Os “olés” que se ouviram das bancadas de Alvalade na 2.ª parte do prolongamento, quando Portugal já vencia por 5-2 e tinha as meias-finais da Liga das Nações na mão, provam que o adepto de futebol tem memória curta. Esqueceram-se porventura aqueles adeptos que Portugal, uma das seleções com mais talento do futebol mundial, meia-hora antes se tanto tinha estado a escassos quatro minutos de ser eliminado da prova pela Dinamarca. Olvidaram-se do desespero na cara dos jogadores, dos protestos. O arrebatamento dos golos é mesmo assim, vai-se o torpor dos momentos difíceis, fica apenas o sabor arrogante da vitória.

Portugal bateu a Dinamarca na 2.ª mão dos quartos de final da Liga das Nações, depois *daquele* jogo em Copenhaga há três dias, que ficará numa qualquer galeria de horrores da seleção nacional. Mas convém não esquecer que, durante 90 minutos, Portugal viveu na angústia, no aperto de quem se viu, mais uma vez, sem soluções. De quem decidiu entregar o jogo ao adversário, correndo depois, quase sempre mal, atrás do prejuízo.

A entrada de Francisco Trincão, jogador que até este domingo pouco contava para Roberto Martínez, mudou o jogo, porque também mudou a maneira da seleção nacional jogar. Com Gonçalo Ramos e Diogo Jota, gente com capacidade de se dar ao jogo, em apoios, não poucas vezes os primeiros defesas das suas equipas, o alívio foi outro. No prolongamento, e mesmo com periclitâncias atrás, Portugal serviu veneno a uma equipa da Dinamarca já muito desgastada, a quem a seleção nacional nunca deixou de dar esperanças.

Mas o que demorou Roberto Martínez a perceber o que era preciso mudar na equipa era o que devia pulular na cabeça dos adeptos de Portugal, não a jactância de servir aos vigorosos nórdicos uns “olés” emproados, indignos até.

Zed Jameson/MB Media

Depois do lindo espectáculo de quinta-feira, o “pior jogo da seleção nacional desde há dois anos”, disse Martínez, como se o Euro 2024 não tivesse tido jogos tão maus ou piores, o selecionador nacional mudou sem nada mudar. Uma espécie de lifting para enganar tolos. Bernardo Silva, em dia de centenário, substituiu João Neves, perdendo assim Portugal um dos jogadores que mais à vontade está na pressão ao adversário. Pedro Neto, titular em Copenhaga e o único jogador da seleção que buscou a baliza, foi para a bancada. Para a sua vez entrou Francisco Conceição. Rafael Leão e Cristiano Ronaldo, nulidades na Dinamarca, foram recompensados com a titularidade. E, posto isto, a ideia só podia ser a mesma: muito jogo exterior, arrancadas individuais, uma velinha a nossa senhora para que as coisas corram bem.

E não correram. O simulacro de pressão alta dos primeiros minutos morreu rapidamente. Sem jogo interior, os cruzamentos voltaram a ser escolha principal do menu. Nuno Mendes dava opções, mas Rafael Leão abusava da última finta e Cristiano Ronaldo lutava com o timing para se elevar em busca da bola. O penálti falhado aos 6’ foi mais um sintoma do desconforto - abordagem a medo, a passo, remate frouxo.

Aos 20 minutos, já a Dinamarca enchia o campo com a sua pressão maçadora e terrivelmente eficaz. Talvez nem fosse necessária: em posse, Portugal fazia do jogo um carrossel de bola no pé e gente inerte. Mais uma voltinha, mais uma viagem. O golo de Portugal, já depois dos 30 minutos, nasce de um canto ao qual Joaquim Anderson deu o seguimento que Cristiano, bem colocado, não conseguiu dar, enganando Schmeichel.

Depois do intervalo, Portugal adormeceu, entregou o jogo ao rival. Mais uma vez, como tantas vezes aconteceu em Copenhaga. O golo de Kristensen, após canto, foi o corolário de minutos de pressão intensa na área portuguesa. Dorgu brincava com Dalot na ala esquerda, a variabilidade de corredores, com ligações simples e rápidas, funcionava. Portugal voltava a estar fora da Liga das Nações.

RODRIGO ANTUNES

Com a entrada de Jota, Portugal voltou a ter bola e algumas ligações iam surgindo, a custo e a ferros. O golo de Ronaldo, aos 72’, nasce do faro de Nuno Mendes a ver a entrada de Bruno Fernandes no corredor central. Um erro garrafal de Rúben Dias, não merecido já que durante os dois jogos foi, em tantas situações, um verdadeiro bombeiro na defesa portuguesa, voltou a deixar a Dinamarca em vantagem minutos depois.

No nervosismo do jogo, Portugal também beneficiou. O golo que levou o encontro para prolongamento nasce de um mau alívio de Kasper Schmeichel num lance inócuo. O remate à entrada da área de Trincão, de primeira, cheio de intenção, também foi a vitória dos tantas vezes ignorados por Roberto Martínez. O jogador do Sporting, novamente em subida de forma, um criativo inteligente, capaz de dar soluções interiores, que tanta falta fazem a esta equipa, voltou a marcar à entrada do prolongamento, numa recarga cheia de classe após um primeiro remate de Gonçalo Ramos, mais uma vez a pedir minutos ao selecionador nacional, que mantém a sua inabalável fé em Cristiano Ronaldo que, fora o golo, voltou a ser um elemento de disrupção no jogo de Portugal.

Quebrada que estava a seleção da Dinamarca, valente nos dois jogos, o prolongamento seria de Portugal. Gonçalo Ramos ainda marcou nos últimos momentos, num golo que nos deu um vislumbre do que pode ser esta seleção caso a criatividade entre ao serviço do jogo coletivo da equipa: Trincão abriu para Diogo Jota e este cruzou rasteiro para a entrada poderosa na área do avançado do PSG. Tudo simples. Não era tão menos dramático se pudesse ser sempre assim?

Mais do que a presença na final four da Liga das Nações (o próximo adversário é a Alemanha), competição menor da UEFA, a vitória deste domingo permitirá a Portugal encontrar um grupo mais simpático de qualificação para o próximo Mundial. Enfrentará a Hungria, Irlanda e Arménia, evitando assim um grupo com Grécia, Escócia e Bielorrússia - os dois primeiros dariam seguramente muitos problemas à equipa de Roberto Martínez.

Não foi caso para “olés”, nem para grande festa. Portugal venceu, mas esteve muito perto de perder. A montanha russa poderia servir como reflexão sobre o que Roberto Martínez quer desta equipa: o futuro está na suas mãos. É pena que tantas vezes esteja sentado no banco.