentimos com as deficiências.

O Melhor Filme de Animação foi "Flow", um título vindo da Letónia, a Melhor Banda Sonora a de "Challengers", enquanto "Conclave", sobre a escolha de um papa e a mecânica do Vaticano, ganhou Melhor Argumento.

"Wicked" venceu um prémio criado no ano passado, de Conquista Cinemática e de bilheteira.

Tommaso Boddi/GG2025

"Não preparei nada", confessou a atriz brasileira, mostrando-se muito surpreendida pela distinção entregue na 82ª cerimónia dos Globos de Ouro, que decorreu esta madrugada em Los Angeles. "Este foi um ano tão incrível em desempenhos femininos", continuou. A atriz dedicou a vitória à mãe, Fernanda Montenegro, que foi a primeira brasileira nomeada, por "Central do Brasil", em 1999, mas não ganhou.

"Isto é a prova de que a arte pode perdurar pela vida, mesmo em momentos difíceis como este da incrível Eunice Paiva que eu interpreto", afirmou a atriz. "A mesma coisa está a acontecer agora no mundo, com tanto medo, e este é um filme que nos ajuda a pensar como sobreviver em tempos difíceis como este", acrescentou.

Pouco depois do anúncio, o Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva deu os parabéns a Fernanda Torres, que descreveu na rede social X como o "orgulho do Brasil". "Emocionante. (...) Melhor Atriz em Filme de Drama no Globo de Ouro pela sua grande atuação no filme Ainda Estou Aqui. Como ela mesma diz: a vida presta", escreveu o chefe de Estado.

As outras nomeadas eram Angelina Jolie em "Maria", Kate Winslet em "Lee", Pamela Anderson em "The Last Showgirl", Tilda Swinton em "The Room Next Door" e Nicole Kidman em "Babygirl".

"Ainda Estou Aqui", filme realizado por Walter Salles, baseia-se na história verídica de Eunice Paiva, que durante 40 anos lutou para descobrir o que aconteceu ao seu marido Rubens Paiva, um ex-deputado que foi levado pela polícia durante a ditadura militar no Brasil.

O relato foi contado pelo filho Marcelo Rubens Paiva, num livro com título homónimo publicado em 2015 e que Walter Salles adaptou ao cinema. O filme também estava nomeado para o Globo de Ouro de Melhor Filme de língua não inglesa, mas essa estatueta foi entregue a "Emilia Pérez", da França.

O Brasil tem elevadas expectativas de que "Ainda Estou Aqui" também chegue aos Óscares, depois de chegar à 'shortlist' e receber nomeações noutras cerimónias de prémios. Na próxima semana, competirá nos prémios da Associação de Críticos, a Critics Choice Association, que decorre em Los Angeles. Já as nomeações para os Óscares serão anunciadas a 10 de fevereiro, com a cerimónia marcada para 02 de março.