
A certa altura, parecia que havia duas provas dentro da mesma prova na final dos 800m dos Mundiais indoor de Nanjing. Na frente, bem destacadas seguiam as duas etíopes, Nigist Getachew e Tsige Duguma, acompanhadas da sul-africana Prudence Sekgodiso. Nada de surpreendente, eram as grandes favoritas.
Já bem atrás, as três atletas europeias, entre elas a portuguesa Patrícia Silva, lutando pelo realista 4.º lugar.
Acontece que os 800 metros é uma das provas mais táticas do atletismo. Exige velocidade, mas também capacidade de gestão do esforço, numa linha ténue que está sempre em vias de rebentar. E rebentou mesmo, para o lado das duas etíopes. Aproveitou Patrícia Silva, que numa reta final estonteante deu a Portugal a primeira medalha nestes Mundiais, um bronze talvez inesperado mas saboroso.
A história da final começou a virar quando Tsige Duguma quebrou já dentro da última volta, engolida por um esforço mal calculado. Nigist Getachew, que vinha impondo o andamento, forte, duro, também não aguentou. Prudence Sekgodiso sim, sendo a grande beneficiária do inglório esforço das adversárias. Getachew ainda se manteve em segundo lugar, mas do nada a medalha de bronze estava em aberto para uma das europeias.
A suíça Andrey Werro, a polaca Anna Wielgosz e Patrícia Silva não se tinham perdido de vista. Wielgosz, campeã da Europa há duas semanas, parecia a mais forte. Na última volta, Patrícia Silva era última, mas não seria última no final. Na última reta, por fora, foi buscar as últimas forças para ultrapassar a polaca e em cima da meta ultrapassou Werro. E pela primeira vez, uma portuguesa corria abaixo dos 2 minutos na distância (1:59.80).
A cara de incredulidade de Patrícia Silva, de 25 anos, foi rapidamente filmada. Sétima nos 1.500 metros nos últimos europeus, a atleta apostou nos 800m para os Mundiais e a decisão acabou em jackpot.
Os genes correm-lhe nas pernas. O pai, Rui Silva, não precisa de ser apresentado: é um dos melhores meio-fundistas portugueses de sempre, bronze nos 1.500 metros nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004, campeão mundial indoor na distância e três vezes campeão europeu também em pista coberta. O avô materno, Carlos Cabral, foi também finalista nos 1.500 metros em Europeus de pista coberta, nos anos 80.
A terceira geração também já vence. Patrícia Silva conquistou com grande coração a 17.ª medalha de Portugal em Mundiais indoor.