Há palcos que apelam à transcendência. E para o Benfica europeu, esse estádio é a casa da Juventus. Em 2014, o empate sem golos em Turim permitiu uma épica qualificação para a final da Liga Europa. Há dois anos e meio, na fase de grupos da Champions, João Mário e David Neres deram a volta a um jogo em que o Benfica perdia desde os primeiros minutos, numa exibição brilhante. E esta quarta-feira, nova vitória, uma vitória adulta e controlada, abriu as portas do playoff à equipa de Bruno Lage, que afasta assim, por momentos, a crise.
Se em 2022 o Benfica vivia o auge do futebol de Roger Schmidt, o triunfo por 2-0 desta noite conta-se com outras linhas, não menos admiráveis. Frente a uma Juventus descaracterizada, o Benfica assumiu a superioridade mental desde muito cedo. Marcou ainda dentro dos primeiros minutos de jogo, sabendo aproveitar a seu favor o início frenético, para na 2.ª parte controlar sem bola, perante a falta de ideias generalizada do adversário, matando já nos últimos 10 minutos, com a Juventus já desesperada e demasiado engalanada para a frente. Sem show ou festa, com imenso pragmatismo. Há muitas maneiras de Turim continuar a ser território encarnado.
A calma terá sido, portanto, decisiva. Nos primeiros minutos, a bola rondou as duas balizas mortinha por entrar, numa última jornada de fase de liga de Champions em que muito ainda se decidia. Pavlidis e Schjelderup estiveram perto de marcar para o Benfica, do outro lado foi McKennie a permitir boa defesa a Trubin. O jogo vivia com as pulsações aceleradas, impossíveis de manter.
Foi já num momento de tranquilidade, com o Benfica, bem, a sobreviver aos ataques italianos, que Kalulu saiu por lesão e Thiago Motta lançou Locatelli para o eixo da defesa. Com a Juventus ainda a ajustar, o Benfica sentiu a oportunidade. Uma abertura admirável de Aursnes encontrou Bah nas costas de Gatti e o dinamarquês teve a fineza e a sobriedade de entregar para a entrada de Pavlidis, que só teve de encostar naquela enorme clareira deixada pela Juventus.
O jogo tornou-se logo então numa corrida desesperada da Juventus. Uma corrida quase sempre desengonçada, privada de ideias. Os constantes cruzamentos de Francisco Conceição foram apenas um sintoma, a quase ausência de Yildiz outra. O Benfica controlava ao longe, um espectador privilegiado de uma equipa em dissolução. Um gigante feito gatinho. Nas transições, o Benfica ia assustando: Pavlidis antes do intervalo, quase marcava, valeu a coragem de Perin.
A presença da Juventus com bola tornou-se ainda mais visível na 2.ª parte, mas não menos estéril. Florentino, numa extraordinária exibição, patrulhava todas as abertas para a baliza do Benfica. Um remate de Yildiz à malha lateral aos 58’ será a única oportunidade digna desse conceito, enquanto Lage, no banco, ia preparando uma estocada final que já se previa. Barreiro entrou para a vez de um cansado Schjelderup e Aktürkoğlu foi lançado para o lugar de Di María. Aos 76’, surgiu o primeiro aviso: o turco cruzou na esquerda e Barreiro, médio feito homem de área, falhou por pouco o remate. E aos 81’, uma admirável jogada coletiva do Benfica destruiu o que restava da pouca fortaleza mental dos italianos, sempre uma equipa temerosa ao longo do jogo, brindada por assobios vindos da bancada.
Tudo começou num calcanhar de Aursnes para Barreiro, que deu para Pavlidis. Kerem, voltando aos seus tempos de mágico, simulou o passe, deixando a bola seguir para Kökçü, que com um remate rasteiro à entrada da área fez o 2-0. Um justo final para uma equipa que se manteve sempre equilibrada e soube farejar as inúmeras lacunas da Juventus neste jogo, a milhas da equipa nervosa e atrapalhada, sem ligação ou aura ou capacidade de reação, e que perdeu bem frente ao Casa Pia.
O Benfica está, assim, comodamente nos playoffs e passando em 16.º será até cabeça de série no sorteio da próxima sexta-feira. Ante a crise, os encarnados foram os adultos na sala, ajudados por uma Juventus ainda mais nervosa e receosa, que acabou novamente derrotada em sua casa por um velho carrasco.