Inconformada, a TAP decidiu reclamar da decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que deu razão a quatro hospedeiras dispensadas na pandemia, obrigando-a a reintegrá-las e indemnizá-las. Um acordão que servirá de base a centenas de tripulantes nas mesmas circunstâncias e que poderá representar custos de várias dezenas de milhões de euros para a companhia.

A reclamação da transportadora liderada por Luís Rodrigues avançou nos primeiros dias de 2025, soube o Expresso. Não é uma surpresa, tal como o jornal já tinha noticiado na edição de 18 de dezembro, a TAP estava a explorar todos os cenários possíveis para tentar travar a decisão do Supremo e evitar um espetável rombo nas contas, em véspera de privatização.

Uma das hipóteses em cima da mesa era uma reclamação para o plenário de juízes no STJ, e foi este o caminho escolhido pela transportadora. Não foi possível apurar os argumentos usados pela TAP a favor da sua tese. Aliás, a companhia não confirma, nem comenta a reação junto do STJ. Mas, no limite, a transportadora poderá estar a reclamar por questões processuais, nomeadamente a forma como o Tribunal decidiu. Vai ser preciso esperar para ver.

Advogado desvaloriza reclamação

O advogado das queixosas, André Bento Machado, não antevê grande sucesso para esta reclamação. "Não vai ter qualquer efeito sobre a decisão", afirma. Trata-se, sublinha, de uma manobra que servirá apenas para atrasar o trânsito em julgado do acordão.

"Sumariamente, a decisão é final e definitiva, com efeitos uniformizadores de jurisprudência, daí a sua relevância. No limite, poderá a TAP reclamar do acórdão quanto a custas ou erros materiais menores e que não alteram o desfecho do mesmo", assegura Bento Machado, irmão de uma das queixosas.

Não será esta a opinião da TAP, que tem trabalhado nas questões jurídico-laborais com a sociedade de advogados Sérvulo. Parte da confiança da companhia passa pelo facto de esta ter saído vitoriosa em parte dos processos que teve de enfrentar em tribunal nos últimos anos. Certo é que as decisões tomadas pela companhia em matéria laboral depois de 2019, altura em que era presidida interinamente por Ramiro Sequeira e tinha como advogados externos a SRS, têm sido de alvo de contestação. Em outubro de 2023, o Tribunal do Trabalho de Lisboa declarou ilegal o despedimento coletivo feito pela TAP em junho de 2021, e determinou a reintegração ou o pagamento de indemnização a 72 trabalhadores afetados, grande parte deles voltaram a trabalhar na companhia.

Uma fatura de muitos milhões

Se esta reclamação for infrutífera quanto custará à TAP este revés judicial? O presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) admite que a decisão poderá abrir a porta a que cerca de 2000 tripulantes admitidos a partir de 2006 possam fazer a mesma exigência. Ricardo Penarróias fez as contas e estima que a TAP poderá ter de pagar indemnizações num montante entre €200 milhões a €300 milhões.

São cálculos diferentes dos feitos pela transportadora e outras fontes conhecedoras do processo, que apontam para montantes abaixo dos €100 milhões. A companhia, sabe o Expresso, aponta para valores "bem inferiores" aos que têm sido noticiados.

Seja como for será uma fatura pesada. Em 2023 os custos com trabalhadores ascenderam a 723 milhões de euros, praticamente o dobro do valor de 2020 e 2021, anos da pandemia. Em 2020 os custos com trabalhadores ascenderam a 420 milhões, acima dos 373 milhões de 2021 e 417 milhões de euros de 2022. A partir de 2023 os custos dispararam e já estavam nos 596 milhões de euros em setembro de 2024.

O caso envolve tripulantes que foram dispensados pela companhia em 2020 e 2021, antes de terminarem os contratos a termo. Alguns mesmo antes da aprovação do plano de reestruturação, em abril de 2021. Foram os anos da pandemia, altura em que os aviões deixaram de voar e a TAP entrou num processo de reestruturação que obrigou a companhia a cortar a massa salarial em 25% e a avançar para rescisões de contratos.

O STJ concluiu, numa sentença proferida a 12 de dezembro, que os contratos de trabalho a prazo na TAP estavam mal fundamentados e que os trabalhadores em causa deveriam ter sido integrados no quadro de pessoal como efetivos desde o primeiro dia, o que não aconteceu. Determina assim o acordão que as quatro trabalhadores sejam reintegradas na categoria mais elevada e indemnizadas com as diferenças devidas com retroativos a abril de 2018, com o pagamento incluído de subsídio da natal e de férias e ajudas de custos complementares.

Embora esteja à procura de soluções, a gestão da transportadora aérea já tinha constituído provisões, sabe o Expresso.

Jurisprudência só se aplica a tripulantes, diz defesa

Desdramatizando a preocupação do Governo relativamente à possibilidade deste acórdão poder vir a fixar jurisprudência face a casos semelhantes que ocorrem em outras empresas durante a pandemia, Bento Machado afasta essa possibilidade. "A matéria da decisão recaí apenas sobre um tema próprio: as categorias CAB (Tripulantes de Cabine). Esse aspeto próprio da carreira dos tripulantes de cabine da TAP não tem a virtude de se alargar a outras empresas", defende.

Para a decisão do Supremo terá contribuído um parecer jurídico pedido pelo SNPVAC, em 2021, à então professora catedrática Maria do Rosário Ramalho, hoje ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Bento Machado sublinha que a participação do sindicato neste processo foi apenas o de ceder o parecer. "Apesar de ter sido cedido o uso de um parecer pelo SNPVAC, o mesmo não valorado pela decisão, pelo que em nada contribuiu para a mesma, tampouco esse sindicato teve qualquer intervenção no processo", fez questão de esclarecer.