O fisioterapeuta tinha um corte aberto no dedo, então pediu um conselho ao seu personal trainer acerca de como poderia tratar a ferida e recebeu em troca a sugestão de ir comprar um spray “facilmente” disponível “ao balcão de qualquer farmácia em Itália”. Entre 3 e 15 de março, o dito fisioterapeuta pulverizou a sua pequena chaga com o produto, período ao longo do qual massajou “diariamente” os músculos e articulações de Jannik Sinner, então a competir em Indian Wells, no meio do deserto da Califórnia onde existe um torneio da categoria Masters 1000.

Uma ferida no dedo de uma mão do fisioterapeuta tratada por um produto sugerido por um conhecido foi a justificação apresentada pelo tenista italiano para ter acusado a presença de clostebol num controlo anti-doping realizado a 10 de março na competição onde chegou às meias-finais. Dias depois, voltaria a testar positivo, mas Sinner apenas foi notificado em abril dos resultados de ambos os testes - e cumpriu, provisoriamente, dois períodos de suspensão. O secretismo imperou, pois nunca se soube dos castigos.

Entre o comunicado divulgado pelo atual líder do ranking mundial e outro apresentado pela Agência Internacional de Integridade no Ténis (ITIA, na sigla inglesa) constam duas versões da mesma história que acabou por considerar que Jannik Sinner “não é culpado nem negligente” no caso, apesar de ter testado positivo duas vezes para a substância proibida.

O tenista explica que “nada sabia” quanto ao spray, nem o próprio fisioterapeuta se inteirou de que o produto continha clostebol, tendo feito as várias massagens “sem luvas” e também com “várias lesões na pele” de Jannik Sinner, coincidência que terá causado a “inadvertida contaminação”. No primeiro teste, detetou-se uma dose de clostebol em “níveis reduzidos”, refere a ITIA, ou um “metabólito”, reforçada pela comunicação do tenista como sendo o equivalente a “menos do que um bilionésimo de grama”. O italiano voltaria a acusar a presença da substância num teste feito após o torneio de Indian Wells, onde ele chegou às meias-finais (perdeu contra Carlos Alcaraz em três sets).

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O procedimento, em caso de testes positivos, estipula que um atleta é logo suspenso provisoriamente, tendo direito a apresentar um recurso. Sinner fê-lo, nas duas vezes, um tribunal independente deixou-o continuar a jogar, a agência de integridade do ténis não se opôs. Decorreu depois a investigação na qual o italiano foi ouvido, o seu fisioterapeuta também e entretanto o ruivo tenista virou líder do ranking mundial, jogou oito torneios (ganhou o Masters de Miami e o ATP 500 de Halle), foi “colaborando totalmente” com a “extensa investigação forense”. E esperou até 15 de agosto. Nesse dia, o tal tribunal independente “determinou uma evidência de não culpa nem de negligência” no caso, isentando o tenista de qualquer suspensão.

Ao vencedor de um Grand Slam - este ano, na Austrália -, contudo, foram retirados os pontos (400) e o prize money (cerca de 400 mil euros) relativos à participação no Masters de Indian Wells. A dedução não terá implicações na hierarquia do ténis masculino, pois Jannik Sinner continua líder e assim chegará ao US Open, cujo qualifying já arrancou na segunda-feira. Com palavras delicadas e simpáticas, o italiano afirma que irá “colocar este desafiante e profundamente desafortunado período para trás” e “fazer tudo” o que pode para “cumprir” com o programa anti-doping da ITIA. Jannik Sinner garante que está rodeado por “uma equipa meticulosa no cumprimento” das mesmas regras.

As conclusões que inocentaram o jogador de 23 anos, que abdicou de participar nos Jogos Olímpicos além dos Masters de Madrid e Roma, têm que ver com uma substância considerada um esteroide anabolizante fraco. Mas, em 2020, o Comité Olímpico Internacional e a Agência Mundial de Anti-Doping (WADA) acrescentaram o clostebol à lista de substâncias proibidas para os atletas.

No artigo em que esta última entidade anunciou ao mundo esta inclusão consta um excerto que parece bater certo com a história de Jannik Sinner: “A melhoria das capacidades de deteção dos laboratórios anti-doping levou ao aumento moderado da deteção de clostebol, especialmente em Itália, onde o uso de um creme que contém acetato de clostebol e neomicina é bastante alargado”. Chega até a mencionar o medicamento, Trofodermin, que contém “5% de acetato de clostebol” e “pode ser aplicado em creme ou spray”.