Já não há toalhas nas mesas do restaurante Vista, sobranceiro à praia da Rocha, em Portimão. À mostra estão agora tampos Silestone, maples e a chita de Alcobaça a revestir sofás e a pontuar cadeiras, continuando a eclética mistura de cores e padrões do Bela Vista Hotel & Spa. Os candeeiros Tom Dixon parecem gotas de água suspensas e, contrastando com o azul e branco da sala surgem as cores e a iluminação quente das estantes com corais, uma espécie de ‘altar’ marítimo num restaurante que aposta em peixes e mariscos.
A descida de “maré” revelou ao mundo um Vista renovado. Mantém-se a vista para o mar, mudaram “a estética e o conforto”. “Modernizámos o espaço, agora com mais detalhes, e criámos uma área mais quente e contemporânea”, explica Gonçalo Narciso dos Santos, general manager do hotel. “A decoração ficou mais leve e luminosa, está tudo mais envolvente”, concorda João Oliveira, chef deste restaurante premiado com Garfo de Ouro pelo Guia Boa Cama Boa Mesa 2024 e detentor de uma estrela Michelin.
A experiência extravasa a sala de refeições, num formato “diferente e mais humano”. No foyer escolheu-se um aperitivo, um gin infusionado de algas, coentros e salicórnia, acompanhando com snacks apresentados pelo chef, um taco vegetal e um caldo à base de aipo e manjericão. João Oliveira mostra a cozinha, mesa do chef, a garrafeira e apresenta a equipa, antes de o cliente se sentar à mesa. Reconhece-se o mapa do Algarve que ajuda a perceber a origem dos produtos. “Insistimos no mapa porque 90% dos clientes não sabem o que é o Algarve e assim têm uma experiência mais completa. Queremos transmitir mais cultura de produto e de território”, comenta o chef.
Sabores algarvios
Do início ao fim, o fine dining do menu Vista (€200) compromete-se com as estações e os produtos da região, venham do mar, da ria ou da terra. A cavala aparece fumada numa mousse envolta em tempura de algas, mas também em filetes curados sobre um creme de mexilhão e salicórnia, e ainda em caldo feito a partir das suas aparas, cabeça, pele e espinhas. Não era muito cedo para saborear um Porto Branco de Nicolau de Almeida, leve e seco, em harmonia com a interpretação da salada algarvia: o tomate orgânico da Quinta das Castelhanas centraliza o jogo de sabores onde entram vários géis, um excelente sorbet de água de tomate assado, flores de alho, o tempero de águas de tomate com diferentes aromáticas e o vinagre de flores de camomila.
A soberba “Gamba listada”, com texturas de abóbora (em carpaccio, pickle, sementes e emulsão), remata com Perpétua-das-areias. Noutro bom momento, João Oliveira fala da sua “pequena homenagem aos pescadores locais”, numa interpretação das Lulinhas à Algarvia para comer à mão. Aproveita “todas as partes possíveis da lula”, incluindo a cabeça, pele e interior da barriga para fazer molhos, e as ovas curadas e raladas no topo, dando “intensidade e força”. De Sagres vêm o lagostim, que serve com texturas de couve-flor e a untuosidade do caviar Oscietra, e o pregado, alinhado com o alho-francês, amêijoas e percebes também de Sagres. A doçura chega com a “Laranja do Algarve” e a interessante surpresa do “Aloe Vera & Verbena”, refrescado pelo granizado de cato. Regressamos à sala dos azulejos, onde o chef de pastelaria, Fábio Quiraz, serve ainda um ‘pastel de nata’ em forma de pau de canela (base de batata-doce de Aljezur), Dom Rodrigo e uma madalena de mel de Monchique.
Hotel com história
O aspeto fresco da sala do Vista em nada se assemelha à do restaurante no passado. Fotos antigas mostram que era todo em madeira, “muito pesado” e que ali se podia fumar. No terraço viam-se vasos e mobiliário de plástico. Até 2023, as cadeiras eram as originais, recuperadas, estofadas e pintadas de branco, como as mesas. O edifício principal é um palacete centenário, cuja construção como residência particular remonta a 1918. Foi “palco de festas memoráveis” e, em 1934, converteu-se em hotel, um dos primeiros do Algarve, com cerca de 18 quartos. “Nas atuais zonas comuns havia quartos que não tinham vista”, conta Gonçalo Narciso dos Santos. Durante a Guerra Civil Espanhola e a Segunda Guerra Mundial, albergou espanhóis em fuga, espiões e correios. Hospedou Sidónio Pais, o Rei Humberto de Itália, os Condes de Barcelona e o Barão Carl Gustaf Emil, que viveu no quarto 105, e cuja fotografia e carta de apreço estão sobre o piano, oferecido em agradecimento.
Pertença da família Proença de Carvalho, o hotel (tarifas a partir de €350) que hoje conhecemos resulta de uma intervenção de fundo, reabrindo em 2011. Aos 11 quartos do palacete somaram-se sete quartos da Casa Azul, que foi reabilitada, e 20 quartos mais modernos do Bela Vista Jardim. Na parte de trás desse novo edifício nasceu o Spa by L’Occitane, de 400 m2. Outras novidades foram um ginásio vista-mar e a piscina exterior ladeada por palmeiras. Assinados por Graça Viterbo, os interiores aliam a história do edifício ao luxo, cultura e design atual. As listas, quadriculados, capitonados, cores fortes e a chita de Alcobaça estão em harmonia com os azulejos azuis e brancos de origem que retratam episódios da História de Portugal, literários e religiosos. E ainda com as madeiras exóticas de pau-Brasil, pinturas a óleo e peças como o candeeiro no balcão do bar e os candeeiros arte déco da escadaria.
Atualização permanente
A renovação do Vista é um exemplo da atualização deste boutique hotel de cinco estrelas, membro da Relais & Châteaux. Plantado na falésia, vira-se para o mar e tem acesso direto à Praia da Rocha. Desde 2011, o Bela Vista Hotel & Spa (Avenida Tomás Cabreira, Praia da Rocha, Portimão. Tel. 282460280) tenta manter-se “na vanguarda, preservando a autenticidade”. Hoje “modernizada e climatizada”, a cozinha foi remodelada em três ocasiões. É apoiada por uma nova Mesa do Chef e uma garrafeira com mais de 800 referências de vinhos e champanhes. Há sete anos, remodelaram-se os quartos da Casa Azul e, há dois anos, foi a vez dos quartos do Bela Vista Jardim. Após a pandemia, surgiu o Bistrô by Vista e, em 2023, mudou-se o deck da piscina para bambu natural e instalaram-se 102 painéis solares. O palacete acompanha as melhorias e este inverno recebe novos colchões e alcatifas para os corredores. O bar de apoio à piscina será também remodelado.