
Em tempos mais felizes, Kane Wright gostava de pensar que tinha o mundo a seus pés. Neymar destacou-o como um jogador excecional da seleção inglesa de futebol de cinco num torneio internacional organizado pela superestrela brasileira. Wright estava na academia do West Ham. Outros também queriam observar o jovem londrino. E quando as coisas se complicaram em Inglaterra, surgiram convites de clubes portugueses (SC Braga e Marítimo) e uma breve passagem pela Flórida com o Orlando City.
O caminho para o crime internacional
No entanto, a sua vida tomou um rumo completamente diferente, em direção ao crime internacional, que mete um pedido de extradição enviado pelo governo japonês e uma história que parece uma minissérie da Netflix em desenvolvimento. Em outubro de 2023, Wright foi condenado a três anos de prisão após tentativa fracassada de vender um vaso chinês da Dinastia Ming, avaliado em 2 milhões de libras (2,3 milhões de euros à taxa de câmbio atual), que havia sido roubado durante um assalto ao Museu de Arte do Extremo Oriente em Genebra.
Três homens com máscaras de esqui, roupas escuras e luvas usaram ferramentas elétricas para abrir um buraco na porta do museu, entraram e partiram vitrines para roubar o vaso branco com romãs, juntamente com uma tigela de porcelana e um copo de vinho, também da Dinastia Ming. A polícia suíça lançou uma perseguição internacional, em colaboração com os colegas londrinos, e detetives disfarçados descobriram os cúmplices do grupo, incluindo Wright. Os agentes fingiram ser colecionadores de arte e ofereceram 450 mil libras (525 mil euros) pelo vaso do século XIV numa operação secreta que decorreu no hotel cinco estrelas Marriott em Mayfair, Londres, de acordo com o The Athletic.
Assalto em Tóquio e pedido de extradição
Esta é, no entanto, apenas uma parte de uma longa história que agora leva Wright e outros dois homens a enfrentarem a extradição para o Japão por acusações de envolvimento num roubo de joias em Tóquio, em novembro de 2015, quando tinha 19 anos. É a primeira vez que o Japão pede a extradição de suspeitos criminosos do Reino Unido e, embora o pedido tenha sido inicialmente recusado, o governo japonês apresentou recurso.
Os advogados de Wright argumentam que a extradição para o Japão o deixaria vulnerável e sujeito a abusos, até mesmo tortura, no sistema penal de um país acusado pela Human Rights Watch de operar um sistema de «reféns da justiça» para obter confissões de criminosos. A equipa jurídica apresentou um pedido de autorização para contestar a decisão no Supremo Tribunal e pede a sua libertação. Se tal não acontecer, no entanto, será solicitado ao Reino Unido que extradite o homem que já fez parte da academia do West Ham.
Na manhã de sexta-feira, num tribunal de Londres, Wright foi conduzido a uma sala cuja porta ostentava um papel colado: «Extradição - Japão». O ex-futebolista, usando óculos com armação escura e roupa informal cinzenta, sentou-se no fundo da sala durante o dia de discussões jurídicas sobre se o Reino Unido deveria extraditá-lo ou não. A acusação é que Wright e dois homens mais velhos entraram na luxuosa joalharia Harry Winston em Tóquio fingindo ser clientes, antes de um deles atacar o segurança de 47 anos e depois usar martelos para partir a vitrina onde estavam as joias preciosas. Os criminosos fugiram com 46 artigos no valor de 106 milhões de ienes (654 mil euros), incluindo colares, anéis de diamantes e relógios de luxo. Tudo levado da loja fundada por Harry Winston, o empresário nova-iorquino conhecido como Rei dos Diamantes.
Wright nunca foi formalmente acusado, o que significa que nunca teve de prestar uma declaração oficial, mas os seus advogados afirmam que nega qualquer envolvimento. No entanto, em documentos judiciais, as autoridades japonesas alegam que os assaltantes deixaram vários vestígios. Foi encontrado um casaco Armani e, segundo os investigadores, o ADN ligou a um dos alegados criminosos. Uns óculos de proteção com a impressão digital de Wright foram deixados no local do crime. Os detetives encontraram provas ainda de que os três homens passaram três noites no hotel Elm Share House em Tóquio. Fragmentos de vidro encontrados na propriedade correspondiam ao vidro partido do local do crime, afirmam. Imagens de câmaras de segurança forneceram provas adicionais e os registos de táxis mostram que o trio alegadamente viajou até à loja em Omotesando Hills, um exclusivo complexo comercial no centro de Tóquio. Os três regressaram a Inglaterra dois dias depois. Em março de 2018, o governo japonês apresentou o pedido de extradição.
Como foi roubado o vaso Ming?
Na noite de 1 de junho, um Renault Koleos cinzento parou em frente ao Museu de Arte do Extremo Oriente em Genebra e três homens mascarados saltaram com ferramentas elétricas, martelos e pés-de-cabra. Quando a polícia chegou, os ladrões tinham desaparecido - e levado consigo alguns dos preciosos artefactos chineses do museu. O roubo, nas palavras de um juiz, «durou menos de um minuto».
A recuperação do vaso demorou consideravelmente mais tempo, mas acabou por ser devolvido à Suíça após ter sido descoberto durante a referida operação policial que levou à prisão de Wright e dos alegados cúmplices. Estava guardado num saco de plástico amarelo da JD Sports, enquanto os membros do grupo tentavam negociar a sua venda. Embora Wright não tenha tido um papel ativo no roubo, o júri condenou-o por conspiração para ocultar bens criminais. Era um dos membros mais jovens da operação criminosa e, ao contestar a acusação, teve o apoio da companheira e da família adotiva durante o julgamento. «Pareces-me um verdadeiro Jekyll e Hyde», disse-lhe o juiz. «Foste um jovem muito simpático quando prestaste depoimento, mas mentiste, sem dúvida.»
O que o espera se for deportado?
Os advogados que representam Wright ainda esperam poder usar os argumentos no Supremo de que a deportação para o Japão pode expô-lo a «investigação violenta ou repressiva» por parte da polícia. Os seus representantes legais citaram anteriormente um relatório do advogado de Tóquio, Maiko Tagusari, que afirma que «as práticas policiais japonesas modernas ainda incluem arrancar cabelos, pontapés, gritos, bofetadas ou ameaçar suspeitos com uma faca». O relatório de Tagusari, citado em documentos legais, alega que as confissões são obtidas de suspeitos através de táticas agressivas e a lei nipónica permite o uso de «corda de prisão, algemas, camisas de força».
Os advogados de Wright argumentam que tais práticas violam a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. O que, teoricamente, espera mesmo Wright se o Japão conseguir o seu desejo de extraditar o homem, agora com 28 anos, que já partilhou o relvado com Francesco Totti, um dos grandes nomes do futebol italiano? Documentos legais aos quais o The Athletic teve acesso mostram várias garantias por escrito das autoridades japonesas de que Wright e os seus coacusados «não serão sujeitos a tortura ou qualquer outro tipo de abuso físico». As autoridades de Tóquio estabeleceram um «memorando de cooperação» com o Reino Unido e afirmam que Wright receberia alimentação e exercício adequados, roupa de cama limpa, acesso a visitas e água quente suficiente para lavar o cabelo «pelo menos três vezes por semana». O caso voltará a tribunal a 16 de maio e, entretanto, Wright está proibido de sair do país.