Enquanto clube fundador da Premier League, em 1992, o Middlesbrough teimou em cumprir expectativas nessa década. Mesmo quando se conseguia ir a São Paulo contratar alguém como Juninho Paulista, ir a Turim seduzir a rockstar Ravanelli ou aterrar no Porto com garantias para a contratação do todo-o-terreno Emerson, imprescindível nuns Dragões que seriam Penta.

Bryan Robson, antiga figura do United, tinha assumido como Jogador-Treinador em 1994, sem nunca mostrar as mesmas credenciais de talento superlativo a partir do banco. Na viragem do milénio, o presidente Steve Gibson decidiu de forma ousada e quase vexatória: para salvar o Boro de mais uma descida, Bryan Robson precisava de se chegar para o lado porque o lendário Terry Venables ia ser o treinador principal para o que restava da época. Foi já com os dois a decidir que o clube consegue a série de dez jogos sem perder (sete empates) que lhe garante o 14.º lugar final.

Em Manchester, as coisas andavam caóticas. Depois da fantástica reviravolta em Camp Nou, Sir Alex Ferguson tinha metido na cabeça que era hora de terminar o seu reinado (duraria mais… 11 anos). Mas naquela fase, a intenção gerou grande onda mediática de corte e costura.

Steve McClaren, seu adjunto desde Janeiro de 1999, era um dos pretendentes à vaga e a sua fama de vanguardista justifcava a aposta: desde que entrara para a equipa técnica, o United ganhara uma Liga dos Campeões e um bicampeonato. Supostamente, muito devido às suas percepções táticas e treino especializado, suportado por tecnologia de ponta ao nível da videoanálise e do uso de psicólogos individuais no acompanhamento diário dos atletas.

Quando Sir Alex lá ganhou juízo e decide continuar em Old Trafford, McClaren suspirou de frustração e entendeu que teria que procurar noutro sítio. Lançou-se ao barulho do mercado. Steve Gibson, o presidente que assim que viu Venables e Robson a conseguir a manutenção os mandou embora, percebeu no jovem adjunto o homem perfeito para dar um novo ar ao projecto do Riverside. Não começaria bem, no entanto.

Quatro derrotas nas quatro primeiras jornadas de 2001-02. O Middlesbrough estava na cauda classificativa, já tinha sofrido quatro golos do Arsenal e mais quatro do Newcastle. Quando tudo se precipitava para o despedimento, McClaren recebe e vence o West Ham. Na semana seguinte, não perde nem em Leicester em Londres, em Stanford Bridge. Estava lançado.

Ao contratar Gareth Southgate, actual seleccionador inglês e competentíssimo central do Aston Villa à altura, por 6,5 milhões de libras, garantiria ao conjunto a liderança que dava estabilidade em momentos de maior stress. Na época de estreia, uma melhoria de dois lugares na tabela (12.º) e atingidas as Meias da Taça de Inglaterra (só eliminado pelo Arsenal e às custas do mestre Sir Alex, na 4.ª ronda).

Na época seguinte, garantem-se mais valências técnicas a um conjunto que se organizava em 4-4-2 clássico mas apostava no associativismo no último terço, onde os alas eram ‘10’ e a parelha de avançados era o aríete que lhes abria espaço: regressa a Riverside Juninho, que entretanto tinha andado por Madrid e pelo Brasil natal; Chegam Géremi por empréstimo e o voluntarioso Gérome Boateng em definitivo, além do italiano Maccarone, que chega do Empoli sem talvez imaginar o peso que teria no futuro do clube.

Mas o Boro continuava sem entrar no top10. O constante investimento, que em 2003-04 se materializava com a entrada de nomes como Mendieta, Doriva ou Zenden, não tinha garantido ainda resultados práticos para o palmarés. O presidente tinha até um objectivo mais ambicioso: meter um troféu oficial num Museu de prateleiras vazias. Restava apenas perceber se McClaren tinha mãozinhas para a coisa.

E tinha, pelos vistos. O Middlesbrough foi desbravando caminho na Taça da Liga, por duas vezes recorrendo à sorte dos penáltis, mas nas Meias-finais provou ao mundo que tinha sim as capacidades para vencer: porque à sua frente surgiu o Arsenal, que caminhava invencível na Premier League. Na primeira mão, o Boro aproveitou que Wenger fez descansar a artilharia pesada para ganhar por uma bola; na segunda mão, o Riverside cheio empurrou a equipa para a final com outro triunfo.

O troféu, o primeiro de sempre do clube, tornava McClaren no primeiro treinador inglês a ganhar um grande troféu nacional desde 1996. Garantia também que seria a estreia do Boro nas tarefas europeias e por isso toca de ir comprar o fato de gala: chegam mais craques doutra dimensão, como Jimmy Floyd Hasselbaink, Mark Viduka, Reiziger ou Ray Parlour. McClaren tinha cada vez mais à disposição a qualidade técnica e mental para decidir a seu favor os grandes jogos.

Nem a novidade e preocupação europeia desmanchou o compromisso dos de Teeside em 2004-05. A equipa sacrificou as Taças mas, em termos absolutos, foi a melhor época de McClaren.

A resposta em contexto internacional foi francamente positiva, ao se conseguir o primeiro lugar num grupo com Villareal, Partizan e Lazio, sucumbindo apenas perante a maior experiência dum Sporting comandado por José Peseiro, que conciliava com a grande qualidade do plantel a motivação extra de atingir a final, por ser jogada em Alvalade. Uma série de desatenções fatais em casa na primeira mão, além da evidente inspiração de Liedson ou Douala, impediram McClaren duma real hipótese de continuidade em prova.

Os jogos com o Sporting são em Março e a partir desse momento a equipa concentra-se na Premier League, só perdendo uma das últimas oito jornadas. No último minuto da jornada 38, o Boro vai empatando em Manchester, na casa dum City que ainda não era o superlativo da década seguinte. Contra-ataque dos cityzens e um corte resulta em penalty, por ter sido feito com a mão. Robbie Fowler, lenda do Liverpool já em fase descendente, é o homem indicado para um grande momento de pressão.

Se o City conseguir os três pontos, rouba o sétimo lugar ao Middlesbrough e a consequente qualificação europeia. Mas Schwarzer, já decisivo nos desempates que tinham garantido a Taça da Liga, faz isto.

O Middlesbrough conseguia assim a melhor classificação desde 1975 e era a primeira vez que atingia a Europa por via do campeonato. McClaren parecia o homem certo e era já um histórico do clube, o seu melhor treinador de sempre. Mas a sua ambição chegava mais longe.

Para 2005-06, vai a Fratton Park, casa dum Portsmouth entusiasmante, injectado com investimento estrangeiro e com excelente equipa, perguntar aos Pompey quanto queriam pelo buldózer Yakubu – 7,5 milhões, responderam, o que o tornava a maior contratação de sempre do Boro e o nigeriano mais caro de sempre; Além dele, chegam também Pogatetz e Fábio Rochemback, que não tinha chegado a acordo com o Sporting apesar de essencial na chegada à final da UEFA.

E é agora que o projecto descamba, sem se perceber muito bem se foi McClaren a ver na Europa a possibilidade de fazer a sua carreira voar mais alto – que seria, de facto, um bom motivo; se a própria equipa se desconcentrou por tanto estímulo competitivo.

A sensação de oito ou oitenta, de altos e baixos constantes, encheu o presidente de dúvidas: de um 4-1 ao United ou 3-0 ao Chelsea, a equipa caía a pique e levava sete em Highbury, perdia por dois em casa frente ao Sunderland – os mesmos que seriam últimos classificados, com apenas três vitórias – ou deixava-se atropelar pelo Aston Villa, também em Riverside, por quatro golos.

Nem mesmo os mais tolerantes adeptos das Midlands se conseguiram conter nesse dia. A coisa chegou ao ponto de um deles, perdendo as estribeiras pela falta de consistência da equipa, invadir o relvado para atirar o Passe Anual na cara de McClaren. Dá para ver um instante desse momento no final do vídeo.

E, não querendo tornar aceitável o gesto desse adepto, é preciso ver que não estava assim tão longe da verdade. Porque além desse 4-1 ao United ou os três ao Chelsea, a equipa ressuscitava desses pesadelos com resultados inacreditáveis, grande parte deles na Taça UEFA: depois de sair intacta (sem golos sofridos) da fase de grupos, o Boro ultrapassa Estugarda e Roma pela regra dos golos fora.

Eram grandes vitórias de underdog, que assim melhorava o registo do ano anterior e se livrava de nomes históricos. Quando calhou o Basileia em sorte para os Quartos, sentia-se que era possível. E foi, não sem ser preciso uma grande remontada no Riverside, num 4-1 que virava o 2-0 sofrido na Suíça.

Quando o sorteio ditou um Steaua de Bucareste nas Meias, Steve Gibson deve ter sorrido. McClaren deve ter exultado, apesar da sua postura de típico gentleman britânico impedir grandes excitações.

O Steaua, outro histórico sem a mesma correspondência competitiva na actualidade, tinha chegado ali por mérito próprio, até porque tinha eliminado o seu rival Rapid nos Quartos, derby inigualável pelas circunstâncias.

Em Bucareste, o Boro não se aguentou, mas saiu vivo (1-0). Tinha outra vez que remontar em casa. Só que ao fim de 16 minutos, o Steaua aumenta a vantagem para dois golos; aos 23’, três. É aí que se começa a contar a lenda de Maccarone, que já tinha marcado contra o Basileia e aqui faria mais dois.

McClaren era o primeiro inglês a chegar a uma final europeia desde Joe Fagan, em 1985. Tinha cumprido as pretensões da sua desmedida ambição, mesmo que isso tenha custado o sustentado crescimento interno – do sétimo lugar em 2004-05, a equipa, distraída com a glória europeia, caía para 14º na tabela final.

A derrota em Eindhoven, por números expressivos (0-4) que demonstravam a distância na preparação tática entre o seu Boro e o Sevilha, de Juande Ramos, só deram força à convicção de Steve Gibson: que o projecto atingira o seu auge e havia que saber fechar o ciclo.

Quando Scolari dá a nega à Federação Inglesa, que depois de perder Eriksson se via órfã e rejeitada, os astros alinharam-se em conveniência: McClaren ascendia ao maior cargo das Ilhas, mais empurrado que propriamente justificado. Diz-se que num inquérito da BBC 56% responderam que não era o homem certo para a Selecção.

Steve Gibson, ao descalçar a bota, decidia novamente de forma questionável: promovia Gareth Southgate de capitão a treinador, apadrinhando a sua primeira oportunidade como técnico principal. Que não correria muito bem, já que o Boro mais três anos e descia para o Championship…

McClaren também mostrou que dera passo maior que a perna. Não conseguiu levar a Inglaterra ao Euro2008, depois da famosa noite em Wembley em que uma Croácia, liderada por jovem rebelde chamado Luka Modric, faz o mundo gritar de espanto ao ganhar por 2-3. Desde o Euro1992 que os Três Leões não falhavam uma grande competição. A substituição por Fábio Capello não tardaria…

Mas a História não se apaga com o fracasso, dizem até que as pedras pelo caminho fortalecem o castelo do cômputo geral. Esse Boro foi a fase de ouro do clube, com o primeiro troféu, a primeira ida à Europa e logo a seguir a chegada à final, crescimento exponencial num período de cinco anos. As inovações e conhecimentos de McClaren, aliado à sua relação frontal e próxima com os atletas, construíram equipa que se agigantava nas circunstâncias de grande pressão. Os grandes momentos acumularam-se e são quase incontáveis.

Os craques sobressaíam naquele futebol virado para a frente, onde o kick and rush era habilmente conjugado com a necessidade de associação, em toque curto, que o talento brasileiro ou italiano precisa, resultando num futebol fluído, com resposta para muitos dos desafios, mesmo que isso significasse uma maior permeabilidade defensiva.

Preferencialmente organizados no tal 4-4-2, algumas vezes até em 3-4-1-2, para realmente conseguir aliar a largura às dinâmicas da parelha de avançados, sempre prontos para o confronto físico: quando McClaren consegue reunir no mesmo plantel Yakubu, Viduka e Hasselbaink, não haveria – ontem e hoje – muitas defesas que pudessem resistir.

Dos 20 golos marcados até à final de Eindhoven, 11 foram da autoria dos seus três avançados. 15 se quisermos incluir Maccarone nas contas, que também era homem de último terço e toque. Revelador do estilo de jogo instruído e da agressividade incutida nos últimos homens, sempre suportados por gente muito mais refinada como Juninho, Mendieta ou Stewart Downing.