
A glória vai-se aproximando em pedaladas velozes. Um arsenal de objetivas começa a fazer mira para não perder o alvo. As câmaras entram em ação quando Sua Excelência chega montada em duas rodas. Recortes da realidade ficam eternizados naquelas fotografias. Quantos mais disparos se fazem contra um momento, mais vivo ele fica. Irónico.
O caçador de instantes Dario Belingheri estava posicionado na varanda de um bar. Esperava a aparição de Tadej Pogačar na Piazza del Campo. O centro de Siena é o lugar onde duas vezes por ano se realiza o Palio, uma corrida de cavalos, e uma vez por ano tem chegada, a Strade Bianche, uma corrida de bicicletas.
Pogačar tinha-se despegado da concorrência de Thomas Pidcock a 18 quilómetros dali. Parecia não desejar emplastros nos registos da sua vitória. Dario Belingheri apanhou o primeiro corredor a vencer a Strade Bianche em anos consecutivos de braços levantados, quase a tocar no céu. A multidão parecia ter aberto um corredor para o deixar passar e saudava-o como um rei. Como fundo, as temperaturas altas das cores dos edifícios e um arco que agora é do triunfo.
O local privilegiado para enquadrar de forma ergonómica todos os elementos foi meticulosamente pensado. “No dia anterior fui ao bar no canto da Piazza del Campo para um aperitivo e pedi para subir.” Agradado com a vista, o fotógrafo italiano conta à Tribuna Expresso que pagou 50€ para ter direito a permanecer na varanda do bar. A corrida durou mais de cinco horas e aparentou ser conveniente matar a sede e a fome. “Estava à espera do final da corrida e aproveitei o tempo no terraço para beber Aperol e comer.”
Junto de Dario Belingheri estavam mais cinco fotógrafos. Tomar de assalto aquela plataforma não é uma inovação para os homens das lentes habituados a cobrir a Strade Bianche. “Aquela varanda é um sítio que já tinha sido usado no passado. Há dez anos que fazemos estas fotografias”, mas há três coisas que tornam esta “especial”. “Esta fotografia é boa por causa das pessoas. Normalmente, quando vemos uma fotografia com um público incrível, é sempre bom. Depois, a Piazza del Campo. Por fim, o Pogačar é campeão do mundo.”
Os olhares obcecados num só indivíduo que a fotografia de Dario capturou atentam em Pogačar. Os dentes do crank do ciclista da UAE Emirates roíam os metros finais de um teste à sua humanidade. Durante a corrida, sofreu um aparatoso acidente. Mesmo assim, decrépito, reergueu-se e seguiu caminho. As feridas pareciam estar ali apenas para também assistirem à magnificência do seu desempenho. Quando transpomos isto para uma imagem parece que estamos perante uma variante moderna do renascentismo.
Dario Belingheri também foi ciclista. Deixou de competir em 2015 e desde aí que anda “pelo mundo a fotografar e a seguir as corridas”. É em simultâneo conhecedor do masoquismo necessário para ganhar uma corrida e da minúcia exigida para conseguir uma boa imagem.
Neste segundo caso, o corpo sofre um pouco menos. Basta que a fotografia esteja “tecnicamente perfeitamente perfeita”, “exposta”, “nítida”, que “não esteja auto-focada” e que tenha uma “boa composição” e uma “ideia por trás”. É igualmente tanto melhor quanto a importância do feito e o terceiro triunfo de Pogačar na Strade Bianche é certamente um momento para mais tarde recordar.