A instabilidade governativa em Portugal veio adiar novamente a expectativa de democratização do sector da energia. Quando serão introduzidas alterações legislativas que promovam a efetiva participação cidadã e a gestão democrática das comunidades de energia renovável? Até lá, o florescimento de comunidades de energia renovável de base local, detidas e geridas democraticamente pelos cidadãos continuará a ser um sonho adiado em Portugal. No resto da União Europeia já existem mais de duas mil.

As “Comunidades de energia” são organizações compostas por cidadãos, pequenas e médias empresas e governos locais que formam uma entidade legal para desenvolver atividades relacionadas com a produção de energia renovável, consumo, serviços de eficiência energética, entre outros. Existem dois tipos de comunidades de energia definidas por diretivas europeias diferentes (a diretiva das energias renováveis e a diretiva do mercado interno de energia), as Comunidades de Energia Renovável e as Comunidades de Cidadãos para a Energia, havendo uma base comum entre elas.

As comunidades de energia têm como objetivo principal proporcionar benefícios ambientais, económicos ou sociais aos seus membros ou às áreas onde opera, em vez de gerar lucros financeiros. O conceito de comunidade de energia foi introduzido nas diretivas europeias em 2019, com o objetivo de promover a entrada dos cidadãos no setor energético para ativamente participarem na transição energética.

Ora, em Portugal não vimos o potencial dos cidadãos poderem participar ativamente no setor energético e o legislador limitou a ação das comunidades de energia na transposição das diretivas para a legislação nacional. As comunidades de energia são definidas nas diretivas europeias como entidades capazes de realizar uma ampla variedade de atividades relacionadas com energia renovável, não exigindo produção elétrica para autoconsumo. Por cá, as comunidades de energia foram e estão limitadas na sua ação tendo de obrigatoriamente começar por instalar um sistema para autoconsumo.

As comunidades de energia têm de ser juridicamente autónomas e para tal, as diretivas europeias quiseram protegê-las de influências externas, como investidores ou entidades tradicionais do mercado. Na legislação nacional é omitida essa autonomia, permitindo que terceiros desenvolvam projetos de energia renovável violando a diretiva, que exige que os projetos sejam propriedade e responsabilidade das comunidades de energia.

Em suma, a legislação nacional viola as diretivas europeias no que diz respeito às comunidades de energia. Viola no texto e no espírito. A nossa legislação espelha aquilo que é um pensamento comum sobre a capacidade dos portugueses se organizarem e trabalharem em conjunto de forma colaborativa para um objetivo comum: conseguem lá os cidadãos participar no setor de energia e na transição energética. A violação de diretivas europeias resulta em multas aos Estados-membros (e ainda bem).

O problema é conhecido deste e do anterior Governo e a revisão da lei até estava “na calha”. Parou em 2024 e volta agora a parar tudo. Por duas vezes, em pouco mais de um ano temos eleições antecipadas. É preciso vontade política e estabilidade governativa para se avançar na correção dos aspetos perniciosos da lei.

Portugal é dos países europeus em que há notícia de menos comunidades de energia de base cidadã e, como consequência, em que há menos cidadãos a participar ativamente no setor da energia e na transição energética para as renováveis.

Incompreensivelmente , também não sabemos quantas comunidades de energia há em Portugal (não há dados oficiais públicos), nem as razões dos atrasos no seu licenciamento, pois não foi transporta a obrigação de avaliar os obstáculos ao desenvolvimento das comunidades de energia.

O acesso e a forma como produzimos e consumimos energia, como um bem essencial das nossas vidas, devem ser questões ampla e abertamente discutidas. Não sendo um problema que afete diretamente as nossas vidas no dia-a-dia – como o acesso à energia, à alimentação, à saúde, à educação e à habitação -, a falta de participação ativa dos cidadãos na área da energia torna a nossa vida coletiva menos pulsante e menos democrática.

As comunidades de energia foram incorporadas nas diretivas europeias como a forma de os cidadãos participarem ativamente no setor da energia e não para abrir portas às empresas privadas. A captura empresarial do conceito de comunidade de energia renovável pode contribuir para o aumento da potência instalada de energia renovável no país. e até para a descentralização da produção. Mas, de resto, o modelo energético mantém-se inalterado, nas mãos das empresas, que são proprietárias e vendem os seus serviços, a consumidores passivos, que se limitam a pagar a fatura dos seus consumos.

Sem a garantia da participação cidadã e gestão democrática das comunidades de energia fica adiado o sonho da transição energética justa.