O Boavista é inegavelmente um histórico português, com capacidade de disputar o título (que possivelmente ninguém quer ter) de Quarto Grande, juntamente com o Braga e Vitória SC (o Belenenses acredito que já esteja um patamar abaixo, até pelos últimos anos arredado da Primeira Liga). Porém, ao contrário dos conjuntos minhotos, a turma do Bessa está cada vez mais longe da glória, sendo mais vezes notícia por algo negativo do que por pontos positivos.

O momento atual do Boavista é delicado e confuso. A equipa está em último lugar, com 12 pontos conquistados em 21 jornadas, numa trajetória já esperada por quem acompanha o futebol nacional. Os axadrezados não atuavam no mercado há cinco janelas consecutivas, devido à existência de Transfer Bans, impostos pela FIFA, devido a dívidas. Isto levou gradualmente a que o plantel do conjunto nortenho tenha vindo a degradar-se a cada ano que passa, já que perde as melhores peças e não as consegue substituir. A solução encontrada foi a aposta na formação, que em certos casos rendeu frutos, mas que não pode ser um recurso utilizado a 100%.

Cristiano Bacci encontrou um plantel no começo de 2024/25 manifestamente pobre, com poucas soluções de qualidade. Sejamos realistas, a equipa do Boavista tem 7/8 jogadores com capacidade plena para atuar na Primeira Liga, mas existem outros elementos que não têm qualidade sequer para o futebol profissional e que nunca seriam apostas numa instituição desta dimensão se a equipa pudesse atacar o mercado.

O italiano optou por sair pelo próprio pé, numa decisão compreensível. Era impossível fazer melhor e Cristiano Bacci ganhou pontos na sua aventura pelo Bessa, não se estranhando que possa regressar à Primeira Liga num outro contexto. José Mourinho e Pep Guardiola são génios, mas a probabilidade do Boavista estar em último lugar com eles enquanto treinadores seria de 99,9%.

Garrido Pereira (presidente do clube), Fary Faye (presidente da SAD) e Gerard López (acionista maioritário da SAD) têm o dever de montar um projeto a longo prazo para a salvação da instituição, na qual existem cada vez menos esperanças. A própria ‘desistência’ de Cristiano Bacci leva-nos a pensar que o clube tem um futuro incerto.

Como vimos, de uma maneira leve, a situação é altamente desfavorável, mas há uma solução ao fundo do túnel: assumir a derrota e que a passagem pela Segunda Liga vai ser uma realidade. Porém, a tríade que lidera o clube não pensa assim, e optou por uma política diferente, a olhar para o imediato.

O Boavista viu-se autorizado a voltar a operar no mercado durante este mês de fevereiro, depois de ver levantados os Transfer Bans aplicados pela FIFA. O caminho escolhido foi a contratação de jogadores experientes, que não competem desde 2023/24: Layvin Kurzawa, Marco van Ginkel, Tomas Vaclik, Steven Vitória ou Moussa Koné foram alguns dos nomes oficializados, todos com contratos curtos. Será este estilo de movimentações tão benéfico?

Na minha visão, faz pouco sentido. Falamos de jogadores com provas dadas no futebol internacional, mas que ainda não atuaram em 2024/25, ou seja, a sua forma física é uma incógnita. Por outra parte, decerto não serão apostas ‘baratas’, já que a sua vinda para o Bessa vem ocupar uma percentagem elevada da massa salarial, numa fase em que é público que o Boavista não vive um bom momento financeiro. Além disto, é complicado que tantos jogadores cheguem a uma equipa e consigam um entrosamento imediato. Acredito que existisse algum sucesso se se cingissem à contratação de um ou dois jogadores, com a possibilidade de ficarem por mais do que uma temporada. O Boavista, para se manter na Primeira Liga, quer resultados para ontem e assim parece-me impossível.

A meu ver o Boavista vai realizar um investimento desnecessário nestes jogadores, quando é praticamente impossível alcançar a manutenção no campeonato. Lito Vidigal chegou para o lugar de treinador, voltando à memória dos boavisteiros o ano de 2019, no qual o técnico salvou o clube da despromoção. Porém, os tempos são os outros. O plantel é de uma qualidade consideravelmente inferior ao de 2018/19 e os trabalhos do angolano nos últimos anos têm ficado muito aquém do esperado, embora a sua reputação já esteja longe de ser positiva.

Garrido Pereira, Fary Faye e Gerard López optaram pela solução do imediatismo, quiçá do desespero, quando o caminho certo possivelmente não seria esse, sem colocar em causa o sentimento dos dois primeiros pelo clube. O Boavista necessita de um ‘choque de realidade’, para acabar de vez com esta fase negativa, sem ter que bater totalmente no fundo, como aconteceu com outros. Veja-se o caso do Vitória FC, que se encontra no último escalão da pirâmide do futebol português.

O mais prudente seria manter o plantel atual até ao final da temporada, mesmo com a falta de qualidade existente, começando a assimilar a ideia nos adeptos de que a Segunda Liga será a casa do Boavista na(s) próxima(s) época(s). Quanto muito, acrescentar uma/duas/três peças. Ao evitar as contratações ‘luxuosas’ que foram confirmadas, parte do orçamento seria poupado, para se poder investir em 2025/26, em elementos que possam de facto acrescentar.

Não serão poucos os treinadores disponíveis para orientar este histórico português na próxima temporada, mesmo na Segunda Liga. Tudo depende do projeto apresentado. Como é natural, as estrelas do plantel não acompanhariam esta queda. João Gonçalves, Rodrigo Abascal, Seba Pérez, Miguel Reisinho ou Róbert Bozeník deixariam o Bessa, mas dariam espaço a elementos que pudessem acrescentar algo e com conhecimento do segundo escalão, além de acrescentarem mais valias financeiras que podem ser investidas. Garrido Pereira e Fary Faye contariam com um orçamento substancialmente inferior, já que as receitas na Segunda Liga estão longe de ser as mesmas, mas teriam a oportunidade de colocar o Boavista no caminho certo, apresentando um projeto realista e que possa ser sustentável, longe dos luxos do passado, ao mesmo tempo que continuariam a criar uma ligação forte com os adeptos, convencendo-os a regressar ao Estádio do Bessa. Os boavisteiros são fiéis. Mesmo no último lugar continuam a ir ao recinto, com o Boavista tem a sétima melhor média de espetadores. Não há maior prova de fidelidade do que esta.

Aplicar-se-ia a célebre frase ‘dar um passo atrás para em seguida dar dois à frente’. A realidade do Boavista neste momento é negra, com um futuro pouco esperançoso, pese as boas intenções dos seus responsáveis. Os jogadores continuarão a dar tudo até ao final da temporada, mesmo os que cheguem nos próximos dias à cidade do Douro.

Lito Vidigal também terá aqui uma das provas da sua vida, numa fase descendente da sua carreira. Pode novamente ser visto como um herói no Boavista e ganhar mercado para a próxima temporada. Certo é que o futebol pelos lados do Bessa vai ser pouco atrativo, em busca do contra-ataque, com a probabilidade elevada de existência de antijogo.

Porém, será isto suficiente para salvar a equipa de um destino que cada dia que passa parece mais inevitável? O ‘all in’ está feito por parte da direção, que parece mais preocupada com os próximos seis meses do clube do que com os próximos anos. A probabilidade de 2025/26 ser uma continuidade do que tem sucedido nos últimos anos é grande, pelo que tem sido demonstrado nas últimas semanas. Garrido Pereira, naturalmente, não se quer estrear na presidência de uma instituição com uma descida e procura lutar pelo futuro do clube que ama.

Não é uma novidade para o Boavista os momentos de crise, contando com algumas descidas no seu historial. Em 1966, ano que marca a queda para o terceiro escalão, começou uma das suas recuperações mais marcantes, culminando com a primeira conquista da Taça de Portugal, em 1974/75, chegando ao bis na época seguinte. O clube parece destinado a ‘sofrer’ para poder atingir a glória.

O futuro próximo do Boavista é uma das histórias para acompanhar no que falta de 2024/25, numa Primeira Liga que tem candidatos óbvios à descida, com o décimo sexto lugar a ser um ‘presente envenenado’. Certo é que poucos desejam o ‘mal’ ao histórico nortenho e um campeonato sem o clube será ‘estranho’, mesmo para os próprios adversários, habituados a uma viagem até ao Bessa. Ainda assim, a despromoção parece cada vez mais um mal necessário para acordar um clube recheado de potencial, mas que, por más decisões do passado, está longe de o conseguir atingir.