Pascal Siakam era o demónio do seminário. O padre Collins ficou com a paciência esmigalhada e foram precisas medidas drásticas para a reabilitar. Para isso, tirou forças à rebeldia do indisciplinado catraio. Qualquer tarefa doméstica que lhe atribuíssem acabava por não ser cumprida. Também esperava sempre pela melhor altura para fazer os trabalhos de casa, mas, curiosamente, esse momento nunca chegava.

Desde o início, quando tinha onze anos, Pascal Siakam implorou ao pai que não o candidatasse a padre. “Os meus irmãos contavam histórias terríveis sobre o seminário. A comida era horrível. As aulas eram difíceis. Tinham que acordar às 5h30 todos os dias. Estavam completamente sozinhos, longe da família e de casa.” Tal como relatou no The Players' Tribune, o progenitor manteve-se firme. A revolta foi o diabo atrás do ouvido que sussurrou a Pascal para ter um mau comportamento.

Bafia, nos Camarões, não era um paraíso escondido. A pobreza é nevoeiro que paira sobre o mundo e oculta o que está para lá da cortina. Pascal não cumpriu com as expectativas do pai, que esperava que o filho se deixasse contagiar pela espiritualidade. No entanto, Tchamo tinha o sonho de ver um dos seus descendentes chegar à NBA. Até por vir de onde vem, a ambição era uma utopia que Pascal tornou real.

Aos 17 anos, os adolescentes já costumam ter uma série de decisões tomadas que influenciam quase definitivamente o futuro que vão ter. Só por essa altura Pascal Siakam jogou basquetebol organizado pela primeira vez. Impressionava pela capacidade atlética adquirida nos jogos de futebol que fazia durante a hora destinada a tal no seminário. A velha tabela limitava-se a assistir. Foi convidado a participar numa edição do Basketball Without Borders, um programa que desenterra talentos nos lugares mais recônditos do mundo, realizada na África do Sul. A atenção que os responsáveis pelo recrutamento de equipas universitárias e da NBA prestam a esta iniciativa fez com que daí até aos Estados Unidos, o antro dos prodígios da borracha laranja, o passo tenha parecido pequeno.

Matthew Stockman

Quando chegou, era desengonçado e devia muito à técnica. Era natural não ter fundamentos em comparação com alguém que driblou uma bola desde criança, mas rapidamente, como tudo aconteceu na sua carreira basquetebolística, melhorou. Em 2016, entrou na NBA ao ser escolhido pelos Raptors na 27.ª posição do Draft. Três anos depois venceu o prémio de Most Improved Player, atribuído ao jogador que deu um maior salto qualitativo, e contribuiu para que os Raptors fossem campeões.

“Tem sido um caminho louco, com muitos altos e baixos. Sei que não sou o tipo de que toda a gente quer falar. Não quero saber disso. Sou apenas um jovem dos Camarões que se mudou para os Estados Unidos com 18 anos e deu tudo pelo basquetebol.” O jogador low profile está mais em evidência do que nunca. Na sala de imprensa, estas palavras foram ditas com o brilho do troféu de MVP das finais da Conferência Este da NBA a bater-lhe na cara. Se a história de Pascal Siakam é um conto de fadas, a dos Pacers, a discutirem o título pela primeira vez em 25 anos, também pertence ao mesmo género literário.

O extremo-poste de 31 anos foi trocado para a equipa de Indiana em 2024 para dividir o papel de figura central com Tyrese Haliburton. Entre ambos, combinam três nomeações para o All-Star. Não sendo dos jogadores mais mediáticos da liga, esta época não lhes foi dada grande atenção. Nem à dupla principal, nem a figuras como Aaron Nesmith ou Andrew Nembhard, fundamentais para que neste momento os Pacers estejam a disputar as finais da NBA frente aos Thunder.

Jason Miller

Tal como pouco valor se dava a Siakam como jogador de basquetebol nos primeiros tempos em território norte-americano, os Pacers também não receberam o devido crédito no arranque dos playoffs, mesmo que em 2023/24 já tivessem chegado às finais de conferência. O favoritismo recaía sobre os Thunder, os Celtics e os Cavaliers. Pela sombra, a equipa treinada por Rick Carlisle superou as probabilidades.

Mesmo ganhando 50 jogos, os Pacers foram apenas quartos classificados na fase regular da Conferência Este. Atingidos os playoffs, geralmente, as percentagens de lançamento baixam e a produção ofensiva é mais escassa devido ao maior empenho das defesas. Indiana não seguiu a tendência. Os Pacers estão a atirar a 40,1% de três pontos quando, na fase regular, não passaram dos 36,8%. A nível de offensive rating, uma estatística que mede os números de pontos gerados por cada 100 posses de bola, subiram de 115,4 (nono melhor registo na fase regular da liga) para 116,7 (segundo melhor nos playoffs). Unidos pelo altruísmo, ninguém os supera na postseason em assistência por jogo (27,8).

Oklahoma City Thunder e Indiana Pacers nunca venceram um título da NBA e vontade não lhes falta. À melhor de sete, vão decidir quem quebra o enguiço.