Em entrevista à agência Lusa, o autor de "O diabo foi meu padeiro", disse que a obra deverá ser publicada no próximo ano, estando na fase de revisão e a caminho das 60 leituras que faz antes de dar um livro por concluído.

Desta vez, o tema são os presidentes africanos, que classifica de "figuras literárias extraordinárias", dando o exemplo de Kumba Yalá, antigo Presidente da Guiné-Bissau, que morreu em 2014.

O leitor nunca irá encontrar o nome dos presidentes no livro, sendo apenas referidos como "o Presidente" e tendo todos em comum serem uma "fonte do atraso no desenvolvimento de África".

"Nós já tivemos intervenções externas que cercearam o desenvolvimento da África, como a escravatura, como a colonização. Depois de nos libertarmos desses processos, vieram os ditadores e eles são claramente a fonte do desrespeito pelos direitos humanos, a fonte dos atrasos, da pilhagem, do crime. E está ali tudo documentado", disse.

A narrativa começa precisamente com Kumba Yalá, ainda que sem o nome e porque no livro são figuras de ficção, passando depois por vários presidentes africanos, como aquele que reúne a família numa ceia de Natal, durante a qual distribui lugares estratégicos.

"Milha filha, a partir de amanhã a parte dos transportes fica contigo; a partir da amanhã os aviões ficam contigo, minha primeira mulher; a partir da amanhã o banco central é contigo, meu filho bastardo; e o primogénito fica com o fundo soberano", exemplifica.

O escritor cabo-verdiano escreve ainda sobre um outro presidente que achava que os belgas estavam em conluio com uma etnia para o derrubar e, para resolver o problema, compra 144 milhões de dólares em machins, catanas, punhais e enxadas que entrega a uma etnia para acabar com a outra", resultando, em três meses, no maior genocídio da história da humanidade, com 800 mil pessoas mortas, numa referência ao que aconteceu no Ruanda, em 1994.

A obra conta ainda com uma personagem que se coroa imperador e gasta milhões de dólares em Mercedes para receber os convidados para a coroação, em África, numa altura em que o povo vivia com menos de um dólar por dia, no que se assemelha à figura do antigo presidente e imperador centro-africano Jean-Bedel Bokassa.

De presidente em presidente, a história flui até chegar ao único nome revelado, precisamente uma mulher: Ellen Johnson-Sirleaf, antiga Presidente da Libéria (2006--2018) e Prémio Nobel da Paz (2011).

A eleição desta mulher, que "conseguiu pegar um país devastado pelas guerras civis - a Libéria - e estabilizar o país", é "uma mensagem de esperança".

"Eu diria que as mulheres são mais sensíveis e provavelmente isso deve ter uma razão genética. Isto é, as mulheres ficam grávidas e os homens não e o livro até fala disso, porque há uma epidemia de prenhez e a própria presidente, que já estava com 72 anos, acaba por procriar", contou.

No livro, a epidemia de prenhez atinge todas as mulheres do país e ninguém sabe o porquê e até alguns homens barrigudos vão ao médico. Estes homens barrigudos têm receio de que na origem da prenhez esteja uma lição: Saberem o que é a dor do parto.

"No dia em que [os homens] souberem o que é a dor do parto, nunca mais matarão o filho dos outros", disse.

O autor recorda que, em África, como no seu país Cabo Verde, as mulheres é que são chefes de família: Educam, criam, trabalham e o filho está sempre ali ao pé.

"Eu não vejo uma mulher mandar matar os filhos dos outros, assim em catadupa", afirmou, prosseguindo: "Estou convicto que as mulheres podem salvar o continente africano e o mundo, mas não mulheres que queiram governar como ditadores, mas que realmente tenham acesso e apoio de poder realmente governar com outra sensibilidade, porque não estou a ver outra saída. Hoje não estou a ver outra saída".

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